Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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CONSTRUÇÃO DE CASO CLÍNICO EM UM SERVIÇO RESIDENCIAL TERAPÊUTICO: uma contribuição da psicanálise para a equipe de saúde mental
OLGA DAMASCENO NOGUEIRA DE SOUSA, Leônia Cavalcante Teixeira, Clarissa Dantas Carvalho

Última alteração: 2022-02-06

Resumo


Apresentação: O presente trabalho consiste em um recorte da dissertação de mestrado intitulada: Psicanálise e Psicose: os efeitos clínicos institucionais do dispositivo construção do caso clínico em um serviço residencial terapêutico. Foi defendida no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade de Fortaleza. Objetiva apresentar a experiência de imersão no campo da pesquisa e o processo de construção do caso clínico de um morador do Serviço Residencial Terapêutico no tocante a contribuição desse método para o trabalho da equipe de saúde mental. Desenvolvimento do trabalho: O método Construção do Caso Clínico surgiu no contexto da saúde mental pós-Reforma Psiquiátrica. A psicanálise resgata a dimensão da clínica para o serviço de saúde mental, tendo em vista que os discursos dos sujeitos atendidos nesses serviços ficavam encobertos tanto pelo diagnóstico psiquiátrico, por meio dos sistemas de classificações, como o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, quanto pelo discurso militante, que entendia que a inclusão social seria o suficiente para que a dimensão do sofrimento do sujeito fosse resolvida. Desta forma, a construção do caso clínico configura-se como potencial contribuição da psicanálise para a equipe de saúde mental, tendo em vista que pretende propor um solo comum de trabalho dentre a heterogeneidade de saberes que compõe esse campo. A pesquisa foi desenvolvida em um Serviço Residencial Terapêutico, na cidade de Fortaleza capital do estado do Ceará. Este equipamento, situa-se no Bom Jardim, um dos bairros de maior vulnerabilidade da cidade. O Grande Bom Jardim é uma área que engloba cerca de 130.000 habitantes distribuídos em cinco bairros: Granja Lisboa, Granja Portugal, Bom Jardim, Canindezinho e Siqueira. Historicamente a população é proveniente do êxodo rural, provocado pela seca no interior do estado, devido ao bairro localizar-se geograficamente na região da cidade onde justamente tem acesso do interior à capital. O Serviço Residencial Terapêutico compreende um dispositivo, advindo da reforma psiquiátrica, que se configura em uma casa destinada a abrigar pessoas egressas de longos períodos de internação em hospital psiquiátrico e que perderam os vínculos familiares. Tal instituição encontra-se sobre responsabilidade técnica do Centro de Atenção Psicossocial tipo II e da Organização sem fins lucrativos, Movimento Saúde Mental. A pesquisa dedicou-se a construir o caso de um sujeito do sexo masculino, adulto, morador da instituição desde 2013. A construção do caso seguiu os seguintes momentos: 1º: observação da dinâmica institucional, durante um mês, 4 horas por dia e duas vezes por semana; 2º: realizaram-se escutas individuais semanais, uma hora por dia durante dois meses, de um sujeito escolhido em diálogo com a equipe de referência do Serviço Residencial Terapêutico; 3º: concomitante à escuta individual, realizou-se a supervisão com os integrantes do Laboratório de Estudos Psicanálise Cultura e Subjetividade do Programa de Pós-Graduação da Universidade de Fortaleza, núcleo Psicanálise na Interdisciplinaridade e dois psicanalistas externos a academia, através de um encontro de 2 horas. 4º: em parceria com a equipe de referência do serviço foram trabalhados os conteúdos elaborados na supervisão. O sujeito escolhido para construção do caso clínico foi indicado pelos profissionais do Serviço Residencial Terapêutico, do Centro de Atenção Psicossocial e do Movimento Saúde Mental. Este apresentava em seus comportamentos aspectos que traziam entraves a equipe e geravam dificuldades na condução de seu tratamento, por exemplo: agressividade dirigida aos cuidadores e aos outros moradores, baixo limiar frustração. Além desses aspectos, o isolamento social causado pela pandemia repercutiu negativamente no quadro clínico do paciente, tendo em vista, a restrição na circulação no bairro e nos grupos terapêuticos do Centro de Atenção Psicossocial e do Movimento Saúde Mental, o que gerou maior instabilidade do quadro, aumento nos delírios persecutórios e na dificuldade de convivência com os profissionais e com os outros moradores do serviço. Ocorreram duas reuniões com a equipe com vistas a construção do caso clínico. Foram mediadas pelo texto escrito pela pesquisadora, aonde foi apresentada a devolutiva contendo as hipóteses construídas nas supervisões. Ressalta-se que para esse momento foi priorizado as falas das trabalhadoras do Serviço Residencial Terapêutico, do Centro de Atenção Psicossocial e do Movimento Saúde Mental, a fim de que a equipe pudesse ter um espaço de reflexão, elaboração e debate sobre o caso. Também almejava-se a construção de saberes sobre as questões que causavam dificuldade na atuação dos trabalhadores, além de elencar estratégias para construção de um Projeto Terapêutico Singular que estivesse de acordo com o desejo do sujeito e com as possibilidades de articulação das três instituições. Resultados e/ou impactos: A construção do caso clínico contribuiu para reforçar aspectos da clínica ampliada, proposta na Política de Humanização do Sistema Único de Saúde no campo da saúde mental. Também instigou a reflexão de estratégias pela equipe em relação a cogestão dos equipamentos de saúde proposta pela mesma política, logo que o caso, de forma recorrente, extrapolou em efeitos clínicos institucionais para aspectos da gestão do Serviço Residencial Terapêutico. Esse ponto convoca os trabalhados a se posicionarem de forma a retomar a noção de cogestão, que considera que apesar de existir a figura do coordenador, a gestão deve ser compartilhada com os demais membros da equipe, de modo que as decisões sejam tomadas de forma horizontal, possibilitando que os profissionais se sintam corresponsáveis pelo equipamento. No tocante à clínica ampliada, esta não parte da mesma noção de sujeito da construção do caso clínico, mas de que o sujeito da psicanálise pode contribuir, especialmente com relação a aspectos que causam entraves à equipe, incomodam, fazem questão e por isso, instigam a equipe ao trabalho. A construção do caso clínico também propiciou várias interlocuções ao longo da pesquisa, que fazem parte do processo metodológico, possibilitando diversos olhares sobre o sujeito, como trabalhadores do serviço de saúde, laboratório de pesquisa e psicanalistas que não participam da academia. Considerações finais: Considera-se que a construção do caso clínico possibilitou ampliar a visão sobre o serviço estudado, moradores e trabalhadores envolvidos na assistência, ao compreender como parte de uma engrenagem ampla e complexa. Cabe a nós, pesquisadores, profissionais, cidadãos comprometidos com a defesa dos Sistema Único de Saúde, da luta Antimanicomial, da Reforma Psiquiátrica, com a psicanálise implicada ao campo da saúde mental, construir espaços potentes de invenção onde cada um possa colocar o seu desejo a fim de desenvolver processos de trabalhos mais implicados e comprometidos com os sujeitos atendidos.