Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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A Reforma Psiquiátrica no fronte dos ataques no governo Bolsonaro
Gicelia Almeida da Silva

Última alteração: 2022-01-31

Resumo


Este é um relato sobre as vivências, enquanto militantes do movimento de reforma psiquiátrica, no período em que o governo Bolsonaro ameaçou revogar as principais portarias da política de saúde mental. O objetivo é registrar os processos de mobilização e os eventos ocorridos para enfrentar a ameaça emitida pelos gestores federais e ainda expor os aspectos do ambito do afeto, em meio aos militantes.

Compreende o relato de experiência de militantes do Fórum Cearense da Luta Antimanicomial (FCLA), ao que confere as mobilizações para o enfrentamento de ameaça de revogação de portarias e outros marcos legais, que fundamentam a politica de saúde mental em território nacional. As mobilizações ocorreram entre dezembro de 2020. Importante considerar que esse compreendeu um período de exceção, em decorrência do cenário da pandemia de covid -19. Todas as mobilizações e ações estavam ocorrendo por meio das redes sociais e por plataformas digitais.

No dia 5 dezembro de 2020, o Ministério da Saúde, através da Coordenação Nacional de Saúde, apresentou a proposta de revogação de cem portarias da saúde mental, ao Conselho Nacional da Saúde (CNS) e ao Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), a fim de levar a pauta para a reunião da CIT Sem qualquer base avaliativa e com o apoio da base conservadora da Associação Brasileira de Psiquiatria e outrs entidades de classe1. Portanto, a revogação de cem portarias que forma instituídas entre 1990 e 20112, adensou as ameaças ao projeto da Reforma Psiquiátrica, alegação para a proposta foi a falta de eficácia, produtividade e obsolescência do sistema.

A resposta foi imediata, a mobilização social em nível nacional. Sob a defesa de que a revogação se propõe a desmantelar a RAPS e, portanto, os serviços e equipamentos por ela ofertados: os CAPS, os Serviços Residenciais Terapêuticos, o Consultório na Rua e o De Volta para Casa. Soma-se a isso, a suspensão do Programa de Reestruturação da Assistência Psiquiátrica Hospitalar do SUS. As medidas certamente significariam a maior fragilidade da proposta que foi coletivamente construída. E esse foi um argumento utilizado nos espaços de protesto.

Para os antimanicomiais, a proposta nomeada de revogação, que foi elaborada pela ala conservadora da Associação Brasileira de Psiquiatria3, sinaliza o aprofundamento do desmonte da RAPS, e, portanto, os serviços e equipamentos por ela ofertados: os CAPS, os Serviços Residenciais Terapêuticos, o Consultório na Rua e o De Volta para Casa.

A reunião entre CNS, CONASS e Ministério da Saúde ocorreu em rede restrita, mas a informação veio a público ainda durante a atividade. A resposta do movimento antimanicomial foi imediata, logo disseminaram-se ações de organização do movimento antimanicomial. No mesmo dia a RENILA convocou seus participantes para elaborar estratégias de enfrentamento e buscar apoiadores para o enfrentamento dessa nova frente de ataque ao Movimento de Reforma Psiquiátrica.

As notícias chegavam ao FCLA, por meio da participação em reuniões convocadas pela RENILA, essa articulava-se aos movimentos nacionais e mantinha a corrente com os movimentos locais. Uniram-se ao movimento pessoas de diversos movimentos sociais, campos de atuação, representantes dos legislativos das instâncias federal, estadual e municipal. Cartaz de repúdio, notas de orientação técnica, lives, as ações tentavam substituir as manifestações de rua. Nos grupos de WhatsApp, o desafio era conter os ânimos e as frustração em não estar nas ruas: “em tempos normais, a gente tava na rua”. A construção de documentos, a análise de documentos que eram emitidos por instâncias conservadoras, a análise dos discursos de defesa do revogaço, a articulação do movimento com a esfera nacional, a programação de manifestações de rua, seguindo critérios de segurança. Essas foram agendas construídas pelo FCLA no mês de dezembro.

Em nível nacional, a mobilização foi rápida, a articulação com os poderes político e judiciário foram importantes para que ocorressem audiências públicas na Assembleia legislativa. O Coordenador da saúde mental foi convocado pela Comissão Nacional de Direitos Humanos e Minorias, da Câmara dos Deputados Federais, para emitir esclarecimentos sobre a proposta de revogação. Em 12 de dezembro a audiência presidida pela Deputada Erica Kokai, que também coordena a comissão em defesa da Reforma Psiquiátrica da mesma Câmara de Deputados. Na audiência o coordenador foi inquirido sobre a proposta de revogação, que seria apresentada na CIT, que ocorreria em 17 de dezembro para aprovação deste pleno. A proposta foi retirada da pauta dessa reunião, sem explicações do gestor nacional, o qual também não emitiu informações à comissão dos Direitos Humanos e Minorias, conforme tinham solicitado.

Assim, após dias de intensa mobilização nacional, a qual aglomerou virtualmente diversos campos das lutas sociais, recebeu com alívio a notícia de que a coordenação de saúde mental havia recuado. Todavia, o movimento antimanicomial mantêm-se em alerta. No Ceará, a manutenção de atividades remotas tem ocorrido conforme registram as redes sociais do FCLA o apoio do poder legislativo também tem sido um destaque, o deputado renato Roseno e a deputada Larissa Gaspar, tem sido o destaque nessa articulação. A construção da pauta antimanicomial na Câmara dos Deputados em esfera estadual, segue uma correlação de forças entre os conservadores cujos argumentos de defesa incidem no apoio de estratégias antagônicas ao que defende a luta antimanicomial.

As agendas do FCLA são construídas horizontalmente, qualquer um que esteja no debate, pode apresentar a pauta. Todavia, existe um núcleo organizador dos processos de mobilização. Esse realiza o aprimoramento do debate e desenvolve linhas gerais para as mobilizações. Os assim nomeados membros orgânicos, como será apresentado na sequência.

Resultados:

As mobilizações e ações realizadas pelos militantes da Reforma Psiquiática brasileira, geraram o efeito recuo dos gestores federais. O Revogaço não ocorreu como o programado. Embora utilizando estratégias diversas como alterações de portarias para incluir formas escusas de tratamento, o aprofundamento do desmonte de ações e outras, continuam sendo utilizadas pelo governo federal. Mantendo os movimentos de Reforma Psiquiátrica em alerta constante. A política de saúde mental, muito possivelmente seja a mais atacada pelo atual governo.

Considerações finais

O movimento antimanicomial conseguiu manter ações e mobilizações, oferecendo respostas aos ataques do governo federal expresso pelo revogaço. Com manobras coletivas que envolveram usuários, trabalhadores, parlamentares, pesquisadores de diversos lugares.

O FCLA está articulado, por meio da Rede Internúcleos da Luta Antimanicomial (RENILA) articulando-se com as lutas de âmbito nacional.

As redes sociais e plataformas digitais, são ferramentas importantes, todavia sua utilização ainda oferece limitações, sobretudo para usuários e familiares, dado as dificuldades de acesso sejam da qualidade da internet ou mesmo do manuseio da tecnologia. Todavia, compreende uma ferramente que manteve unidos os antimanicomiais durante o período de exceção causado pela pandemia da Covid – 19.