Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Do acolhimento à promoção de autonomia: reflexões acerca da articulação social intersetorial no acompanhamento de pessoas com transtorno mental em conflito com a lei
Amélia Belisa Moutinho da Ponte, Ingrid Bergma da Silva Oliveira, Lucivaldo da Silva Araújo, Sabrina de Sousa Queiroz, Thaise Lima de Almeida, Paulo Vitor Santos da Silva, Talita Geovana Pinheiro Nunes, Alan dos Santos Reis

Última alteração: 2022-02-01

Resumo


Apresentação: Há pouco mais de 20 anos os ideais antimanicomiais têm pautado a saúde mental no Brasil e mudado um processo marcado historicamente por desconexão, sofrimento e exclusão social. A Lei da Reforma Psiquiátrica, promulgada em 2001, engendrou novos dispositivos assistenciais e novas práticas clínicas. Entre esses dispositivos, destacamos programas e serviços como: as residências terapêuticas; o Programa De volta para Casa; e os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) - importante dispositivo que tem como função primordial o acolhimento às pessoas em sofrimento psíquico. Gradativamente vimos a saúde pública no Brasil, no que tange à saúde mental, passar por avanços, mas também loops de retrocesso. Evidentemente, essa situação se torna ainda mais complexa quando se trata da atenção psicossocial direcionada a pessoas com transtorno mental em conflito com a lei. Em resposta à necessidade de suporte específico a esta clientela, foi instituído em 2014 o Serviço de Avaliação e Acompanhamento de Medidas Terapêuticas Aplicáveis à Pessoa com Transtorno Mental em Conflito com a Lei (EAP). Este serviço no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) realiza uma articulação social intersetorial, redirecionando os modelos de atenção à pessoa com transtorno mental em conflito com a lei para fora do manicômio, no território. Dentre as ações desenvolvidas pela EAP, destacamos a atenção aos casos de monitoramento de medida de segurança instauradas pelo Poder Judiciário, que inicia com a avaliação, mas passa pelo também por processos de acolhimento, incentivo à promoção de autonomia, suporte aos processos de desinstitucionalização, e reinserção social e familiar. A intersetorialidade nesses encadeamentos se apresenta como mecanismo de trabalho, de governo e de construção de políticas públicas. Nesta perspectiva, a intersetorialidade seria capaz de mobilizar sujeitos, setores e conhecimentos em favor de uma articulação integrada das políticas públicas, entendidas aqui, como um conjunto de ações e medidas necessárias para atender aos anseios e necessidades de determinada população em sua totalidade. No campo da saúde pública que atuamos, a construção de redes na busca por arranjos intersetoriais nos levou a aproximar a Secretaria Estadual de Saúde Pública da Universidade Estadual, articulando os setores da saúde e da educação para construir respostas às questões complexas que enfrentamos. Desenvolvimento do trabalho: nos últimos 6 meses a EAP do Pará vem articulando ações em parceria com docentes e discentes do curso de graduação em Terapia Ocupacional da Universidade do Estado do Pará (UEPA) por meio da efetivação de um estágio supervisionado em Saúde Mental. Estes atores sociais estiveram envolvidos no acompanhamento de casos da EAP para construção de estratégias de suporte e monitoramento. Dentre os casos destacamos 4 moradores da República Terapêutica de Passagem (RTP) em acompanhamento após desinternação do Hospital Geral Penitenciário (HGP),que é um manicômio judiciário; e em vias de transferência para Serviços de Residência Terapêutica (SRT). Outros parceiros como as equipes de Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) já faziam parte dos arranjos intersetoriais da EAP antes da aproximação da Instituição de Ensino Superior (IES). Resultados e/ou impactos: A articulação social no acompanhamento dos casos aqui destacados foi realizada através de visitas regulares à RTP, visitas a Serviços de Residência Terapêutica (SRT) já existentes na cidade de Belém-PA, acompanhamento de casos em CAPS na perspectiva de sustentar o Projeto Terapêutico de Acompanhamento (PTA) no território, interlocução com o Poder Judiciário, Secretarias de Saúde e outros parceiros. O monitoramento dos casos também contou com reuniões de estudo e discussão entre a EAP e docentes e discentes da UEPA, onde eram avaliadas as intervenções realizadas até aquele momento e planejadas as futuras com diferentes atores envolvidos nos casos. À UEPA coube as intervenções voltadas à autonomia e independência dos pacientes, e à EAP incumbiu-se de toda a articulação necessária para sustentar os processos de acolhimento em rede. Considerações Finais: Atualmente as ações da EAP têm oferecido resposta às necessidades advindas da dupla estigmatização do “louco infrator”, articulando melhores condições de acolhimento, acompanhamento, moradia, resgate de ocupações significativas e acima de tudo, na luta incessante pelos direitos civis dessas pessoas. O discurso oficial que anuncia e supostamente legitima o lugar atribuído ao “louco infrator” também destitui a sua condição de falar sobre sua experiência, sobre sua vida e seu sofrimento. A possibilidade de enunciação do testemunho destes, na medida em que falam sobre sua experiência – com esse lugar e a partir desse lugar – encontra-se, geralmente, interditada e desqualificada. Este é um desafio que as ações em rede têm pouco a pouco vencido, à medida em que dão voz a estes sujeitos e a partir de suas narrativas constroem ações que abraçam os desejos destes, os legitimando como cidadãos de direitos. Embora a RAPS ainda apresente algumas dificuldades em estabelecer estratégias adequadas para o atendimento às pessoas com transtorno mental em conflito com a lei, locais como os CAPS e a RTP, tem sido tensionados a resguardar os direitos básicos de suporte em saúde, e o efetivo monitoramento dos casos permite que essa linha de cuidado se mantenha. A parceria com as Universidades tem proporcionado aos serviços do SUS ampliar o leque de ofertas, sustentar espaços e ações de capacitação e formação de equipes mais conectadas aos processos de acolhimento, promoção de autonomia, utilizando em suas ações, recursos extra-hospitalares e longe do enfoque penitenciário. Desse modo, essa reflexão indica que o trabalho intersetorial existe, vem sendo fomentado, mas precisa ser ampliado com novos atores, para a efetividade do acesso tanto à rede pública em saúde mental, quanto às redes que sustentam uma vida plena em suas possibilidades de exercício de cidadania. Partindo dessa premissa, pensamos que as articulações e os arranjos intersetoriais podem ocorrer através da construção de parcerias entre diferentes setores e segmentos sociais, estejam eles no campo da educação, saúde, cultura, esporte, lazer, iniciativa privada, organizações não governamentais (ONGs), fundações, entidades religiosas, organizações comunitárias dentre outros setores. Na prática, fazer rede é congregar, e nesse movimento, não há preconceito com os grupos que manifestem interesse em somar esforços. Cabe reforçar que ao assumirmos um perfil de ação mais ampla, dotado de finalidades as quais se direcionam para a garantia de direitos sociais e de saúde conjugados, buscamos efetivar uma sociedade emancipatória, justa e solidária. Nesse caminho, valoriza-se a erradicação de espaços, pensamentos e ações excludentes, além da ampliação do acesso da população a determinados benefícios, no desejo de contribuir para a redução máxima das desigualdades sociais e regionais, a fim de promover bem estar a todos, sem preconceitos ou qualquer tipo de discriminação.