Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Vi(ver) com arte: o uso das terapias expressivas em um CAPSi da cidade de Macapá
Andressa Conceição Souza da Silva

Última alteração: 2022-02-03

Resumo


APRESENTAÇÃO:

A vida nos tempos atuais, com suas formas individualizantes de viver e habitar, fazem prevalecer relações psíquicas e sociais que por vezes limitam conexões, afetividades, engessam o pensamento, a saúde e o ânimo, e até mesmo capacidades e habilidades humanas. Em contraponto, a arte emerge no intuito de questionar, provocar, sensibilizar, refletir, em diversos contextos. As chamadas terapias expressivas utilizam como ponto de partida a livre expressão. Entre as diversas modalidades expressivas, se tem a Conexão Criativa de Natalie Rogers, sendo um tipo de abordagem que facilita a expressão de forma terapêutica, em que combina arte, escrita, movimento, trabalho corporal, comunicação verbal e não verbal, no sentido de facilitar o autoconhecimento interior, a criatividade inata mobilizadora intra e interpessoal protagônica. Pela via da arte, a presente pesquisa se dispõe em abordar de forma breve um pequeno relato vivo das experiências emergidas pela pesquisadora em sua atuação com os usuários do Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil (CAPSi) da cidade de Macapá – AP. Tem-se o objetivo de descrever as possibilidades de conexão da arte como uma estratégia viva em saúde mental, resistindo mesmo em condições difíceis e inéditas como o contexto de pandemia vivenciado nos últimos tempos. Tendo em vista as reflexões do método fenomenológico, intuiu-se com este o retorno e descrição das experiências vividas por alguns usuários, a partir do olhar da pesquisadora.

 

DESENVOLVIMENTO:

Período de abril à outubro de 2021. Os primeiros meses representaram o pico da pandemia vivida no Brasil e no mundo. Em Macapá, extremo norte do país, as taxas de contaminação aumentavam constantemente, e a oferta de vacinas para o público se disponibilizava de forma “politicamente lenta”, à “conta-gotas”. A espera e o receio de contaminação prevalecia em todos. Foi quando em abril passei no processo seletivo para participar do Programa de Pós-Graduação em Residência Multiprofissional em Saúde Coletiva, pela Universidade Federal do Amapá, na área de concentração em Saúde Mental. Como parte do processo prático de residência, tem-se os CAPS como modos de aprendizado, aquisição de conhecimentos e experiências. Fui alocada para o Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil – CAPSi.

Durante esse período, e ainda um pouco insegura, era uma das minhas primeiras experiências profissionais depois de formada. O CAPSi presta serviços a crianças e adolescentes em sofrimento psíquico, e a pandemia de certa maneira acentuava os quadros estressores, ansiosos e depressivos, de ociosidade por ficar a maior parte do tempo no lar. Isso foi observado em muitos casos. Várias crianças e adolescentes chegavam para seus atendimentos com esses sintomas. Quando comecei a atendê-los depois dos primeiros meses, com diálogo, escuta atenta e utilizando os jogos que eram disponibilizados no local, algo passava a ecoar dentro de mim. Me questionava: o que poderia ser feito como estratégia viva na possível melhoria da saúde mental desses usuários?. A arte aos poucos foi se tornando uma via catártica e de ressignificação. Comecei o mergulho no estudo do uso de práticas artísticas em saúde mental. Dando impulso a esse trabalho, por vezes alguns profissionais viam essas práticas como algo apenas recreativo (e antes, eu, ainda leiga no assunto, enxergava assim). Porém, comecei a perceber que era algo muito maior e mais potente do que isso. Pelo método fenomenológico, irei relatar algumas das experiências, pela técnica da Versão de Sentido de Amatuzzi, esta definindo-se pela descrição viva dos fenômenos emergidos, como forma de mergulho (não apenas de rememorar), de profunda experienciação. É o que irei brevemente relatar aqui.

 

RESULTADOS

Tintas, pincéis, lápis de cor, giz de cera, pincéis hidrocor, papelões, papéis, cola, tesoura, papéis coloridos, revistas, entre outros. Uma parede em branco foi dando voz ao que passou a ser denominado posteriormente “Galeria CAPSi”. Farei um recorte de três usuários adolescentes que se debruçaram de forma sensível neste lugar.

B., 12 anos, chegou cabisbaixa, triste, mal sorria, estava com baixa autoestima, não se olhava, não se cuidava, era agitada, porém não se motivava para nenhuma atividade. Apresentava suspeita de sintomas psicóticos como alucinações. Foi uma das pacientes mais desafiadoras, pois as estratégias de vinculação pareciam insuficientes para acessá-la. Até que um dia ela me disse que gostava de se movimentar com o corpo, e começamos uma prática corporal. Ficava receosa por conta da pandemia, e tomei todos os cuidados. Pensei em não nos tocarmos, optando pelo “exercício no espelho”, de Natalie Rogers, em apenas nos olharmos e imitarmos uma à outra, tentando algo com os nossos corpos. Após este encontro, algo reverberou. No outro encontro, propus lápis de cor e giz de cera. Foi quando esta optou pelo giz e fez raspado com a tesoura. Desenhou o sol e a lua, espalhou os pedaços de giz e começou a colá-los por cima do desenho. Falava de si enquanto fazia-os. O primeiro de vários desenhos em que ela usava a técnica, misturando cores ou usando apenas tinta guache. Ela quis presentear algumas pessoas com seus desenhos. Eles chamavam a atenção dos profissionais. Seus olhos brilhavam perguntando se seus desenhos eram realmente bonitos. Sua autoestima foi sendo reconstruída aos poucos. Foi dando voz à menina cheia de cores.

Y., 13 anos, chegou ao atendimento com suspeita de autismo. A queixa da mãe era o isolamento, dificuldade em se relacionar com as pessoas, um dos sintomas presentes neste espectro. O que foi descoberto no decorrer dos atendimentos era suas habilidades artísticas com o desenho, assim como sua inteligência acima da média, evidenciando a suspeita de ser Asperger também. Para além do diagnóstico, Y. passou a encontrar na arte uma forma de se expressar no mundo. Sempre retraído, aos poucos começara a falar livremente sobre si, sua fascinação pelo espaço, pelos planetas, estrelas. Suas artes passaram a representá-las, por meio de pinturas à lápis de cor e tinta guache, e no final, a construção de um sistema solar, exposto no teto da galeria. Em uma oficina de teatro, ele foi um dos que mais se expressaram, junto com outro paciente, K., também autista, ambos criando uma história em anime. Formou-se uma amizade e ambos passaram a criar juntos.

A., 16 anos, chegou pela demanda do abrigo. Revoltada, agitada, não queria ser ajudada. Relatava se sentir perdida, abandonada. Até que um dia, trouxe um poema sobre suicídio e sua conscientização, que comoveu o diretor da instituição, culminando na criação de um pequeno evento, o Sarau CAPSi. A. começou a criar mais e mais poemas, sobre temas sensíveis como racismo, LGBT fobia e outros, expostos no evento e narrados por ela mesma para as pessoas escutarem. Instantes em que encontrou um pequeno abrigo dentro de si, sendo vista, aplaudida.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A criação de um espaço artístico de troca e afetividades repercutiu em diversas criações, nos usuários e na equipe do serviço. Para além do produto, do sentido estético, o que importava era o processo, a expressão trabalhada individual ou coletiva, resistindo mesmo em tempos sombrios. Criou-se um espaço que fez refletir, (re)pensar o papel da arte como potência de cuidado em saúde mental, ao fortalecer subjetividades, ressignificar, dar voz, empoderar. Almeja-se com este relato uma ponte que possa servir de encontro com outras formas de se fazer saúde mental para além do modelo biomédico, mas como via do sentir.