Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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“Só quero cuidar do meu filho”: Os desafios para garantia de direitos de gestantes e puérperas em situação de rua em Belo Horizonte
Amanda Laís Gonçalves Gama Pereira, Rafaela Alves Marinho, Priscilla Victoria Rodrigues Fraga, Izabelle Cristina Ferreira dos Santos, Wakyla Cristina Amaro Corrêa, Joelson Rodrigues de Souza, Maria Cecília Assis Araújo

Última alteração: 2022-02-23

Resumo


Apresentação:

O presente trabalho traz a experiência dos/as trabalhadores/as do Consultório na Rua de Belo Horizonte (CR) na assistência às mulheres gestantes e puérperas que se encontram em situação de rua. Discorrendo sobre as dificuldades de articulação com os serviços de saúde para realização de um cuidado em saúde a este público que respeite o direito dessas mulheres exercerem a maternagem de seus filhos. Além disso, também traremos um caso acompanhado pelo serviço para ilustrar os obstáculos vivenciados nestes percursos.

Desenvolvimento:

O Consultório na Rua é um serviço que realiza cuidado integral em saúde às pessoas em situação de rua, vinculado a Rede de Atenção Psicossocial do município em articulação com a Atenção Primária à Saúde. Este serviço se propõe a realizar um trabalho intersetorial com as demais políticas públicas, como de Assistência Social, Segurança, Habitação, entre outras, para um atendimento integral às demandas desta população.

Os sujeitos acompanhados pelo serviço constituem-se como grupo heterogêneo, com histórias de vida diversas e demandas igualmente múltiplas. Apesar disso, observa-se alguns pontos em comum neste público. Em sua maioria são pessoas negras, com baixa escolaridade e traz em sua vida um histórico de violações de direitos e vidas perpassadas por violências, sejam elas física, sexual, psicológica, estatal, dentre outras. Em suas vivências nas ruas, suas histórias permanecem atravessadas por tais situações e, por vezes, inclusive, se sobrepondo e dificultando o acesso aos serviços públicos e direitos sociais.

Resultados:

Dentre o público atendido,  destaca-se neste trabalho a vivência das mulheres gestantes e puérperas que se encontram em situação de rua. Sobreviver na rua se revela como um grande desafio devido a falta de acesso à segurança alimentar, à serviços de saúde, e suas vidas seguem permeadas por insalubridade, negligência e falta de suporte social, porém para uma mulher, sobreviver nas ruas configura-se uma vivência ainda mais difícil. Elas são atravessadas, além das violências citadas anteriormente, pela violência de gênero, por vezes estabelecendo relacionamentos com um homem que também a violenta, mas que lhes proporciona uma suposta segurança para não ser violentada por outras pessoas.

Com relação ao Estado, as mulheres são objetos de ações que visam à legislação sobre seus corpos, sexualidades e reprodução. Elas enfrentam barreiras para o acesso a serviços de saúde para que sejam atendidas as suas especificidades, inclusive, ao planejamento reprodutivo. Quando gestantes recebem o holofote das políticas públicas que, por vezes, se demonstram somente preocupadas com a saúde gestacional e o futuro do ser que está em formação. Fato este que, juntamente com uma visão moralista sobre maternidade e família, acarreta no histórico de retiradas dos bebês destas mães com a justificativa de uma possível incapacidade protetiva materna, entretanto, a oportunidade de um mínimo de garantia para exercício dessa maternidade protegida não é ofertado.

Tal situação revela uma sobreposição de violações dos direitos dessas mulheres pelo Estado. Não é fornecido o apoio e ferramentas suficientes para que ela crie um ambiente protetivo para si e para o filho, e assim, lhe é negada a possibilidade de exercício da maternidade, violando o direito da criança  à convivência familiar. Este histórico se repete em diversas vidas, provocando nestas mulheres uma referência de serviços de saúde apenas como punitivos e julgadores ao invés de um equipamento que oferte cuidado.

K. é acompanhada pelo CR há alguns anos. Entre idas e vindas do acompanhamento da usuária, a equipe se reaproximou dela quando estava gestante de, aproximadamente, 7 meses. Ela demonstrava boa vinculação com o serviço devido a acompanhamentos anteriores realizados. Durante os atendimentos, K. sempre se demonstrava muito receosa de ser atendida em serviços de saúde, como Centro de Saúde e Maternidade. Em sua oitava gestação - sendo que, atualmente, não tem a guarda de nenhum dos filhos - K. localizava que estes equipamentos contribuíram para a impossibilidade dela exercer a maternagem deles. Sempre dizia que estes locais elaborariam um relatório contra ela e que dificultaria que ficasse com a guarda do seu bebê após o nascimento.  K. não vê estes equipamentos como um suporte e como locais de cuidado e acolhimento, os vê apenas como serviços excludentes e que retiram dela o direito de ser mãe com base em suas experiências de gestações anteriores.

O Consultório na Rua, ao acompanhar as gestantes em situação de rua, oferta o acompanhamento e realização do pré-natal na atenção primária. No entanto, ainda que essas mulheres desejem exercer a maternagem, invistam na realização do pré-natal e dos inúmeros exames solicitados, que seja articulado junto à assistência social a possibilidade de um abrigo familiar para mãe e bebê, e que o CR realize um acompanhamento próximo dessa mulher, parte significativa das crianças são institucionalizadas pela Vara da Infância e Juventude. Dessa forma, acontece um abrigamento compulsório dos bebês ainda na maternidade nas quais as mulheres são atendidas no momento do parto, desconsiderando as construções dos outros serviços envolvidos no cuidado ao binômio.

Acredita-se que a visão proibicionista e moralista dos profissionais das maternidades, relacionada à saúde mental, ao uso de substâncias psicoativas e ao viver em situação de rua, contribua para a judicialização da guarda do recém-nascido e isso traz consequências para o binômio. Dentre elas, destaca-se a saúde mental da mulher no pós-parto, que além de ter que lidar com questões orgânicas do corpo no puerpério, recebem alta da maternidade sem seus filhos nos braços e precisam conviver com a angústia e o medo de terem o direito de exercer a maternagem retirado, ocasionando sofrimento psíquico e falta de desejo de cuidar-se e alimentar-se.

A institucionalização influencia no vínculo afetivo entre mãe e bebê devido ao distanciamento, impedimento do aleitamento materno exclusivo e ao medo da mulher de vincular-se e em seguida perder novamente o seu bebê, ocasionando o não reconhecimento de ambos.

Conclusão:

Torna-se urgente o enfrentamento às práticas violadoras de direitos humanos por parte dos serviços de saúde, bem como a urgência da criação/ampliação de políticas públicas que garantam acesso para que essas mulheres possam ter a oportunidade de exercer a maternagem, com políticas públicas de segurança alimentar, creches públicas em horário integral, políticas de empregabilidade, entre outras. a. Faz-se necessário o enfrentamento dos processos de exclusão social, marginalização e discriminação para que essas mulheres não tenham seus direitos violados e possam exercer a maternagem com segurança e acesso a serviços de saúde, habitação, educação e assistência social.