Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Violências (re)conhecidas e a vulnerabilidade da população LGBTQIA+ no acesso à saúde
Ana Beatriz Amorim Nunes, Ana Beatriz Amorim Nunes, Elis Machado Carbonell Dominguez, Elis Machado Carbonell Dominguez, Gabrielle de Ávila Augusto, Gabrielle de Ávila Augusto, Giovani Mendola Perobelli, Giovani Mendola Perobelli, Mariane Rabelo Coelho Fernandes, Mariane Rabelo Coelho Fernandes, Rafaela Pereira Anelvoi, Rafaela Pereira Anelvoi, Jéssica Bruna Borges Pereira, Jéssica Bruna Borges Pereira, Mariana Hasse

Última alteração: 2022-01-31

Resumo


Apresentação: Determinantes Sociais de Saúde (DSS) são os fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam os processos de saúde, adoecimento e cuidado na população. Aspectos individuais, sociais e programáticos relacionados às DSS podem indicar situações de maior ou menor vulnerabilidade das pessoas e/ou grupos populacionais. No que tange à saúde, a dimensão programática da vulnerabilidade é associada ao não cumprimento ou ao cumprimento parcial dos princípios de universalidade, integralidade e equidade do Sistema Único de Saúde, garantidos pela Lei Federal 8.080/1990, na realidade de todas as esferas de seus serviços prestados. Questões de gênero e de sexualidade estão intimamente relacionadas à vulnerabilidade que a população LGBTQIA+ têm à violência. Por isso, a discussão dessa temática como um agravo à saúde e como um fator impactante no processo saúde-adoecimento-cuidado dessa população, durante a formação de futuros profissionais de saúde, é essencial para sensibilizá-los e prepará-los para lidar com o problema. Discentes do 2º período do curso de graduação em Medicina de uma universidade federal mineira desenvolveram esse relato de experiência a partir dos trabalhos elaborados como parte da disciplina e das aulas ministradas no componente curricular de Saúde Coletiva acerca dos diferentes tipos de violências e vulnerabilidades, bem como sobre o futuro papel do estudante na atenuação das iniquidades e na constituição de redes de proteção para grupos sociais fragilizados. Dentro desse contexto, objetiva-se aproximar o tema das vulnerabilidades da comunidade LGBTQIA+ à violência e identificar sua manifestação programática nos serviços de saúde. Desenvolvimento: Na metodologia ativa de ensino-aprendizado, o desafio está na colocação do aluno como protagonista da produção do conhecimento e, em tempos de ensino remoto, esse desafio é exacerbado pela necessidade de fazer-compreender, à distância, as vulnerabilidades e os profissionais de saúde como responsáveis pela identificação da violência e do risco de sua ocorrência, bem como pela composição de intervenções adequadas a essas situações e pela proteção de grupos vulneráveis.

Mediante à proposta de produção de seminários e de questões de aprendizagem, com o intuito de instigar o aluno a correlacionar violência, saúde e vulnerabilidade considerando diferentes marcadores sociais e conforme explicitado no Plano de Ensino da disciplina, surgiu o interesse em aprofundar na iniquidade em saúde e nos efeitos do fenômeno da violência contra a população LGBTQIA+. O conceito de vulnerabilidade foi trazido pelos estudantes no trabalho dessa temática e compreender suas dimensões é fundamental para a discussão acerca da marginalização social desse grupo minoritário. Desse modo, a primeira dimensão é a individual, caracterizada pelas problemáticas singulares daquela pessoa, assim como pela qualidade e pelo grau de informação que o indivíduo possui. Já a segunda, trata-se da social, definida pelo meio em que o ser está inserido e pelas possíveis barreiras dessa conjectura. Por fim, a terceira dimensão é a programática, em que os mais diversos serviços sociais influenciam na qualidade de vida fornecida àquela pessoa. No levantamento de informações para a construção de uma base teórica sólida nos trabalhos de Saúde Coletiva e para a problematização da temática, foi preciso a pesquisa da linha temporal do movimento sociopolítico voltado para as demandas dessa minoria, desde as conquistas com a fundação do SOMOS: Grupo de Afirmação Homossexual, em 1978, sendo considerado o marco inicial da luta pelos direitos da população LGBT no Brasil, até a criação de políticas públicas como a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Travestis – LGBT, em 2013, a qual objetiva a redução das desigualdades geradas pelas diferenças nos âmbitos da orientação sexual e da identidade de gênero, promovendo a equidade em saúde ao combater a discriminação nos espaços do SUS. Resultados: A proposta do componente curricular de Saúde Coletiva de correlacionar a violência sofrida pela comunidade LGBTQIA+, a saúde e as vulnerabilidades presentes nesse grupo, por meio de seminários e questões de aprendizagem, ocasionou na percepção de dificuldades negligenciadas, ainda que o conteúdo tenha sido trabalhado na modalidade remota. Nota-se, também, uma incongruência entre as políticas públicas existentes, como a Política Nacional LGBT de 2013, e a realidade qualitativa dos serviços de saúde, demonstrando contratempos nas implementações dessas medidas, como a falta de recursos, a violência da homofobia institucionalizada e a invisibilização do paciente a partir da presunção da heterossexualidade cisgênero. Nesse contexto, percebeu-se que a violência é considerada praticamente intrínseca à comunidade LGBTQIA+ em se tratando da falta de acesso e da baixa qualidade dos serviços de saúde direcionados às demandas desse grupo, configurando, portanto, sua vulnerabilidade programática. Outro ponto discutido em sala após a pesquisa e a elaboração dos trabalhos é a diversidade de reivindicações dentro da própria comunidade, evidenciando a singularidade de cada “letra” que compõe a sigla. Dessa forma, como exemplo importante há a dupla vulnerabilidade de mulheres lésbicas e bissexuais, a qual é explicada pela conjuntura social: associa-se o preconceito relacionado a sua orientação sexual destoante do padrão heteronormativo à marginalização feminina, uma vez que vivemos em uma sociedade patriarcal e, portanto, repressora dos direitos igualitários de gênero. Esse subgrupo, então, é marcado pela luta contra a homofobia (lesbofobia e bifobia, especificamente) e contra o machismo, agregando duas vulnerabilidades concomitantes. Considerações finais: Essa experiência permitiu reafirmar o (re)conhecimento de violências como um ato sociopolítico coletivo e pedagógico de transformação ao evidenciar a necessidade de harmonizar as políticas públicas existentes com as ações dos profissionais da saúde e com os recursos disponíveis para eles no atendimento das demandas específicas da população LGBTQIA+. Além disso, despertou o olhar para a constante revisão das práticas clínicas de forma que a conduta profissional esteja cada vez mais condizente com a equidade em saúde conquistada legalmente por esse grupo, pois o acesso por essa comunidade é pobre e deficitário, ainda que a lei garanta o direito de serviços de qualidade. Com base no tema da violência contra essa população, pudemos compreender o conceito e as dimensões da vulnerabilidade, além de relacioná-la aos Determinantes Sociais de Saúde para entender como os marcadores sociais afetam na promoção do cuidado. Considerar gênero e sexualidade na discussão sobre os diferentes tipos de violência cumpriu com as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Medicina e possibilitou a nós, estudantes, a percepção de que as questões em saúde desse grupo são negligenciadas desde a formação acadêmica até a constituição de políticas públicas não colocadas inteiramente em prática.