Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
Tamanho da fonte: 
Programa Extensionista Mulherio: Tecendo redes de resistência e cuidados
Paloma Lima Ramos Jashar, Paula Land Curi

Última alteração: 2022-02-14

Resumo


Apresentação: Este trabalho traz uma breve apresentação de nossas práticas como coordenadoras do Programa Mulherio: Tecendo redes de resistência e cuidados, vinculado ao Instituto de Psicologia da Universidade Federal Fluminense – UFF. Desejamos com as práticas desenvolvidas afirmar a relevância da extensão como forma-de-ação dialógica com a sociedade. Outro objetivo igualmente necessário é a promoção de uma formação feminista como fator diferencial (essencial!) na formação universitária implicada com a transformação social.

 

Desenvolvimento: O Programa nasce em 2020 consolidando o entrelace de três projetos anteriores: “Por que temos que falar de violência?”, “Promoção e cuidados humanizados às mulheres em situação de gestação, parto e puerpério” e “A luta pelo direito a se ter direitos e os enfrentamentos cotidianos das minorias”. Essa união é fruto do desejo de intervirnessa sociedade – patriarcal -, de compor com a luta das mulheres e de investir na construção de uma psicologia feminista brasileira.

Logo no nascimento do Programa esbarramos no seguinte desafio: como conduzir essa proposta agora atravessadas pela pandemia e pelo ensino remoto? Soma-se a isso o fato de que os números da violência de gênero contra a mulher aumentavam assustadoramente. Ante ao choque inicial e ao não saber como prosseguir, com uma escuta atenta, cuidadosa e coletiva, fizemos um caminho possível para poder colocar nossa proposta em curso.

Investimos no cuidado conosco, compondo um corpo capaz de investir no cuidado com outras mulheres. Acolhemos as angústias que nos atravessavam e, então, nos preparamos para retornar aos atendimentos às mulheres e aos nossos encontros no modo como era possível: utilizando ferramentas tecnológicas. A ressonância desses fazeres e das demandas que nos chegavam nos apontaram que precisávamos investir cada vez mais nos estudos feministas. E, motivadas pelas demandas dirigidas pelo Coletivo Feminista Unificado da UFF, construímos uma Oficina de Sensibilização, cuja estratégia foi centrada nos saberes feministas, na história do feminismo brasileiro e das mulheres que lutaram essa causa antes de nós, assim como no compartilhamento de nossas histórias enquanto mulheres.

Paralelo a isso, desenrolavam-se outros projetos extensionistas oriundos do mesmo Programa, de caráter formativo e voltados para o campo das políticas públicas e a ética do cuidado com mulheres. Com isso, ampliamos nossas discussões e demos as alunas a chance de conhecerem múltiplos campos de atuação, aprofundando-se ainda mais na temática políticas públicas e gênero. Algumas passaram a participar dos encontros mensais da rede de atendimento intersetorial as mulheres em situação de violência do município de Niterói, as reuniões de vigilância às violências e de supervisões de serviços.

A cartografia dessas e outras experiências que compuseram nosso primeiro ano enquanto Programa Mulherio é encontrada no livro “Mulherio – Memórias da Pandemia”. O livro nasce de nosso desejo enquanto grupo de registrar as dores e delícias de nosso primeiro ano e de agradecer as mulheres com quem lutamos e as parcerias com as quais pudemos contar para fazer o ano de 2020 acontecer em nosso Programa.

O retorno dado pelo grupo nos apontou para o caminho que tomamos em 2021: um aprofundamento nos estudos do feminismo no Brasil, agora em uma perspectiva genealógica. Para isso, pudemos contar com a parceria de Hildete Pereira de Melo, que ministrou para nosso grupo e parceiras institucionais o curso Os Feminismos na História, na Economia e na Política. Mas porque tanto investimento em estudos para além da psicologia e psicanálise (teoria clínica com a qual trabalhamos)? Para que investir em uma teoria que se inscreve no campo de demandas sociais para compor com uma prática de formação em psicologia, de produção de saber acadêmico? A essas questões respondemos com o óbvio: a produção de saber acadêmico é indissolúvel da produção social. A decisão por se abster das discussões sociais, por fantasiar-se de uma prática psicológica neutra é também a decisão por se alinhar a manutenção do mundo como ele é. E definitivamente não é uma sociedade patriarcal aquilo o que desejamos produzir.

Quando afirmamos a escolha de buscar o feminismo para compor conosco na formação universitária em psicologia como expressão do desejo em compor com a luta pela vida das mulheres não nos referimos a qualquer vida, a uma vida de submissão, violência e restrições, a uma vida menor. Lutamos pela vida das mulheres que morrem nas mãos de feminicidas, mas também que fenecem tentando subsistir em uma sociedade que historicamente lhes legou apenas a maternidade como lugar social, que buscam sobreviver ante um governo que em resposta ao número cada vez maior de famílias monoparentais femininas e ao aumento da violência de gênero contra a mulher traz o retrocesso no investimento em políticas públicas de subsistência das famílias pobres e de enfrentamento à violência de gênero. Lutamos por sobrevivência, mas também por dignidade, de braços dados com todos os nossos sonhares. Lutamos por uma vida que valha a pena ser vivida.

Entendemos ser impossível investir nessa luta por transformação social sem antes compreender a importância dessa luta, como ela se construiu, e que as mulheres as quais atendemos não são vítimas ocasionais de homens desequilibrados, mas de um projeto social e histórico focado na supremacia masculina. A essa compreensão, a sensibilização e ao fortalecer da prática dessas futuras psicólogas é que se destinam os investimentos que fazemos em estudos feministas.

 

Resultados e/ou impactos: Como quantificar uma escuta do cuidado, uma formação mais consciente, uma prática mais implicada? O intuito de nossas práticas formativas junto as extensionistas é a semeadura do deslocamento, do estranhamento a uma compreensão naturalizada do mundo, de outros olhares, outras escutas que componham a prática em lugar de verdades cristalizadas. Colhemos a adesão e interesse das estudantes, a evolução dos casos clínicos atendidos, o retorno das instituições parceiras, mas essa é uma colheita que reverbera e segue se efetuando no futuro.

Pretendemos que as estudantes que acompanhamos e as mulheres por vir vivam os efeitos dessa prática formativa caracterizada pela ética do cuidado, pela produção de saber que se dá na efervescência do campo, na sororidade, no afeto. Que as mulheres possam ser reconhecidas como sujeitos singulares e as suas diversas mulheridades como existências possíveis a serem respeitadas. E acima de tudo que reverbere em práticas de afirmação da vida.

 

Considerações finais: O Programa Mulherio tem sido considerado como espaço de promoção de cuidados e produção de saber acadêmico. Ainda que as teorias feministas estejam muito em voga no campo social, adentram a universidade muito timidamente. E isso traz efeitos aos modos como a psicologia e os profissionais do cuidado se portam no acolhimento as mulheres reais que recebem. Longe de serem pacientes enquadradas em uma teoria, no campo do real as mulheres são diversas e seus múltiplos modos de viver e sentir pede que façamos para ontem um investimento nos modos de cuidado.

Acreditamos que cuidado e resistência são conceitos que se entrelaçam e não se fazem apartados, como acreditamos que a formação acadêmica não se faz apartada do cotidiano social. Por isso trabalhamos a extensão em prol do rompimento das barreiras entre universidade e cidade, entre pacientes e sujeitas mulheres. Por isso convocamos o feminismo a compor com nossas práticas formativas um saber encorpado, corporificado, para abalar e transformar a sociedade patriarcal.