Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Violência doméstica no contexto da pandemia de COVID-19
Miriam Estefany dos Santos Andrade, Lucas Gonçalves Gama, Maria Fernanda Silva Andrade, Mariana Fonseca Rodrigues, Thaís da Silva Knust

Última alteração: 2022-02-24

Resumo


O presente texto busca apreender a relação entre o isolamento social necessário no contexto pandêmico, o desemprego e o aumento da violência contra a mulher. Este último será objeto de nosso foco, mais especificamente a violência doméstica que ocorre no íntimo da residência onde convive a vítima e, frequentemente, o agressor. Pois, na violência doméstica, em geral, a vítima possui ou possuiu algum vínculo, seja ele afetivo ou de parentesco com o agressor.

Dessa maneira, consideramos esse tema relevante, visto que traz à tona um assunto que há muito tempo está em pauta, mas que agora se manifesta de forma ainda mais aguda, pois segundo alguns dados as notificações de boletins de ocorrência têm uma queda, mas os atendimentos feitos pela polícia militar vêm aumentando. De acordo com pesquisa realizada pelo Datafolha, encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, cerca de 17 milhões de mulheres foram vítimas de violência doméstica em 2020. Segundo a mesma pesquisa, 1 em cada 4 mulheres acima de 16 anos afirmam ter sido vítima de alguma espécie de violência. As agressões cometidas no âmbito doméstico foram de 42% em 2019 a 48,8% em 2020, havendo também um aumento do número de casos onde namorados, companheiros e ex-parceiros são os agressores, ao passo em que as agressões sofridas por mulheres no contexto da rua tiveram uma queda de 29% em 2019 para 19% em 2020.

No Brasil, o Sars-Cov-2, vírus causador da COVID-19, foi detectado no dia 26 de fevereiro de 2020, em São Paulo, e em março de 2020 começaram a surgir as recomendações de isolamento social, pautadas em normativas e protocolos da Organização Mundial da Saúde (OMS), como medida de saúde preventiva, intencionando impedir um contágio em massa, assim, milhões de brasileiros passaram a sair de casa somente quando necessário. Entretanto, há um significativo número de infectados e mortos, e pelas consequências sócio-econômicas advindas da pandemia, pode-se perceber um aumento nos índices de desemprego, o que contribui para um aumento de atividades informais de trabalho, sendo os trabalhadores que atuam nesse mercado justamente os mais atingidos pelos efeitos da COVID-19.

A violência doméstica pode ser vista como uma construção multifatorial, de modo que pode ser influenciada por elementos como: drogas ilícitas e lícitas, desigualdades sociais e desemprego. O desemprego pode ser um fator de influência na violência doméstica, inclusive quando a pandemia chegar ao fim.

Vale ressaltar que a violência contra mulher é um fenômeno global intrinsecamente relacionado às bases patriarcais e de viés sexista das nossas sociedades contemporâneas. E que, apesar das pesquisas e produções acadêmicas sobre o confinamento e seu impacto na violência doméstica estarem no início, os noticiários e organizações internacionais apontam para um crescimento desse tipo de crime dirigido às mulheres. No Brasil, durante o mês de março de 2020 houve um aumento de 18% no número de denúncias registradas através do Disque 100 e Ligue 180.

A coexistência forçada é um dos motivos para o aumento da violência doméstica, visto que as vítimas, muitas vezes, convivem e são dependentes financeiramente de seus parceiros, que geralmente são os próprios agressores. No contexto da pandemia essas mulheres encontram ainda mais dificuldades para prestar queixa, e buscar ajuda com familiares e amigos, pois se vêem, ao mesmo tempo, mais dependendentes, dado que o desemprego e as desigualdades sociais se acentuam, bem como, se sentem vigiadas, pois passam mais tempo com os agressores e, por consequência, sofrem ainda mais pressão psicológica. Nesse sentido, tem-se percebido um decréscimo em denúncias realizadas por meio dos boletins de ocorrências que resulta em uma subnotificação de casos e em um silenciamento ainda maior das dores e vozes das vítimas. Denunciando, de alguma maneira, um aprisionamento ainda maior dessas vítimas. Portanto, o isolamento no âmbito doméstico pode significar em alguns casos a proximidade do perigo ao invés da proteção.

Foi identificado um aumento de 431% nos testemunhos de brigas entre vizinhos na rede social Twitter, nesta mesma rede social foram percebidas 5.583 menções específicas sobre violência doméstica e 52 mil sobre conflitos entre casais. Contudo, esses relatos não se tornaram denúncias reais. Tal situação evidencia um não reconhecimento do sofrimento destas mulheres, bem como, uma naturalização deste tipo de violência, que passa a não mais carecer de compaixão, de modo que as vítimas continuam silenciadas e desprotegidas.

O Brasil vem há alguns anos criando políticas públicas para prevenir e combater a violência contra as mulheres. Podemos citar como exemplo a criação das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAM), que nasceram a partir de reclamações e solicitações do movimento feminista em 1985, no estado de São Paulo e tem como intuito garantir o direito das mulheres no Brasil, e a criação da Lei 11.340/06, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha.

Contudo, destaca-se que frequentemente essas políticas são excludentes, visto que focam nas vítimas e esquecem de trabalhar com os agressores, sobrando a estes apenas medidas punitivas. Existe ainda a necessidade de se criar espaços para que esses homens violentos possam ressignificar e questionar o que é masculinidade em nossa sociedade. Além disso, há casos em que a violência é algo característico daquela relação, ambos atores são agressivos e não reconhecem a violência na relação. É fundamental que haja um trabalho no qual ambas as partes envolvidas no processo de violência estejam envolvidas, assim é possível que se obtenham resoluções propícias no que tange ao combate a violência doméstica. Desse modo, faz-se importante pensar sobre iniciativas que buscam um caminho outro, onde tanto a mulher como o homem são considerados.

Sabe-se que algumas crianças e adolescentes são suscetíveis a este tipo de ambientes e podem desenvolver-se crendo que alguns tipos de violência são comuns e naturais. Desse modo, torna-se manifesto que para além da violência de gênero, a violência doméstica se conduz igualmente como um flagelo às gerações. Para finalizar, enfatizamos que o combate à violência contra a mulher durante o surto da COVID-19 não deve ser resumir em acolher denúncias, é necessário que haja equipes trabalhando de forma direta na prevenção e em reação à violência, além disso é imprescindível ampliar a transmissão dos canais disponíveis para denúncia e acolhimento das vítimas. Assim, reforçamos a importância do isolamento social para conter o avanço da COVID-19 e, consequentemente, o número de infectados e mortos em nosso país, porém são necessárias medidas que possam de fato garantir o direito declarado no art. 2 da Lei n°11.340/06, isto é, que todas as mulheres possam viver sem violência, é dever de todos defender as mulheres que vivem em solo brasileiro.