Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida
v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Última alteração: 2022-02-08
Resumo
Apresentação: Nossa proposta visa apresentar e discutir a experiência de estudantes, docentes e preceptores corresponsáveis pela produção do componente curricular Saúde Coletiva I do 1º período do curso de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Com a restrição dos cenários de aprendizagem e a necessidade de operacionalizar as medidas sanitárias de modo a cumprir os Protocolos vigentes e garantir condições adequadas para as aulas presenciais no contexto da pandemia COVID-19 a parte prática do componente foi apresentada após o conteúdo teórico e a partir do espaço hospitalar. A disciplina de Saúde Coletiva I objetiva formar profissionais orientados para as necessidades sociais de saúde do país a partir da identificação do território, dos determinantes sociais de saúde e do entendimento de itinerários terapêuticos. Para que esses objetivos fossem alcançados foram propostas visitas guiadas para a imersão no cotidiano hospitalar, visando a compreensão da importância da articulação de uma equipe multidisciplinar. Após a divisão dos discentes do primeiro período em dez setores do Hospital das Clínicas de Uberlândia (HC-UFU), a equipe Genogramas, do qual nós fazemos parte, ficou responsável por acompanhar a atuação do Setor de Apoio Psicossocial, tendo como preceptora a assistente social, com o auxílio de vários profissionais articulados no atendimento.
Experiência: O Setor de Apoio Psicossocial divide-se em duas frentes de cuidado com o/ausuário: o acompanhamento psicológico – realizado por profissionais da psicologia – e a intervenção social – garantida pelos assistentes sociais. Outros profissionais de saúde integram a equipe multidisciplinar no cuidado ao usuário internato sendo eles nutricionistas, farmacêuticos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, enfermeiros e médicos. O cuidado psicológico e social é destinado a lidar com os conflitos e demandas que são produzidos pela situação de crise (internação) e que podem interferirno reestabelecimento da saúde do usuário. O serviço atua no sentido de assegurara autonomia do usuário no enfrentamento de dificuldades biopsicossociais e na garantia de todos seus direitos previstos na Constituição de 1988. Compreender o processo de interação de uma equipe multidisciplinar no sentido de perceber a integralidade do cuidado no tratamento dos usuários foi o norte adotado nas observações. Ainda que tenha sido importante reconhecer os limites de atuação de cada profissional dentro da equipe, para que, no futuro, como profissionais de saúde, possamos compreender e valorizar o trabalho de cada área de atenção. Em razão da pandemia de COVID-19, nossa experiência foi limitada a sete visitas em duplas ao Setor de Apoio Psicossocial do HC-UFU, as quais servem de base para nosso relato. Em cada uma dessas idas ao hospital, conhecemos um local de atuação do setor: enfermaria de saúde mental, pronto socorro, hemodiálise, pediatria e ginecologia e obstetrícia. Durante esse contato, foram realizadas diversas conversas e entrevistas com os profissionais, além de acompanharmos in loco a realidade hospitalar. O serviço social foi nossa primeira parada. Observamos a preocupação dos profissionais com a viabilização de direitos atuando naproteção e orientando os usuários. A atuação da equipe de psicólogos parece mais dirigida ao usuário no sentido de ofertar uma escuta qualificada para organizar o momento de adoecimento embora o cuidado pode ser estendido ao acompanhante também quando avaliado pertinente. Dessa forma, na maioria dos casos, verifica-se que a atuação dessas equipes se dá de maneira conjunta, a partir de atuações interprofissionais. A título de exemplo, em casos de morte, além de serem de responsabilidade da equipe psicossocial a comunicação do óbito, os assistentes sociais instruem os familiares em relação aos trâmites legais a serem seguidos, enquanto os psicólogos realizam o acolhimento necessário. Além disso, no caso do atendimento às vítimas de violência, percebemos que é realizada uma única escuta coletiva do caso, a fim de evitar o processo de revitimização. Tais profissionais lidam ainda com a investigação de episódios de violência, orientam a família na questão legal e amenizam a angústia e as reações emocionais frente à mesma. Por fim, ambas as equipes possuem profissionais que atuam ambulatorialmente no projeto NUAVIDAS (Núcleo de Atenção Integral à Vítima de Abuso Sexual), que recebe semanalmente vítimas de violência sexual para amparo jurídico, social e psicológico. O serviço social é também responsável pela elaboração de relatórios ao Ministério Público sempre que necessário, a exemplo de casos de maus tratos de crianças e idosos constatados a partir de relatos, exames físicos ou suspeitas dos profissionais que atendem. O apoio para a continuidade de atendimento também é organizado pelo serviço. Muitas vezes os usuários recebem alta sem estarem aptos a utilizar transportes públicos, e nesse caso, os assistentes asseguram o direito à condução. Por outro lado, os psicólogos atuam na mediação de conflitos que podem ocorrer no interior do hospital, como entre usuários, familiares e, até mesmo, entre os próprios funcionários.
Resultados: A partir da nossa experiência, pudemos observar os maiores desafios enfrentados pelo setor. A recente mudança de gestão do HC-UFU com a administração passando a ser realizada pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH)acompanhamos a proposta de suspensão do serviço psicossocial durante o período noturno em dias de semana. Assim, equipes antes consolidadas tiveram seu número de profissionais alterados, criando lacunas de atendimento, sobrecargas aos profissionais remanescentes e desorganização estrutural demonstrando que a gestão que iniciava no Hospital considerava o serviço como secundário. Outro desafio que notamos é a desvalorização dos profissionais do setor, que se dá tanto nas condições estruturais de trabalho, quanto no convívio com outros profissionais que não reconhecem a importância do Setor de Atenção Psicossocial no cuidado com o usuário e realizavam demandas que não estavam articuladas aos objetivos do setor ou mesmo deixavam de encaminhar usuários que potencialmente poderiam se beneficiar do cuidado. Porém a resistência de alguns profissionais, não somente do serviço mostrava que um outro modelo de assistência hospitalar fazia contraponto ao de formação médico-centrado que percebe a assistência focada na relação médico-enfermeiro que parecia ser o modelo que estava sendo anunciado no momento das observações.
Considerações finais: Nossa experiência possibilitou compreender a centralidade do princípio da integralidade no SUS e os desafios para sua efetivação durante o processo de internação hospitalar. No entanto, vivenciar o momento de conflitos no Hospital, em relação ao processo de trabalho dos profissionais do setor psicossocial foi um diferencial para nós. O desconhecimento e a desvalorização da atuação dos profissionais que podem integrar a equipe multidisciplinar visando um atendimento qualificado e o bem dos usuários deixou de ser um discurso que identificamos nos artigos e nas falas dos profissionais e foi identificado nas práticas propostas pelo próprio hospital. Percebemos que fazemos parte de uma história de construção dos serviços de saúde e é fundamental destacar que a recente e gradativa mudança da educação médica nos prepara para defendermos um modelo de cuidado centrado no usuário e que considera a multiprofissionalidade. Percebemos que os assistentes sociais, psicólogos e enfermeiros que nos preceptoraram mostravam satisfação com a presença de discentes do primeiro período de medicina e viram nessa atitude uma oportunidade de melhoria na integração das diferentes áreas de cuidado da saúde.