Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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O PÓS MANICÔMIO JUDICIÁRIO: REVERBERAÇÕES DE UM PROCESSO DE DESINSTITUCIONALIZAÇÃO
Amélia Belisa Moutinho da Ponte, Ingrid Bergma da Silva Oliveira, Sabrina de Sousa Queiroz, Lucivaldo da Silva Araújo, Thays Cristina Palheta Melo, Pâmela Renata Gomes da Silva, Maria Paula Ferreira Rodrigues, Monise Isabelly Sousa Soares

Última alteração: 2022-02-01

Resumo


Apresentação: Os manicômios no Brasil foram paulatinamente fechados a partir da Lei da Reforma Psiquiátrica promulgada em 2001. Entretanto, as mudanças não chegaram na mesma velocidade aos manicômios judiciários. O último, e único censo, realizado em 2011, específico para esta população, contabilizava 26 Estabelecimentos de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (ECTP). Atualmente no Pará, ainda existem cerca de 60 pacientes custodiados no Hospital Geral Penitenciário (HGP), antigo Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP), o único manicômio judiciário em atividade no Estado do Pará. Quando uma pessoa diagnosticada com algum tipo de transtorno mental está em conflito com a justiça, suspende-se o processo sobre o qual ela sendo acusada e instaura-se o Incidente de Insanidade Mental para verificar se ela estava com suas faculdades mentais preservadas durante o delito praticado, e uma vez constatado pelo perito forense que a pessoa estava em surto psicótico durante o delito, ela se torna inimputável, ou seja, não é passível de culpa e por isso não pode receber uma pena. Por isso, é aplicada uma “medida de segurança”. Antes de 2014 os custodiados eram levados para o HGP, a partir daquele ano houve uma mudança nesse entendimento com a criação do Serviço de Avaliação e Acompanhamento de Medidas Terapêuticas Aplicáveis à Pessoa com Transtorno Mental em Conflito com a Lei (EAP), instituído pela Portaria nº 94 de 01/2014 do Ministério da Saúde e que se configura enquanto um dispositivo de conexão entre o Poder Judiciário e os Sistemas SUS e SUAS, e atua a fim de redirecionar para o território as práticas de atenção às pessoas com transtorno mental que possuem conflito com a lei. A EAP não desempenha ações de cuidado, mas direciona ações de desinstitucionalização de internos no manicômio judiciário ou aqueles que já foram desinternados. Dentre as práticas desempenhadas pelo serviço, destacamos a experiência de monitoramento que ocorre em parceria com a Universidade do Estado do Pará (UEPA), através de Estágio Supervisionado em Saúde Mental do 4° ano do curso de Terapia Ocupacional, iniciado em agosto de 2021 e ainda em atividade. Esse relato objetiva compartilhar a experiência que aborda um processo de desinstitucionalização de pessoas com transtorno mental em conflito com a lei no período pós-manicômio e em preparação para ingresso em Serviço Residencial Terapêutico (SRT) realizada pela EAP e UEPA em parceria. Desenvolvimento do trabalho: A equipe formada por profissionais da EAP, docentes e estagiários do curso de graduação em Terapia Ocupacional da UEPA aglutinou esforços para construir estratégias de suporte a 4 moradores de uma instituição de acolhimento temporário, transitório entre o manicômio e um SRT, chamada República Terapêutica de Passagem (RTP). A RTP busca a ressocialização dos egressos do HGP, que já cumpriram medida de segurança e não possuem vínculos familiares favoráveis para a volta ao convívio, e nem condições de autogerência. O processo de acompanhamento de 4 desinternados do manicômio, envolveu as etapas de planejamento, avaliação e intervenção terapêutica ocupacional pela equipe da UEPA e articulação intersetorial pela equipe da EAP. Já foram realizados 15 atendimentos com o objetivo de facilitar a transferência desses usuários da RTP para um SRT, a partir do estímulo à articulação social dos pacientes ( interação, lazer, convivência etc.), treino de atividades de vida diária - AVD (alimentar, vestir, tomar banho, se arrumar, usar o banheiro etc.) e atividades instrumentais de vida diária - AIVD (gerenciamento de finanças, uso de transporte público, realização de compras, preparo de refeições, uso de telefone e outros aparelhos de comunicação, gerenciamento de medicações, manutenção das tarefas domésticas), e resgate e manutenção dos vínculos familiares daqueles que ainda tem algum contato com familiar. Além disso, cabe ressaltar que durante as intervenções, os objetivos traçados através dos Projetos Terapêuticos de Acompanhamento (PTA) de cada paciente estavam especialmente relacionados a trabalhar a autonomia e a independência, autogerenciamento, estruturação de rotina, autocuidado, manutenção de vínculo entre os usuários na RTP, estímulo a aspectos cognitivos e ainda proporcionar momentos de lazer extra-muro. Resultados e/ou impactos: A história mostra que houve a construção de vários abrigos e manicômios em todo o país antes dos ideais antimanicomiais prevalecerem. Assim, ao longo dos anos, a atenção psiquiátrica esteve atrelada ao “tratamento” limitante no interior dos grandes hospícios, com internações prolongadas e manutenção de uma vida segregada. Para a pessoa com transtorno mental em conflito com a lei, esse modelo de tratamento ainda é utilizado, tendo como base intervenções manicomiais após penas aplicadas pelo sistema judiciário. Infelizmente os familiares dos moradores da RTP, em sua maioria, não apresentam condições de ofertar cuidado e condições dignas de viver, respeitando os direitos básicos de sobrevivência. Na instituição os moradores recebem alimentação, suporte medicamentoso e de moradia, entretanto, não há atividades voltadas à recuperação da autonomia e independência com orientação de equipe multiprofissional, pelas características próprias da RTP. Deste modo, o acompanhamento realizado pelos acadêmicos da UEPA é o único que estes pacientes recebem atualmente, uma vez que, até mesmo o suporte psicossocial dos técnicos do CAPS, que cobre o território da RTP, esteve prejudicado no último ano e meio devido a pandemia de COVID-19. No que compete à UEPA, as intervenções tem paulatinamente afetado os moradores, ocasionando que fiquem mais engajados, ampliando repertórios sociais, com melhora nas AVDs e AIVDs, vínculo e autogerenciamento em sentido amplo. No que compete à EAP, houve uma provocação à Coordenação Estadual de Saúde Mental para retorno de discussão e criação de uma equipe de desinstitucionalização, para subsidiar projetos de ampliação dos SRT. Além disso o trabalho de articulação intersetorial realizado pela EAP foi o responsável pela parceria com a UEPA e pela manutenção de uma rede de pares que advogam em favor de ideais antimanicomiais e com foco no cuidado no território, desburocratizando as iniciativas de desinstitucionalização. Considerações Finais: Tendo em vista a experiência relatada, evidencia-se que o pós-manicômio institucionalizante ainda se faz presente no cotidiano dos egressos do HGP, destacando a importância do planejamento de ações em rede, e não apenas com os residentes deste serviço, mas com a própria equipe responsável pela administração da RTP. Devido à relevância do tema, ressalta-se, igualmente, a necessidade da ampliação dos espaços da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), com abertura de novas Residências Terapêuticas e capacitação de novas equipes para atuação antimanicomial. Ressalta-se que a presença das Universidades e suas ações em parceria com Secretarias de Saúde, como ocorre nesta experiência, marca por si só um ganho na formação dos profissionais, e o retorno social se faz como uma importante reverberação dos ideais antimanicomiais, ampliando a esperança de mudanças estruturais nos sistemas que gerenciam a vida da sociedade como o Judiciário e o de Saúde Pública. Contar o êxito dessa experiência se faz como uma forma de permitir que, a desinstitucionalização, e o ganho de qualidade de vida que ela proporciona, não cessem de proliferar.