Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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A atuação do psicólogo nas equipes de Atenção Primária: práticas e reflexões
Josiely Cardoso dos Santos, Ivana Pereira Lima

Última alteração: 2022-02-02

Resumo


Apresentação: A presença de psicólogos nas equipes de Atenção Primária ainda é uma realidade pouco frequente em nosso sistema de saúde, a despeito da grande demanda pela atuação desses profissionais, especialmente em virtude dos inúmeros usuários das ações e serviços públicos de saúde em situação de sofrimento psíquico. Nessa perspectiva, o presente trabalho trata a respeito das experiências e vivências de duas estagiárias de Psicologia na Atenção Básica, em unidades de saúde de dois diferentes municípios do estado do Pará, Abaetetuba e Castanhal, ocorridas através do estágio no Programa de Capacitação em Atenção à Saúde da Criança – Estágio Multicampi Saúde. O objetivo do relato é fazer considerações sobre a atuação, as contribuições e a relevância que o profissional da Psicologia pode oferecer aos usuários e às equipes da Atenção Primária.

Desenvolvimento: O foco principal do Estágio Multicampi Saúde é a atenção à saúde das crianças no Sistema Único de Saúde (SUS), porém a atuação dos estagiários deve estar voltada para contemplar todos os usuários dos serviços e a comunidade de modo mais abrangente. Portanto, nossas ações foram construídas e realizadas tanto com as crianças quanto com os adultos. É importante pontuar que desde o início nossa atuação enquanto estagiárias de psicologia buscou chegar aos sujeitos a partir de uma abordagem ética e humanizada, interagindo com eles sob o enfoque dos princípios do SUS, os quais destacam-se a universalidade, a equidade e a integralidade, bem como buscou-se apreendê-los como sujeitos ativos e não apenas como indivíduos com os quais nós poderíamos colocar em prática um saber pronto e fechado. Dessa forma, procuramos sempre ter o cuidado de respeitar e estimular a autonomia desses sujeitos. Assim, em nossas ações buscamos construir possibilidades de atuação e intervenção junto com os usuários, considerando as diversas esferas de suas vidas, as características da comunidade e os aspectos inerentes aos territórios em questão. Ao longo das experiências foram realizadas diversas atividades, a maioria delas de caráter interdisciplinar contando com a participação de estagiários de outras áreas como Medicina, Nutrição, Enfermagem, Terapia Ocupacional e Serviço Social. As principais ações desenvolvidas foram: a participação no processo de acolhimento e escuta; os atendimentos interprofissionais em conjunto com as enfermeiras das unidades e com os demais estudantes das outras áreas participantes do estágio; ações interativas de educação em saúde na sala de espera; ações de prevenção de agravos e promoção da saúde junto aos Agentes Comunitários de Saúde; ações com usuários de outros dispositivos relacionados à assistência e à saúde mental dos municípios, como foram  os casos de uma atividade sobre vínculo mãe-bebê e aleitamento materno desenvolvida com o grupo de mães do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) de Abaetetuba e de uma visita ao estabelecimento do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) de Castanhal, onde foi feita uma dinâmica com a temática da valorização da vida, além de ter se oferecido escuta, feedback e suporte psicológico durante participação na reunião do grupo terapêutico do serviço, composto em sua maioria por adolescentes e jovens. Ademais, foram realizadas visitas domiciliares com outros profissionais das unidades; atividades lúdicas com as crianças com o objetivo de contribuir com a educação e o cuidado à saúde infantil; atividades de educação e promoção de saúde com os grupos existentes nas unidades como, por exemplo, o grupo de gestantes, o grupo terapêutico de saúde mental e o grupo de idosos.

Resultados: Como foi possível constatar no estágio, o trabalho do psicólogo na Atenção Básica mostra-se cada vez mais relevante e necessário. Com as experiências desenvolvidas foi possível um envolvimento eficaz e ativo da Psicologia nas ações de promoção e cuidado à saúde da comunidade, sendo que uma das consequências mais relevantes foi o fortalecimento dos vínculos dos usuários com as unidades de saúde, de modo que no final do estágio alguns indivíduos que anteriormente estavam mais afastados e relutavam em ir às unidades mesmo quando precisavam já as procuravam e se mostravam mais próximos dos serviços. Outro fator importante decorrente das práticas em questão refere-se à possibilidade de ajudar a desconstruir alguns estereótipos  existentes em relação à Psicologia, visto que algumas vezes notou-se um certo estranhamento por parte de alguns usuários que ainda veem a atuação do psicólogo como algo voltado somente para determinados sujeitos, como os indivíduos em situações de intenso sofrimento psíquico, por exemplo, visão essa que pode ser fortalecida pela insuficiente presença de profissionais da área na Atenção Primária. Isso pôde ser evidenciado durante o período de imersão na unidade do município de Castanhal, quando foi possível identificar que o território e os usuários que são abrangidos pelos atendimentos da UBS na qual o estágio foi realizado são bem assistidos pela equipe em sua maioria. No entanto, acerca da atuação profissional da Psicologia nesse território pôde-se perceber que está mais pautada no atendimento clínico individual, chegando até a se fazer grupo terapêutico, porém com poucos encontros, algumas visitas domiciliares e palestras. Assim, no que tange a atendimentos fora do enquadre clínico foi possível notar que são pouco frequentes, bem como constatou-se a escassez de ocorrências de atividades interdisciplinares, as quais só foram mais desenvolvidas a partir da inserção da estagiária.

Considerações finais: Os trabalhos realizados foram marcados pela valorização da escuta e do acolhimento e pelo fortalecimento da importância de se conhecer as histórias e as realidades dos usuários, assim como o diagnóstico de rede do território de atuação, já que as ações desenvolvidas também foram orientadas pela noção de que determinantes sociais são fundamentais no processo saúde-doença e não podem ser desconsiderados. Dessa forma, pode-se afirmar que a atuação da Psicologia na Atenção Primária se mostra fator importante para a promoção da saúde da comunidade, especialmente porque permite a existência de assistências mais completas e de um serviço mais integral aos usuários, o que é crucial para todos os serviços de saúde, principalmente quando se trata de unidades como aquelas nas quais foram desenvolvidas as experiências em questão, que ficam localizadas em áreas com populações em situações de múltiplas vulnerabilidades. A partir das demandas, de falas de usuários dos serviços e de outras pessoas ouvidas e atendidas durante as experiências propiciadas pelo Multicampi Saúde, verificou-se que ainda está presente no imaginário das pessoas o modelo clínico de psicologia, o que torna bastante necessário cada vez mais que nós, enquanto psicólogos, rompamos com esse ideário através de uma prática mais ampliada e que evidencie para a população outras possibilidades de promoção de saúde mental além da tradicional.