Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Do corpo contido ao corpo sentido: a estética do oprimido na atenção psicossocial
Julio Alves

Última alteração: 2022-01-31

Resumo


O presente estudo será realizado no CAPS AD de Macaé, dispositivo assistencial da rede de saúde mental de Macaé-RJ, onde o autor exerce suas atividades profissionais desde março/2018. Há, nesta experiência, um grupo de usuários, frequentadores do equipamento de saúde mental, que se encontram semanalmente para participação de oficina e que utiliza a metodologia de jogos e exercícios do teatro do oprimido.

A proposta de intervenção, através do teatro do oprimido em CAPS surge, em minha trajetória profissional, através de um valoroso projeto que aconteceu em convênio entre o Centro de Teatro do Oprimido (CTO) e o Ministério da Saúde, quando tive a oportunidade, a partir de 2006, tornar-me multiplicador da metodologia e implantá-la nos CAPS que atuava (Queimados e Macaé). Após o projeto, que durou até 2010, prossegui com minha formação no Centro de Teatro do Oprimido e dediquei-me em aperfeiçoá-la através de novas inserções nas atividades oferecidas pelo CTO e, principalmente, na formação de grupos populares de teatro no interior dos dispositivos de saúde mental que atuava.

A criação desta experiência no CAPS AD Porto surgiu a partir de uma intervenção existente e que foi executada ao longo de 2018, onde se estimulava a participação livre com músicas populares e cirandas, numa espécie de preparação para as atividades cotidianas que se iniciariam. Apesar do envolvimento promovido pelo ambiente lúdico que se produzia, notava-se que alguns usuários se imiscuíssem em participar ativamente, revelando temor do julgamento por não possuírem ritmo, talvez pela contenção química das medicações ou de substâncias psicoativas, da afirmação genérica de que não sabiam dançar ou, ainda, a associação dos movimentos propostos a determinado gênero.

Com o avanço das práticas estéticas, iniciou-se realização de grupo de teatro do oprimido, que acontece uma vez por semana, notava-se que os usuários, a partir da proposta metodológica, arriscavam-se adentrar o fazer estético, conseguindo extrapolar os acontecimentos do grupo e produzindo novos sons, imagens, músicas, fragmentos poéticos, além do protagonismo exercido pelas apresentações que aconteciam e tinham como objetivo criar mobilização, debate e engajamento na transformação das experiências referidas. A proposta consistia na montagem de cenas que retratassem experiências de opressão reais vividas na relação ao uso prejudical de psicoativos e que propusessem diálogo cênico para a superação destes impasses. Assim, através do método, ampliava-se discussões e havia o surgimento na construção de alternativas forjadas coletivamente, para a transformação daquelas realidades.

Deste modo, no interior das experiências coletivas do CAPS AD, ponto de atenção da rede de saúde mental de Macaé, busca-se promover contracultura e aumento das conexões existenciais através da reflexão, da arte e do compartilhamento de experiências. Através da aplicação de técnicas de improviso e criação (palavra, som e imagem), constrói-se a maiêutica que se revelam capazes de perturbar fronteiras morais e gestem reais mudanças às realidades de opressão experimentadas pelos usuários em uso prejudicial de psicoativos.

Na proposta em questão, busca-se compreender e estudar os fenômenos e linhas de expressividade deste grupo, buscando compreender se estar pode ser considerada uma tecnologia de cuidado indutora de autonomia.

 

Desenvolvimento do trabalho: descrição da experiência ou método do estudo

Uma das tecnologias de cuidado que podem servir a atenção psicossocial é a estética do oprimido que, em seu arcabouço filosófico, pretende auxiliar na imediata transformação de realidades opressivas através da democratização dos meios estéticos. Esta metodologia, empregada em mais de 70 países, traz como premissa a natureza inventiva que, através da luta social, permite que, apropriados da palavra, da imagem e do som, antes tomados historicamente pelos canais de dominação que se perpetuam através da colonização deste fazer, se promova guerrilhas artísticas para a transformação social.

A partir da necessidade em se oferecer um dispositivo aos usuários em uso prejudicial de psicoativos do CAPS AD de Macaé, o teatro do oprimido surge como aposta que, através de uma metodologia sensível,  favoreça a desmecanização do ser humano ante as cristalizações que se impõem pela organização social e opressiva.

Trata-se de um relato de experiência e inspiração cartográfica. Esta pesquisa-ação será utilizada para investigar os processos de produção de subjetividade e conhecimento, além do engajamento nas diversas linhas de expressividade do grupo de teatro do oprimido do CAPS AD de Macaé, que o utiliza como intercessor de seus processos de criação. Importante destacar que este grupo reúne-se uma vez por semanas, por 1 hora aproximadamente, para realizar diversos jogos de exercícios referentes a esta metodologia.

Resultados e/ou impactos: os efeitos percebidos decorrentes da experiência ou resultados encontrados na pesquisa;

A experiência com o teatro do oprimido na saúde mental tem proporcionado a democratização dos meios de produção estético e restituído o protagonismo, através da arte, e a autonomia aos usuários de saúde mental. Ao estimular, de modo permanente, que os próprios usuários, os oprimidos desejosos por transformações, descrevam por si quais às forças que dissipam a experiência de sofrimento, coletivizando-as por mecanismos solidários, aciona-se a confrontação aos regimes de verdade que impõem teses diagnosticas, proporciona-se o aumento das conexões existenciais, bem como o fomento das linhas de expressividade. Portanto, pode-se compreender que esta experiência, além dos referidos aspectos, busque:

  • Consolidar as oficinas de teatro do oprimido como dispositivo de cuidado no CAPS AD;
  • Favorecer espaço auto-gestivo de suporte-mútuo de usuários em uso prejudicial de psicoativos no CAPS AD;
  • Estimular a multiplicação da metodologia do teatro do oprimido;
  • Fortalecer o núcleo de educação popular do CAPS AD.

Considerações finais

Como o paradigma da atenção psicossocial, que contrapõe-se à clínica do corpo com órgãos, surge como alternativa ao modelo asilar e sustenta, em seu bojo, intervenções que preconizam o permanente estímulo à autonomia, tal qual a guerrilha proposta pela estética do oprimido.

Assim, a interação entre a atenção psicossocial e a estética do oprimido podem servir para operar processos de subjetivação, que derivem em invenções coletivas, na produção de conhecimento pela experiência e no consequente aumento de conexões existenciais. Ao superar codificações que promovem imobilismo, tal qual a estigmatizadora ideia da “dependência química”, sustenta-se  a existência dos “neurônios estéticos”, através do arsenal de jogos e exercícios teatrais, numa analogia feita com a teoria da neuroplasticidade, para desafiar seus próprios corpos, desmecanizando-os através de jogos teatrais e para fazer acessar o devir-artista, que revela nossa própria natureza criado