Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Poetry slam e universidade: uma proposta de encontro e cuidado em três movimentos
Renata Castro Gusmão, Maria Elly Herz Genro

Última alteração: 2022-01-31

Resumo


Apresentação

 

Poesia contamina, Slam das Minas! Ecoava o grito em várias vozes marcando um novo começo. Tomamos como ponto de partida as sensações experimentadas no corpo, efeito da poesia que circulava em praça pública, rimas que ocupavam espaços com seus sentidos, embaralhadas ao som do sino da catedral, versos que faziam tremer as estruturas duras do Estado que cercam a Praça da Matriz em Porto Alegre. Segundo sábado de algum mês, a voz e a escuta circulavam em uma arena poética, palavras aninhadas na garganta de mulheres espalhavam sementes de futuro pela voz, contavam outras versões para as histórias, reivindicavam existências, falavam de amor e de violências vivenciadas por conta da pobreza, do gênero e da cor. Vozes que seguem reverberando nas arenas micropolíticas do cotidiano.

A palavra Slam vem do inglês, significa competição, assim como existe o slam de tênis, existe o slam de poesia, o Poetry Slam ou slam, como chamamos aqui. O Slam nasceu em Chicago/Estados Unidos (1984), em um bar de jazz, para reunir poetas fora do circuito acadêmico, microfone aberto, suas regras permanecem: cada poeta/slammer tem até três minutos para apresentar sua poesia, sem nenhum artefato além do corpo e da voz. Chegou no Brasil por São Paulo (2008), trazido por Roberta Estrela D’Alva, em parceria com o Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, como ZAP slam (Zona Autônoma da Palavra). Ganhou as ruas no Slam da Guilhermina (2012) e Slam Resistência (2014) – uma arena pública, que chegou a reunir 800-1000 pessoas ao redor da poesia na praça Roosvelt/SP, em um grito coletivo: “sabotagem, sem massagem na mensagem”, precedendo cada poesia. O slam seguiu ocupando as ruas Brasil a fora, em ebulição com os movimentos insurgentes de juventude, como a ocupação das escolas públicas e reitorias, por exemplo. Antes da pandemia havia aproximadamente 200 slams, em ao menos 20 estados brasileiros. Um movimento coletivo e democrático de acolhimento pela escuta, um espaço para vozes que de modo geral não têm espaço. Slam é poesia, performance, competição, interação e comunidade. Uma experiência intimamente relacionada a saúde e a educação – áreas do conhecimento nas quais este trabalho se constrói.

Sensações que pediram língua, tornaram-se tema de pesquisa para uma tese de doutorado em finalização (conta com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES), um projeto qualificado e aprovado, artigo, poesias, trabalhos apresentados, iniciativas que que colocaram o pensamento em movimento, em composição. Um percurso compartilhado com o grupo de orientação, articulado com a linha de pesquisa Educação, Cultura e Humanidades do programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Coletivamente perspectivamos metodologias para descolonizarmos nossas pesquisas, ampliarmos e diversificarmos nossas referências, realizamos pactuações éticas para conhecimentos livres.

Compartilhamos neste trabalho um recorte de um percurso de pesquisa que já leva três anos, uma tese que foi atravessada pela pandemia de Covid-19. Praças públicas ganharam fronteiras digitais. Uma rota de pesquisa se desenhou em percurso, com objetivo de conhecer o que reverbera do encontro entre slam e universidade que agregue conhecimentos as teorias e práticas que almejam o encontro, a formação e o cuidado.

 

Desenvolvimento do trabalho

 

Uma pesquisa construída com inspirações metodológicas na cartografia e na etnografia. Um tema de pesquisa que nasceu do transitar entre a rua e a universidade por intermédio da poesia. Slam e universidade, paredes porosas, espaços recheados por vidas, por conhecimentos compartilhados, ambos foram esvaziados por consequência da pandemia. Um território de pesquisa que precisou ser reinventado.

Fronteiras de verbo que foram redesenhadas pelo efeito da escuta em virtualidade. Um vasto material segue em análise. Para este trabalho, compartilhamos alguns pontos como efeitos provisórios, referente a escuta de dois podcasts com slammers que participaram do Slam da Festa Literária das Periferias (FLUP) em 2019 e 2020: Minas Pretas (9 episódios, 17 slammers) e Pimenta no Cuir (9 episódios, 18 slammers).

 

Resultados

 

O podcast é uma tecnologia digital reprodutora de oralidade, no Brasil ainda é pouco utilizada para a educação formal, ganhou mais visibilidade durante o período pandêmico. Da escuta dos podcasts, uma constatação: o encontro entre slam e universidade já é um fato, nos corredores, nas salas de aula, no número expressivo de slammers que estavam ou estiveram na universidade e/ou envolvidas com educação. Uma escuta recorrente foi “cansamos de ser objeto de pesquisas”, desta forma, enfatizamos, que o lugar que ocupam nesta pesquisa é de referência, em conversa com outras referências. Para tal, realizamos uma curadoria de “já ditos”, buscamos respostas nos materiais já produzidos, mergulhamos em falas para encontrarmos sentidos. Organizamos a escuta no que chamamos de: três movimentos, como contribuições para o encontro, a formação e o cuidado:

1) Aguçar os sentidos: movimento necessário para o encontro. Que corpos têm suas vozes ouvidas? Os 18 episódios dos podcasts falam disso, palavras encarnadas de experiência. Corpos desviante da curva normal: mulheres negras, trans, travesti, corpos não binários, pessoas surdas. Precisamos repensar nossas políticas de escuta; questionar a geopolítica colonial da escuta; ouvir escutas soterradas, ouvidos ensurdecidos pela branquitude. Os ouvidos têm paredes, há que identificá-las para desbloqueá-las.

2) Costurar uma língua que faça pontes: das sensações que reverberaram da escuta: choro, riso, incomodo e vergonha do privilégio que salta aos olhos – como efeito da pele branca em luz negra. Nos deparamos com a dificuldade de transformar em palavras o que já estava escrito no corpo anteriormente. Como com a escuta, a língua também apresenta uma saburra branca que produz mau hálito, palavras indigestas, pronomes possessivos, artigos definidos. Foi necessário costurar uma língua como artesania, uma língua que fizesse pontes. É necessário suportar o incomodo da costura para que haja transformação. Arrematar as casas grandes por onde passam os velhos botões brancos que tapam os buracos do cis-heteropatriarcado e do colonialismo. Os velhos dicionários de páginas amareladas não dão conta, pedem novas palavras, rechear verbos antigos com novos sentidos, conjuga-los com outras ações.

3) Ampliar os territórios de reexitência: repactuar fronteiras de resistência e existência, tessituras de presente para ampliar a memória do passado e a possibilidade de futuro. A edição da FLUP de 2021, trouxe a oralidade como homenageada, também aconteceu o Slam Abya Yala, como um movimento poético de marcar um território de resistência cultural das Américas, não para isolar-se, mas para aumentar os fluxos de vida vivível. Esta edição não teve podcast.

 

Considerações finais

Destacamos que os três movimentos que apresentamos são provisórios, contínuos e atualizáveis. Falam de slam e universidade em tempos pandêmicos. A virtualidade foi a forma possível durante a pandemia para o desenvolvimento desta pesquisa. No final de 2021 iniciou uma retomada da presencialidade, mas ainda é incerto o efeito da pandemia no slam. Seguimos em uma situação de grande instabilidade política, econômica, social e sanitária. Realidade que provoca assombro, trazendo um convite para repensarmos nossa forma de nos relacionar entre humanos e as vidas do planeta. Apostamos na escuta de quem há tempos resiste, mas pouco é ouvida. Neste caso, a escuta de slammers. A poesia, assim como, a filosofia, já eram vistas desde Sócrates como uma forma de passear pelo assombro, o explorando, o alargando, possibilitando movimentos de transformação, poesias que atravessam temporalidades e se atualizam nas arenas contemporâneas de slams.