Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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A reinvenção da vida e da saúde em tempos de pandemia – o lugar da cultura
Ricardo Rodrigues Teixeira, Sabrina Helena Ferigato, Rogério da Costa Santos, Jair de Souza Moreira Júnior, Giovanna Benjamin Togashi, Rosana Elisa Catelli, Julio Boaro, Andresa Caravage de Andrade

Última alteração: 2022-01-31

Resumo


Resumo Expendido

Apresentação

A presente pesquisa nasceu da colaboração estabelecida entre pesquisadores do Centro de Pesquisa e Formação do Sesc-SP e o Departamento de Medicina Preventiva e Social da USP, com o intuito de elaborar um programa de estudos sobre as relações entre saúde, arte e cultura. Como resultado dessa colaboração, entre diferentes atividades realizadas, destaca-se o desenvolvimento e realização de um projeto de pesquisa intitulada “A reinvenção da vida e da saúde em tempos de pandemia – o lugar da cultura”..

No início de 2020, as conversações desta parceria apontavam na direção de se investigar os espaços de convivência nas unidades do Sesc-SP e outros existentes na cidade de São Paulo como espaços de produção de saúde. Os conceitos-chave, então, eram os de produção de saúde e produção de comum. No final de janeiro, começávamos a esboçar um projeto intitulado “O bem-viver e as artes do comum”. No entanto, um dos principais impactos do acontecimento pandêmico foi justamente o esvaziamento dos “espaços de convivência”! Nossa hipótese sobre a importância desses espaços comuns para a produção de saúde confirmou-se da maneira mais dramática possível: por sua súbita redução de nossas vidas. O que, obviamente, nos obrigou a refazer as perguntas que nos guiavam. De forma simples, pode-se dizer que nossa questão principal passou a ser:  – a despeito desse esvaziamento dos espaços de convivência  – como tem se dado a produção de saúde (e a prática das “artes do comum”) durante a pandemia?

Se a pretensão anterior era investigar como os espaços de convivência contribuem para a produção de saúde, o objetivo da pesquisa aqui apresentada, é investigar as múltiplas estratégias de produção de saúde que foram sendo inventadas em tempos de distanciamento físico e social, identificando os mundos (os comuns) produzidos nessas invenções e de que modo determinadas “práticas e atividades culturais” (em particular, aquelas online), vêm participando dessa produção.

Desenvolvimento

Tomamos como plano fenomênico a vida cotidiana, esse plano da vivência do dia a dia, em que se inscrevem nossos hábitos, nossos gestos, nossas práticas de produção e reprodução da própria vida, que foi profundamente alterado no contexto pandêmico e é o plano central desta pesquisa.

Para acessar esse plano, com todas as limitações impostas pela própria pandemia, utilizamos como instrumento de produção de dados um questionário on line (QOL) quanti-qualitativo, do tipo survey. Buscamos, a partir de estratégias comunicacionais e conceituais, ampliar o alcance tradicional de ferramentas como esta, incorporando ativamente em sua forma e conteúdo pelo menos 3 dimensões: (1) uma dimensão investigativa, que buscou construir perguntas adequadas para responder ao problema inicial da pesquisa (2) uma dimensão clínica,  que compreende que o processo de produção de conhecimento, pode também ser um processo de produção de cuidado e (3) uma dimensão interventiva, valorizando o potencial de transformação que toda pesquisa pode comportar, de alterar a relação dos participantes com o próprio objeto da investigação.

Nosso desafio foi transformar o processo de responder à um questionário on line em uma trilha reflexiva e em uma experiência cultural. Para isso, incluímos diferentes linguagens e formas de perguntas (questões de múltipla escolha, questões abertas, com uso imagens e vídeos-acolhimento produzidos com artistas e profissionais da comunicação.)

As perguntas foram distribuídas em 5 blocos:

  • Impactos na saúde, bem estar e na vida prática
  • Redes de cuidado e solidariedade
  • Hábitos culturais, digitais e de saúde
  • Reinvenções descobertas no mundo pandêmico/ sonhos e desejos para um mundo pós pandêmico.
  • Perfil dos participantes

Os respondentes foram selecionados por meio do procedimento de amostragem de tipo snowball, partindo das redes sociais do Sesc-SP e das redes sociais de entidades de Saúde Coletiva, atingindo um total de 1.118 respondentes. Chegamos à constituição de um banco de dados estruturados e um banco de dados textuais. Para a análise quantitativa dos dados estruturados, serão realizados ajustes pós estratificação. Para a análise dos dados textuais, lançaremos mão de técnicas quantitativas e qualitativas: técnicas de análises estatísticas de conteúdo textual e técnicas de análise qualitativa dos textos (métodos de análise de discurso que permitiram perscrutar os sentidos dos discursos, tendo em vista o contexto de sua produção).

Resultados: Com as respostas obtivemos uma caracterização ampla e fina das transformações que se deram na vida cotidiana dos respondentes, incluindo suas preocupações com a saúde depois de quase dois anos vivendo sob a pandemia, com uma atenção especial ao lugar da cultura e do mundo digital nessas transformações e seus impactos na produção de saúde. Os resultados apontam para uma mudança significativa do lugar da saúde na construção dos valores culturais, assim como uma ressignificação da percepção da função das atividades culturais e conviviais para a produção da saúde e bem estar cotidiano.

Para organizar o volume significativo de dados produzidos, os resultados serão apresentados no congresso da Rede Unida em 8 eixos: 1) Cartografia do páthos; que analisa as diferentes formas de paixões, padecimentos e adoecimentos produzidos pelo impacto da pandemia 2) Os mundos perdidos, que busca sistematizar expressões, percepções e constatações dos participantes sobre atividades, pensamentos, relações, pessoas e modos de vida que se esvaíram no contexto pandêmico; 3) As reconfigurações do desejo; que expressam os deslocamentos desejantes deste período, incluindo reativações do passado, investimentos materiais e imateriais em novas atividades ou novos modos de existir; 4) Mudanças na relação com o próprio corpo; que mapeia as relações consigo, as percepções sobre o corpo,  incluindo práticas de abandono ou cuidado de si; 5) Mudanças na relação com os outros corpos, inclui especialmente as mudanças percebidas na relação com outras pessoas, com os objetos, e com outros seres viventes não humanos, produzindo novas coreografias corporais; 6) O corpo político,  que analisa especialmente essa dimensão do viver nas relações com o Estado, com as figuras políticas e com a Política viva nas relações cotidianas; 7) As mediações culturais e digitais, que cartografa as produções culturais e digitais como novas estratégias de experimentação coletiva e de si; 8) Produção de saúde e produção de comum onde analisamos essas mesmas experimentações, ora como meio para a produção de um comum, ora como resultado de um possível comum produzido.

Considerações finais

Os processos culturais e as atividades cotidianas reinventadas se colocaram de forma mais explícita do que em contextos habituais como a chave para reconhecer aquilo com o que você se relaciona e percebe a si mesmo, especialmente a partir dos impactos produzidos na saúde mental dos participantes com a interdição de algumas experimentações antes incorporadas como hábitos.

A pandemia em sua dimensão sanitária, mas sobretudo em sua dimensão trágica nos oferece uma oportunidade importante de explicitação do óbvio: a indissociabilidade entre os processos de produção de saúde e os processos de produção cultural.

Desenvolver pesquisas nesta natureza é também testemunhar a vivência histórica de uma pandemia que demarca uma transição em termos da cultura da saúde (setorial) mas sobretudo do lugar da saúde na produção cotidiana dos modos de vida.