Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida
v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Última alteração: 2022-01-31
Resumo
Apresentação: Determinantes Sociais de Saúde (DSS) são os fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam os processos de saúde, adoecimento e cuidado na população. Aspectos individuais, sociais e programáticos relacionados às DSS podem indicar situações de maior ou menor vulnerabilidade das pessoas e/ou grupos populacionais. No que tange à saúde, a dimensão programática da vulnerabilidade é associada ao não cumprimento ou ao cumprimento parcial dos princípios de universalidade, integralidade e equidade do Sistema Único de Saúde, garantidos pela Lei Federal 8.080/1990, na realidade de todas as esferas de seus serviços prestados. Questões de gênero e de sexualidade estão intimamente relacionadas à vulnerabilidade que a população LGBTQIA+ têm à violência. Por isso, a discussão dessa temática como um agravo à saúde e como um fator impactante no processo saúde-adoecimento-cuidado dessa população, durante a formação de futuros profissionais de saúde, é essencial para sensibilizá-los e prepará-los para lidar com o problema. Discentes do 2º período do curso de graduação em Medicina de uma universidade federal mineira desenvolveram esse relato de experiência a partir dos trabalhos elaborados como parte da disciplina e das aulas ministradas no componente curricular de Saúde Coletiva acerca dos diferentes tipos de violências e vulnerabilidades, bem como sobre o futuro papel do estudante na atenuação das iniquidades e na constituição de redes de proteção para grupos sociais fragilizados. Dentro desse contexto, objetiva-se aproximar o tema das vulnerabilidades da comunidade LGBTQIA+ à violência e identificar sua manifestação programática nos serviços de saúde. Desenvolvimento: Na metodologia ativa de ensino-aprendizado, o desafio está na colocação do aluno como protagonista da produção do conhecimento e, em tempos de ensino remoto, esse desafio é exacerbado pela necessidade de fazer-compreender, à distância, as vulnerabilidades e os profissionais de saúde como responsáveis pela identificação da violência e do risco de sua ocorrência, bem como pela composição de intervenções adequadas a essas situações e pela proteção de grupos vulneráveis.
Mediante à proposta de produção de seminários e de questões de aprendizagem, com o intuito de instigar o aluno a correlacionar violência, saúde e vulnerabilidade considerando diferentes marcadores sociais e conforme explicitado no Plano de Ensino da disciplina, surgiu o interesse em aprofundar na iniquidade em saúde e nos efeitos do fenômeno da violência contra a população LGBTQIA+. O conceito de vulnerabilidade foi trazido pelos estudantes no trabalho dessa temática e compreender suas dimensões é fundamental para a discussão acerca da marginalização social desse grupo minoritário. Desse modo, a primeira dimensão é a individual, caracterizada pelas problemáticas singulares daquela pessoa, assim como pela qualidade e pelo grau de informação que o indivíduo possui. Já a segunda, trata-se da social, definida pelo meio em que o ser está inserido e pelas possíveis barreiras dessa conjectura. Por fim, a terceira dimensão é a programática, em que os mais diversos serviços sociais influenciam na qualidade de vida fornecida àquela pessoa. No levantamento de informações para a construção de uma base teórica sólida nos trabalhos de Saúde Coletiva e para a problematização da temática, foi preciso a pesquisa da linha temporal do movimento sociopolítico voltado para as demandas dessa minoria, desde as conquistas com a fundação do SOMOS: Grupo de Afirmação Homossexual, em 1978, sendo considerado o marco inicial da luta pelos direitos da população LGBT no Brasil, até a criação de políticas públicas como a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Travestis – LGBT, em 2013, a qual objetiva a redução das desigualdades geradas pelas diferenças nos âmbitos da orientação sexual e da identidade de gênero, promovendo a equidade em saúde ao combater a discriminação nos espaços do SUS. Resultados: A proposta do componente curricular de Saúde Coletiva de correlacionar a violência sofrida pela comunidade LGBTQIA+, a saúde e as vulnerabilidades presentes nesse grupo, por meio de seminários e questões de aprendizagem, ocasionou na percepção de dificuldades negligenciadas, ainda que o conteúdo tenha sido trabalhado na modalidade remota. Nota-se, também, uma incongruência entre as políticas públicas existentes, como a Política Nacional LGBT de 2013, e a realidade qualitativa dos serviços de saúde, demonstrando contratempos nas implementações dessas medidas, como a falta de recursos, a violência da homofobia institucionalizada e a invisibilização do paciente a partir da presunção da heterossexualidade cisgênero. Nesse contexto, percebeu-se que a violência é considerada praticamente intrínseca à comunidade LGBTQIA+ em se tratando da falta de acesso e da baixa qualidade dos serviços de saúde direcionados às demandas desse grupo, configurando, portanto, sua vulnerabilidade programática. Outro ponto discutido em sala após a pesquisa e a elaboração dos trabalhos é a diversidade de reivindicações dentro da própria comunidade, evidenciando a singularidade de cada “letra” que compõe a sigla. Dessa forma, como exemplo importante há a dupla vulnerabilidade de mulheres lésbicas e bissexuais, a qual é explicada pela conjuntura social: associa-se o preconceito relacionado a sua orientação sexual destoante do padrão heteronormativo à marginalização feminina, uma vez que vivemos em uma sociedade patriarcal e, portanto, repressora dos direitos igualitários de gênero. Esse subgrupo, então, é marcado pela luta contra a homofobia (lesbofobia e bifobia, especificamente) e contra o machismo, agregando duas vulnerabilidades concomitantes. Considerações finais: Essa experiência permitiu reafirmar o (re)conhecimento de violências como um ato sociopolítico coletivo e pedagógico de transformação ao evidenciar a necessidade de harmonizar as políticas públicas existentes com as ações dos profissionais da saúde e com os recursos disponíveis para eles no atendimento das demandas específicas da população LGBTQIA+. Além disso, despertou o olhar para a constante revisão das práticas clínicas de forma que a conduta profissional esteja cada vez mais condizente com a equidade em saúde conquistada legalmente por esse grupo, pois o acesso por essa comunidade é pobre e deficitário, ainda que a lei garanta o direito de serviços de qualidade. Com base no tema da violência contra essa população, pudemos compreender o conceito e as dimensões da vulnerabilidade, além de relacioná-la aos Determinantes Sociais de Saúde para entender como os marcadores sociais afetam na promoção do cuidado. Considerar gênero e sexualidade na discussão sobre os diferentes tipos de violência cumpriu com as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Medicina e possibilitou a nós, estudantes, a percepção de que as questões em saúde desse grupo são negligenciadas desde a formação acadêmica até a constituição de políticas públicas não colocadas inteiramente em prática.