Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Entre ausências e silêncios do trabalho multiprofissional: práticas de ensino integradas, uma aposta para construir alianças futuras.
Mariana Carolina Molle, Estevão Rodrigues Bresciani, Anna Beatriz Martins Silvestre Silva, Letícia Piovezan de Souza, Flávia Roberta Donegá, Gustavo da Costa Soares, Flávia do Bonsucesso Teixeira, Tiago Rocha Pinto

Última alteração: 2022-02-08

Resumo


Apresentação: Nossa proposta visa apresentar e discutir a experiência de estudantes, docentes e preceptores corresponsáveis pela produção do componente curricular Saúde Coletiva I do 1º período do curso de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Com a restrição dos cenários de aprendizagem e a necessidade de operacionalizar as medidas sanitárias de modo a cumprir os Protocolos vigentes e garantir condições adequadas para as aulas presenciais no contexto da pandemia COVID-19 a parte prática do componente foi apresentada após o conteúdo teórico e a partir do espaço hospitalar. A disciplina de Saúde Coletiva I objetiva formar profissionais orientados para as necessidades sociais de saúde do país a partir da identificação do território, dos determinantes sociais de saúde e do entendimento de itinerários terapêuticos. Para que esses objetivos fossem alcançados foram propostas visitas guiadas para a imersão no cotidiano hospitalar, visando a compreensão da importância da articulação de uma equipe multidisciplinar. Após a divisão dos discentes do primeiro período em dez setores do Hospital das Clínicas de Uberlândia (HC-UFU), a equipe Genogramas, do qual nós fazemos parte, ficou responsável por acompanhar a atuação do Setor de Apoio Psicossocial, tendo como preceptora a assistente social, com o auxílio de vários profissionais articulados no atendimento.

 

Experiência: O Setor de Apoio Psicossocial divide-se em duas frentes de cuidado com o/ausuário: o acompanhamento psicológico – realizado por profissionais da psicologia – e a intervenção social – garantida pelos assistentes sociais. Outros profissionais de saúde integram a equipe multidisciplinar no cuidado ao usuário internato sendo eles nutricionistas, farmacêuticos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, enfermeiros e médicos. O cuidado psicológico e social é destinado a lidar com os conflitos e demandas que são produzidos pela situação de crise (internação) e que podem interferirno reestabelecimento da saúde do usuário. O serviço atua no sentido de assegurara autonomia do usuário no enfrentamento de dificuldades biopsicossociais e na garantia de todos seus direitos previstos na Constituição de 1988. Compreender o processo de interação de uma equipe multidisciplinar no sentido de perceber a integralidade do cuidado no tratamento dos usuários foi o norte adotado nas observações. Ainda que tenha sido importante reconhecer os limites de atuação de cada profissional dentro da equipe, para que, no futuro, como profissionais de saúde, possamos compreender e valorizar o trabalho de cada área de atenção. Em razão da pandemia de COVID-19, nossa experiência foi limitada a sete visitas em duplas ao Setor de Apoio Psicossocial do HC-UFU, as quais servem de base para nosso relato. Em cada uma dessas idas ao hospital, conhecemos um local de atuação do setor: enfermaria de saúde mental, pronto socorro, hemodiálise, pediatria e ginecologia e obstetrícia. Durante esse contato, foram realizadas diversas conversas e entrevistas com os profissionais, além de acompanharmos in loco a realidade hospitalar.  O serviço social foi nossa primeira parada. Observamos a preocupação dos profissionais com a viabilização de direitos atuando naproteção  e orientando os usuários. A atuação da equipe de psicólogos parece mais dirigida ao usuário no sentido de ofertar uma escuta qualificada para organizar o momento de adoecimento embora o cuidado pode ser estendido ao acompanhante também quando avaliado pertinente. Dessa forma, na maioria dos casos, verifica-se que a atuação dessas equipes se dá de maneira conjunta, a partir de atuações interprofissionais. A título de exemplo, em casos de morte, além de serem de responsabilidade da equipe psicossocial a comunicação do óbito, os assistentes sociais instruem os familiares em relação aos trâmites legais a serem seguidos, enquanto os psicólogos realizam o acolhimento necessário. Além disso, no caso do atendimento às vítimas de violência, percebemos que é realizada uma única escuta coletiva do caso, a fim de evitar o processo de revitimização. Tais profissionais lidam ainda com a investigação de episódios de violência, orientam a família na questão legal e amenizam a angústia e as reações emocionais frente à mesma. Por fim, ambas as equipes possuem profissionais que atuam ambulatorialmente no projeto NUAVIDAS (Núcleo de Atenção Integral à Vítima de Abuso Sexual), que recebe semanalmente vítimas de violência sexual para amparo jurídico, social e psicológico. O serviço social é também responsável pela elaboração de relatórios ao Ministério Público sempre que necessário, a exemplo de casos de maus tratos de crianças e idosos constatados a partir de relatos, exames físicos ou suspeitas dos profissionais que atendem. O apoio para a continuidade de atendimento também é organizado pelo serviço. Muitas vezes os usuários recebem alta sem estarem aptos a utilizar transportes públicos, e nesse caso, os assistentes asseguram o direito à condução. Por outro lado, os psicólogos atuam na mediação de conflitos que podem ocorrer no interior do hospital, como entre usuários, familiares e, até mesmo, entre os próprios funcionários.

 

Resultados: A partir da nossa experiência, pudemos observar os maiores desafios enfrentados pelo setor. A recente mudança de gestão do HC-UFU com a administração passando a ser realizada pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH)acompanhamos a proposta de suspensão do serviço psicossocial durante o período noturno em dias de semana. Assim, equipes antes consolidadas tiveram seu número de profissionais alterados, criando lacunas de atendimento, sobrecargas aos profissionais remanescentes e desorganização estrutural demonstrando que a gestão que iniciava no Hospital considerava o serviço como secundário.  Outro desafio que notamos é a desvalorização dos profissionais do setor, que se dá tanto nas condições estruturais de trabalho, quanto no convívio com outros profissionais que não reconhecem a importância do Setor de Atenção Psicossocial no cuidado com o usuário e realizavam demandas que não estavam articuladas aos objetivos do setor ou mesmo deixavam de encaminhar usuários que potencialmente poderiam se beneficiar do cuidado. Porém a resistência de alguns profissionais, não somente do serviço mostrava que um outro modelo de assistência hospitalar fazia contraponto ao de formação médico-centrado que percebe a assistência focada na relação médico-enfermeiro que parecia ser o modelo que estava sendo anunciado no momento das observações.

 

Considerações finais: Nossa experiência possibilitou compreender a centralidade do princípio da integralidade no SUS e os desafios para sua efetivação durante o processo de internação hospitalar. No entanto, vivenciar o momento de conflitos no Hospital, em relação ao processo de trabalho dos profissionais do setor psicossocial foi um diferencial para nós. O desconhecimento e a desvalorização da atuação dos profissionais que podem integrar a equipe multidisciplinar visando um atendimento qualificado e o bem dos usuários deixou de ser um discurso que identificamos nos artigos e nas falas dos profissionais e foi identificado nas práticas propostas pelo próprio hospital.  Percebemos que fazemos parte de uma história de construção dos serviços de saúde e é fundamental destacar que a recente e gradativa mudança da educação médica nos prepara para defendermos um modelo de cuidado centrado no usuário e que considera a multiprofissionalidade. Percebemos que os assistentes sociais, psicólogos e enfermeiros que nos preceptoraram mostravam satisfação com a presença de discentes do primeiro período de medicina e viram nessa atitude uma oportunidade de melhoria na integração das diferentes áreas de cuidado da saúde.