Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Ciência e Arte: experiência do uso do role play na graduação de medicina
Jeanine Pacheco Moreira Barbosa, Patrícia Duarte Deps, Maria Angélica Carvalho Andrade

Última alteração: 2022-01-31

Resumo


APRESENTAÇÃO: Partilhamos da ideia de que existe uma crise no ensino das ciências da saúde, crise que se configura sobretudo pelo distanciamento da prática refletida e pela massiva memorização de conteúdos impostos e descontextualizados. Podemos também entendê-la como uma crise da criatividade, uma vez que por mais que “inovemos” nos recursos educacionais, continuamos a perpetuar práticas centralizadas na figura do professor, conteudistas, pautadas em pressupostos de uma educação bancária, tão criticada por Paulo Freire. Durante a pandemia e com o fechamento das Instituições de Ensino Superior Públicas, algumas disciplinas essencialmente práticas tiveram que ser suspensas, com grandes prejuízos para o corpo discente. Nesse contexto, duas professoras da Medicina Social, responsáveis pela disciplina “Relação Médico-Paciente”, convidaram uma professora da Saúde Coletiva, que possui graduação em Artes, e propuseram a continuação da disciplina na forma do ensino remoto, através da utilização da ferramenta do Role Play. O objetivo deste relato é refletir como essa experiência de aproximação entre ciência e arte na graduação de medicina, pode contribuir para a formação de futuras(os) médicas(os).

DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: A crise da modernidade, caracterizada pela fragmentação do conhecimento, deixou como herança a desvinculação da ciência como parte da cultura. Esse fato, ao mesmo tempo em que distancia o conhecimento científico do seu contexto social, gera desinteresse e limitações para seu entendimento por parte da sociedade. Um exemplo dessa afirmativa pode ser comprovada na própria experiência da pandemia de Covid-19, pela baixa adesão da população às medidas e orientações sanitárias. Por isso, na saúde, esse olhar fragmentado tem sido paulatinamente desconstruído, dando lugar a uma visão da complexidade onde saúde é elemento indissociável da cultura, manifestando-se de múltiplas formas nas práticas culturais ligadas à saúde. Seguindo a linha desse pensamento, ressalta-se que a dimensão estética, relacionada à cultura e às artes, não se reduz às práticas realizadas apenas por artistas, mas sim a dimensão responsável pela inventividade e pelo entendimento da vida como obra de arte, em constante transformação, capaz de dar passagem às singularidades essenciais ao entendimento do processo saúde-doença-cuidado. Assim, as professoras responsáveis pela disciplina, viram nas medidas de isolamento uma oportunidade para o exercício de uma prática inventiva que possibilitasse a experiência da entrevista médica aos graduandos em medicina, através do uso do Role Play (ou Role Playing), que pode ser traduzido por “interpretação de papéis”. Trata-se de uma técnica do Psicodrama que consiste em encenar alguma situação, geralmente de relação interpessoal conflituosa, inspirada na vida real. Importante ressaltar que tanto uma das professoras da Medicina Social, quanto a professora da Saúde Coletiva possuíam experiência com abordagens psicodramatistas.  A prática teve início no segundo semestre de 2020 e para seu desenvolvimento as professoras construíram seis personagens/tipos de pacientes, trazendo algumas situações conflituosas que pudessem permitir aos discentes exercitar a entrevista médica. Uma das professoras então representava a personagem no vídeo, trazendo as características emocionais e físicas do paciente em questão. Importante ressaltar que a construção da personagem se deu de forma cooperada, uma vez que a professora que encenava, tinha liberdade para construir um perfil psicológico para cada uma, pautando-se em pesquisas e artigos publicados sobre os processos subjetivos enfrentados por pacientes com determinada doença. Com antecedência, as instruções para as práticas eram disponibilizadas no Google Classroom, contendo informações preliminares sobre o paciente a ser entrevistado, em ambiente ambulatorial ou hospitalar. Tratava-se de uma simulação do prontuário médico com informações iniciais relativas à identificação do paciente, e um resumo do quadro clínico e/ou motivo da internação hospitalar. O desafio das(os) alunas(os) estaria em obter informações mais elaboradas que permitissem ampliar a reflexão sobre o processo saúde-doença-cuidado de cada paciente. Além disso, as professoras também ofereciam material de apoio que pudesse servir como subsídio para as entrevistas, como por exemplo, uma vídeo-aula sobre Hanseníase produzida pelas docentes. A turma organizou-se em grupos de trabalho de acordo com cada paciente, e durante as aulas, utilizou-se a estratégia de ensino do GO (grupo observador) e GV (grupo verbalizador) em que GV procede a entrevista para que ao final o GO faça as reflexões e comentários.

RESULTADOS E/OU IMPACTOS: Os resultados foram muito impactantes. Durante as aulas, os discentes viveram intensamente os desafios de uma entrevista médica real, todavia com a experiência do Role Play, aliada a estratégia de ensino do GO-GV, o aprendizado se deu de forma mais prazerosa e leve. A técnica propiciou o compartilhamento dos diversos olhares sobre as experiências vivenciadas, potencializando o aprendizado coletivo. Os discentes “ensaiaram” uma entrevista real, exercitando a espontaneidade, entendida aqui em seu sentido psicodramático, como a capacidade de escolher a melhor resposta para cada momento. Os alunos do GO puderam ampliar suas reflexões ao fazer comentários sobre a entrevista conduzida pelo GV, acrescentando, perguntando, sugerindo, negociando formas diferentes de fazer. Ressalta-se que essa prática só foi possível, dadas as condições de aula virtual, uma vez que seria muito difícil colocar toda uma turma dentro de uma enfermaria, para acompanhar as entrevistas com tanta minúcia. No contexto do Ensino na Graduação de medicina, a técnica pode ampliar os sentidos sobre cada entrevista permitindo inclusive o olhar da própria personagem/paciente sobre como se sentiu durante a mesma. Destaca-se que as personagens/tipos construídas pelas professoras possibilitaram uma variedade de casos que não poderiam ser garantidos em um ambiente de enfermaria real. Todavia o resultado que mais se destaca foi a receptividade e a avaliação das(os) alunas(os) em relação ao uso da técnica revelando grande prazer e aprendizado na disciplina, o que pode ser comprovado pela excelência de resultados obtidos nas avaliações. Tais resultados evidenciam a importância da dimensão estética e dos recursos artísticos na graduação de medicina, contribuindo para uma formação não somente técnica, mas também estética, no seu sentido mais ampliado, que terão grande impacto positivo na formação de futuras(os) médicas(os).

CONSIDERAÇÕES FINAIS: Diante da experiência vivida, destaca-se a atualidade e a importância da rediscussão sobre a intencionalidade no uso da criação ou apropriação de expressões artísticas na graduação em medicina, como também da necessidade de ampliar a reflexão teórica acerca do diálogo entre Ciência e Arte. Cultura, arte e ciência devem ser entendidas e utilizadas de forma interdisciplinar, para que seja possível romper com a hegemônica de paradigmas reducionista, que privilegiam a técnica em detrimento da dimensão estética, essencial para a formação de médicas(os) mais implicadas(os), críticos e atuantes que trabalhem em defesa da saúde pública. Acolhendo essa dimensão, com toda certeza, estaremos contribuindo para diminuir a distância entre profissionais de saúde e cidadãos comuns, possibilitando que estes tenham a competência para gerir e resolver questões sobre sua saúde com base nas evidências científicas, exercitando plenamente o cuidado de si. A estratégia de role play em modo virtual como apresentada neste relato se mostrou adequada ao ensino de técnica de entrevista médica e muitos outros aspectos da relação médico-paciente. As autoras sugerem que esta técnica seja utilizada não apenas como alternativa ao ensino presencial, mas como complementar ao presencial, de forma a anteceder o contato dos estudantes com pacientes reais.