Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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MORTE MATERNA NO BRASIL PANDÊMICO
Paula Land Curi, Luísa Moraes Cotelo

Última alteração: 2022-02-23

Resumo


APRESENTAÇÃO: Coronavírus, pandemia, morte – tríade que passou a ecoar, cotidianamente, em nossos ouvidos a partir do ano 2020. Os números (sempre) crescentes de mortes (evitáveis) abrem campo para reflexões acerca das desigualdades sociais e iniquidades em saúde. Tendo como pano de fundo um Brasil desigual e pandêmico, apresentamos alguns resultados parciais da pesquisa de Iniciação Científica/PIBIC/UFF/CNPq, ainda em andamento, intitulada Morte materna no Brasil pandêmico.

Foi realizada uma revisão bibliográfica sistemática em bases de dados - BVS, SCIELO e PEPSIC – utilizando como descritores morte materna, covid-19 e morte materna e covid-19. Os critérios de busca foram: artigos escritos em língua portuguesa, entre os anos 2020-2021, e que, em seus resumos, fizessem menção explícita à realidade brasileira. Para o descritor morte materna recuamos aos últimos 20 anos (2010-2021).

A doença foi identificada na China, em 2019, com efeitos que só foram “sentidos” no Brasil a partir de março de 2020. Dados disponibilizados pela ONU apontavam que nos primeiros quatro meses de pandemia, o Brasil figurava liderando as estatísticas com 77% das mortes maternas por covid-19 no mundo. Contudo, não podemos esquecer que a mortalidade materna sempre se circunscreveu como problema de saúde pública insistente, cujos números marcam a presença consolidada das hierarquias reprodutivas na assistência à saúde das mulheres no Brasil.

DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: É sabido que os índices de mortalidade materna no Brasil sempre foram alarmantes e reiteradamente indicam, além da baixa qualidade da saúde da população feminina, as iniquidades e as desigualdades sociais vigentes. A isso, a partir de 2020, somou-se a crise sanitária decorrente da pandemia de covid-19.

Como exposto, não tardou para que o Brasil liderasse o ranking das mortes maternas secundárias a infecção pelo Sars-Cov2, dando visibilidade a insistente mazela brasileira, que atinge diferentemente os corpos das mulheres, a depender de categorias que neles se interseccionam, estabelecendo hierarquias reprodutivas e, por derivação, maternidades subalternas – maternidades exercidas por mulheres-mães que ocupam a base da pirâmide social.

A despeito do Ministério da Saúde ter editado a Nota Técnica de no. 16/2020, mostrando preocupação com o incremento significativo nas taxas de morbimortalidade materna, reiterando a necessidade de se atentar para a garantia dos direitos sexuais e reprodutivos, em 2021, foi publicizado nas mídias uma recomendação que explicitamente fere os direitos reprodutivos das mulheres - o direito básico de decidir livre e responsavelmente sobre o número, o espaçamento e a oportunidade de ter filhos e de gozar do mais elevado padrão de saúde sexual e reprodutiva.

Posteriormente, a Portaria nº 13/2021, outra portaria, é publicada, orientando o implante subdérmico de etonogestrel na prevenção da gravidez não planejada para mulheres em idade fértil. Porém, não de todas. Apenas para aquela que já são estigmatizadas socialmente, que se localizam na base da pirâmide das hierarquias reprodutivas.

Neste contexto, de avanços e retrocessos naquilo que tange aos direitos sexuais e reprodutivos,

propusemos a pesquisa com dois recortes temporais. Um visando verificar o estado da arte sobre morte materna, recuando a busca por artigos em bases de dados aos últimos 20 anos. Outro, mais específico, aos anos de 2020-2021, relacionando morte materna à covid-19. Ressalta-se que esse último antecede a decisão governamental de ampliação da vacinação às gestantes e puérperas, muito embora a OPAS já tivesse feito um alerta para que o Brasil priorizasse a vacinação de mulheres grávidas e puérperas, visto que seriam grupos de risco para a doença e suas complicações.

Neste trabalho priorizamos os achados relativos aos anos pandêmicos, através dos descritores mortes maternas AND covid-19, circunscrevendo os indicadores que bem traduzem as desigualdades sociais e as hierarquias reprodutivas no reconhecimento das mortes maternas por covid-19. Nossa hipótese é simples: A covid-19 “apenas” incrementou a mortalidade materna, ratificando o velho e conhecido descaso com as mulheres, ou seja, a mortalidade materna é efeito de políticas de assistência discriminatórias, estigmatizantes, violentas e violadoras dos direitos que, alicerçadas no sexismo, racismo e classismo se naturalizam e matam mulheres.

Durante os anos de 2020 e 2021 foram publicados nas bases selecionadas um total de 23.839 artigos. Foram 15262 artigos em 2020 e 8577 em 2021, até o mês de outubro. Sobre morte materna, entre os anos 2020 e outubro/2021, foram encontrados 48 artigos, sendo 27 em 2020 e 21 em 2021. Ao aplicarmos o operador booleano, AND, aos descritores morte materna e covid-19 morte materna e utilizarmos o critério “menção explícita à realidade brasileira” em seu resumo, formos surpreendidas por um cenário bastante distinto: sobraram apenas duas publicações, ambas disponíveis na BVS - um artigo decorre de um estudo sobre morte materna por covid-19, e um boletim, publicado pela FIOCRUZ.

Ambos ressaltam uma mudança na avaliação de risco em relação as gestantes e as puérperas, que a princípio não foram caracterizadas, no Brasil, como grupo de maior risco para a evolução grave da doença. Porém, enquanto o boletim afirma que, a partir de 2020, foram publicados artigos sobre morte materna por covid-19 no Brasil, o único artigo selecionado – a partir dos critérios - salienta que foram poucas as produções científicas sobre a temática, e que a discussão ficou mais restrita as próprias gestantes e puérperas.

RESULTADO E IMPACTOS: O alto índice de mortalidade materna não é recente, e parece consenso que a pandemia agravou ainda mais a trágica e insistente realidade brasileira. A covid-19 perpetua as desigualdades e inequidades, além de enfatizar a fragilidade do sistema de saúde.

As mulheres mortes – ou deixadas morrer – estavam em idade reprodutiva entre 20 e 34 anos. Eram residentes de zonas urbanas ou periféricas, e pretas e pardas. Das 1204 mortes registradas, no período estudado, 56,2% no período de 2020 e 2021 foram de mulheres pretas e pardas. Ressalta-se que a literatura aponta para um risco de mortes quase duas vezes maior que mulheres brancas.

A subnotificação das mortes de gestantes e puérperas por covid-19 pela falta de testagem das durante o ciclo gravídico-puerperal se apresentou como variável importante para subdimensionamento do cuidado e dos dados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: A mortalidade materna sempre foi um problema de saúde pública no Brasil e sempre trouxe consigo marcas que bem traduzem as desigualdades sociais e as hierarquias reprodutivas, que ditam quem são as mulheres que podem/devem procriar e aquelas que terão este direito violado/negado.

A política de atenção à saúde da mulher sofreu impactos diretos da pandemia de covid-19. Agravou um quadro pré-existente, escancarando a fragilidade da assistência prestada à saúde das mulheres, as desigualdades e iniquidades em saúde, que matam mulheres. Mais de 90% dos casos de óbitos materno são evitáveis e é nessa direção que podemos dizer que as altas taxas de mortalidade materna são indicadoras da violação dos direitos à saúde de mulheres.

A redução de consultas e exames de rotina pré-natal em um contexto que já era marcado pela dificuldade de acesso e indisponibilidade de recursos, foi consolidada pela pandemia e pela crise sanitária dela decorrente. Além disto a demora em priorizar as gestantes e puérperas como grupo de risco nos cuidados com a covid-19 foi uma decisão que custou a vida de muitas, em especial, mulheres pretas e pobres.