Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
Tamanho da fonte: 
Vulnerabilidade: quem está ao seu lado?
Iarin Barbosa de Paula, Anna Maria de Senna Migueletto, Eduarda Vilela Silva, Eduardo Carneiro Fabricio de Souza, Flavia do Bonsucesso Teixeira, Tiago Rocha Pinto

Última alteração: 2022-02-07

Resumo


APRESENTAÇÃO: A temática da vulnerabilidade é muito importante no domínio da saúde e, particularmente, ao da Saúde Coletiva. A epidemia da Aids constituiu, no Brasil, um marcador não somente de reconhecimento da concepção de vulnerabilidade como central para a elaboração de Políticas Públicas, mas também para a formação de alianças com grupos prioritários considerados chave para essas Políticas. Desse modo, a definição de “grupo de risco” e/ou “população mais vulnerável” ocupava um lugar de certo consenso no imaginário daqueles/as que cuidam e são cuidados/as. No entanto, a pandemia da coronavirus disease 2019 (COVID-19), doença causada pelo vírus Sars-Cov-2, ressignificou essa noção, à medida que a experiência da dor e da morte dos profissionais de saúde desorganizava um campo disciplinar que se consolidou no enfrentamento dessas situações, bem como instituía uma ruptura no ambiente de aprendizado a partir do fechamento de universidades e da instituição do ensino remoto emergencial. Ao passo que a finitude humana invadia, como imperativo, nossas casas, as de nossos/as amigos/as, parentes e conhecidos/as, as modificações feitas para o avanço da educação médica, como a adoção de metodologias ativas, permitiu a criação de ciberespaços para o (re)contar do sofrimento oriundo de perdas que foram desacompanhadas dos tradicionais rituais de passagem. Nesse sentido, a superação de perspectivas educacionais caracterizadas pelo aprendizado impositivo corroborou para o reconhecimento, pelos estudantes, de suas próprias fragilidades, manifestadas pela emergência de novas condições sociais: a desigualdade do acesso aos aparatos tecnológicos - essenciais nesse contexto -, assim como o distanciamento social, o qual é capaz de adoecer pelo isolamento, por seu potencial desumanizante e pela frustração quanto à perda de experiências estudantis presenciais. O objetivo deste trabalho é, então, discutir como a oferta do diálogo tornou-se uma estratégia pedagógica, conforme a perspectiva freireana, para produzir cuidado durante a pandemia, ao considerar os discentes seres culturais e históricos, bem como potenciais construtores de laços de solidariedade entre si e com os educadores, manifestados pela autonomia, pela conscientização e pelo compartilhamento de experiências. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: No panorama do ensino remoto emergencial, vivenciar a Universidade Pública e o curso de Medicina têm sido um impasse comum aos/às docentes e estudantes. As vulnerabilidades individuais e econômicas ficaram ainda mais expostas, mas não se tratava apenas de um lugar geográfico onde esse processo de ensino-aprendizagem deveria ocorrer e nem mesmo somente de que tipo de tecnologia deveria mediar essa relação. Discutir os temas que são afeitos à Saúde Coletiva demandava primeiramente nos posicionarmos como sujeitos políticos, e naquele contexto, (sobre)viventes da COVID-19. A abordagem da pandemia estava prevista anteriormente no Plano de Ensino. No entanto, sua presença era enunciada a partir de um lugar-exemplo, por meio de disparadores para apresentação dos temas-problemas. Iniciado num período de recrudescimento da pandemia e com a crescente de mortes atingindo públicos até então não considerados vulneráveis, ao mesmo tempo em que a imunização ocorria de forma lenta, perceber o contexto como alicerce para as relações dos/as estudantes com a formação e o componente curricular parecia um desdobramento inevitável. Tornou-se necessário abrir o espaço formalmente para que todos/as pudessem falar de sua vida, serem perguntados/as sobre o cotidiano, as condições de estudo, os mecanismos e estratégias de proteção d(n)a família, as formas de lidar psicologicamente com o cenário vivido. Desse modo, foi preciso que docentes e discentes se conhecessem melhor, que oferecessem e reconhecessem a humanidade do/no outro em meio a uma situação fragilizante, rompendo os padrões típicos do curso. Iniciar os encontros com um lugar livre para contar sobre como foi/estou exigiu também que os/as docentes construíssem uma posição menos hierárquica com a turma, mais dialógica e menos prescritiva. Ao contar suas experiências, os/as docentes abriam os espaços para que os/as estudantes também pudessem perceber a sala de aula como espaço seguro, humanizador e de acolhimento, embora nunca tenham se encontrado pessoalmente. Além disso, os estudantes se sentiram mais amparados ao relatar suas dificuldades em relação ao sistema de ensino que estava sendo implementado e com os sentimentos ocasionados pela tensão do momento ao compreender que os docentes reconheciam e também partilhavam das mesmas dificuldades de adaptação. A vulnerabilidade, traduzida na possibilidade real de adoecimento e morte pela COVID, foi aproximada e aproximadora do grupo. A percepção de que todos são/estavam vulneráveis, e alguns mais que os outros, aliada à proposta de abertura de um espaço de diálogo que oferecesse suporte por meio da manifestação da solidariedade e da efetivação de trocas de vivências que construíssem uma relação mais consistente e madura entre discentes e docentes, a partir do rompimento parcial de laços hierárquicos, proporcionaram uma melhor experiência humanizadora no cenário pandêmico, visto que isso é essencial para desenvolvimento dos estudantes da área da saúde. RESULTADOS E/OU IMPACTOS: O processo de integrar o ambiente universitário ao espaço pessoal de cada aluno, no sentido de se trazer para casa os assuntos acadêmicos, gerou uma aproximação menos hierárquica entre alunos e professores que tiveram alguns aspectos de suas vidas pessoais muito mais expostos a partir da instituição do Ensino Remoto. Todavia, ao mesmo tempo em que essa mudança ocasionou uma aproximação com a intimidade do outro, notou-se que havia um distanciamento físico que tornava desafiador trazer para a sala de aula virtual as dores e incertezas de viver/ensinar/aprender na Pandemia. O encontro presencial ancora e permite o abraço que gera aproximação ao oferecer suporte. Produzir essa sensação de solidariedade em um ambiente remoto não foi fácil. A decisão de construir um espaço seguro que fosse receptivo exigia deslocamentos tanto dos/as docentes quanto dos/as estudantes. Ao enunciar "Eu sou feita de tão pouca coisa e meu equilíbrio é tão frágil, que eu preciso de um excesso de segurança para me sentir mais ou menos segura", Clarice Lispector elucidou a realidade de muitos alunos: é necessário se sentir seguro para se despir em um ambiente “público” e estar/reconhecer a vulnerabilidade que há em si é desafiador. Desse modo, pode-se dizer que essa foi uma experiência inovadora e desafiadora para todos, discentes e docentes, que tiveram que reconstruir o espaço sala e o modo de se viver/ensinar/aprender. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Não negamos o impacto da classe e raça na produção das mortes e adoecimentos na Pandemia, mas consideramos que (re)conhecer as vulnerabilidades individuais e socioeconômicas produzidas nesse contexto é fundamental para entendê-lo e modificá-lo. Assim, o uso inovador do ensino remoto nas Ciências da Saúde e, mais especificamente, no Ensino Médico, algo que inicialmente era visto como impossível por muitos discentes e docentes, fez-se viável. O uso do diálogo possibilitou a construção de laços de solidariedade e modificou a forma hierárquica e excludente de aprendizado, o qual se fez de modo a unir a todos em uma realidade que os afetava e os afeta. Diante disso, a vulnerabilidade deixou de ser um elemento de distinção para ser um processo a ser conhecido e enfrentado por todos/as nós.