Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Entre Macas e Suspiros: observando os efeitos do subfinanciamento e da desorganização da Rede de Atenção à Saúde no SUS
ALEX RESENDE ALLIG, FELIPE DEL NERO CASSELLI, LARISSA NASCIMENTO TORRES, MARIANA DE OLIVEIRA SAMOGIN, RAQUEL BELLUCO RIBEIRO, VITOR TAVARES DE ASSIS, TIAGO ROCHA PINTO

Última alteração: 2022-02-03

Resumo


INTRODUÇÃO E OBJETIVOS

O Sistema Único de Saúde (SUS) é o tema central das discussões do componente curricular Saúde Coletiva I do 1º período do curso de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), de tal forma que, em conformidade com o Projeto Pedagógico vigente, o processo de aprendizagem se orienta por atividades desenvolvidas na Atenção Básica. Os encontros entre os sujeitos envolvidos nessa aprendizagem colaborativa se deram em contexto da pandemia de COVID-19. A priori, os/as discentes ingressantes no curso interagiram, presencialmente, em reconhecimento territorial, com colegas, professores/as e os/as servidores/as, no cenário do Hospital de Clínicas (HC). Nesse ínterim, sustentar um discurso acerca da funcionalidade e gerenciamento modelar do SUS se configurava desafiador, considerando que a Atenção Básica seria o eixo central; bem como se mostrou difícil engendrar as aulas presenciais, dotadas de parte prática do componente, no espaço hospitalar. Assim, nossa proposta visa apresentar e discutir a experiência desses/as estudantes, docentes e preceptores corresponsáveis pela condução do encadeamento educativo, simultaneamente, em colaboração com os/as responsáveis pela prática cotidiana do cuidado – sobretudo, na linha de frente ao enfrentamento à pandemia. Logo, nosso objetivo é relatar e descrever as vivências da equipe, nomeada Atenção Domiciliar, a qual ficou encarregada por acompanhar as atividades do setor Urgência e Emergência do HC-UFU/EBSERH.

 

RELATO DE EXPERIÊNCIA

Nossos cenários de observação e apreensão foram os serviços identificados como prontos-socorros (os) de Urgência e Emergência; Pediatria e Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (HC-UFU). No decurso de nove encontros, notou-se, ante ao espectro da percepção de estudantes do primeiro período: a atuação médica na assistência e preceptoria; discentes da pós-graduação em diferentes especialidades e momentos da residência médica, assim como acadêmicos/as da graduação de Medicina no ciclo de estágios supervisionados, denominados/as “internos/as”. Com efeito, o panorama caótico aparentava administrar as ações de todos/as inseridos/as no cuidado. O PS Geral possui, teoricamente, 69 leitos. Entretanto, no intervalo em que ocorreram as visitas, constatou-se uma ocupação multifocal de, aproximadamente, 150 usuários/as sob atendimento, dentre os/as quais, vários/as foram acomodados/as em macas pelos corredores. A imperativa palavra de ordem era: superlotação. Eram notórias as adversidades e os desafios enfrentados, isto é, a infraestrutura era, de fato, insuficiente. Por se tratar de uma referência regional e estadual na prestação de serviço em saúde em média e alta complexidade, pôde-se evidenciar uma demanda reprimida generalizada ocasionada pelo enfrentamento ao COVID-19. Contudo, os/as trabalhadores/as e discentes reiteraram, em unanimidade, que essa superlotação era regra, e não exceção no serviço. Destarte, atribuía-se à preferência da população em demandar atendimento no HC-UFU – em detrimento de outros pontos da rede, como as Unidades de Atendimento Integrada (UAI) ou as Unidades de Pronto Atendimento (UPAS), a ratificação da superlotação. Em decorrência disso, ocasionou-se um “desarranjo em cascata”, vide a interdependência de cada serviço na rede de atenção em saúde, mas, por outro lado, os/as funcionários/as alegaram serem instruídos/as a manterem as “portas do HC abertas” e a não recusarem atendimento. Nosso olhar, não acostumado à circunstância, projetava uma situação de calamidade pública ao visualizar uma acompanhante, que segurava a bolsa coletora de urina do usuário, enquanto este estava sendo transferido entre macas a outro ponto do corredor; o improvisado espaço parecia ter sido recebido como alívio por todos/as. O “efeito cascata” afetou também outros setores, como o PS de Ginecologia e Obstetrícia, o qual, indiferentemente, apresentava superlotação, na medida que foi possível presenciar a instalação provisória de usuárias oncológicas por falta de leitos e espaço físico para acomodá-las em outro local mais apropriado. No serviço de Pediatria, a própria estrutura é improvisada: com apenas um banheiro disponível – inclusive, aos/às que necessitassem de isolamento por razões sanitárias – impactado pelo excesso de usuários/as e pela dificuldade de transitar entre eles/as e os/as acompanhantes. Ao longo de nossa observação (mês de novembro e primeira quinzena de dezembro de 2021), em razão da redução do número de casos positivos ou suspeitos para COVID-19, a ala no PS destinada exclusivamente a esse suporte estava, temporariamente, suspensa. Apesar disso, a desativação não resultou em descompressão de leitos, conjuntura que piorava com a identificação ou confirmação de algum/a usuário/a positivo/a para COVID-19. Ademais, nosso período de acompanhamento foi marcado pela reestruturação administrativa do HC-UFU. O serviço experienciou o início concreto da administração da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), principalmente, por afetar o quadro de servidores/as. Nesse sentido, havia difusa desarmonia na interação de labor diário e, devido à insegurança trabalhista coletiva, imperava-se incertezas sobre a renovação dos contratos dos médicos/as e a contratação de outrem por meio de concursos públicos. Por certo, sentia-se o descompasso entre o desligamento dos/as servidores/as e a emissão constante de avisos prévios aos/às que restaram, contexto que prejudicava a comunicação entre as equipes multiprofissionais, no âmbito do delineamento do serviço e na oferta de cuidado. Uma linha tênue separa esse cenário intempestivo da ilusória e vazia promessa de dias melhores. Atualmente, o projeto de expansão para novas instalações de PS se encontra em execução – ilustrado por um prédio inacabado e de obras intermináveis, cuja protelação da entrega final ocorre desde 2012, justificada pelo repasse insuficiente de verbas – mas se tem esperança, pois, em julho de 2022, a inauguração é esperada.

 

RESULTADOS E IMPACTOS

Diferentes perspectivas movimentam os/as colaboradores/as, acadêmicos/as ou usuários/as do HC-UFU. Sendo um hospital de referência em média e alta complexidade à macrorregião do Triângulo Norte, o HC-UFU é considerado um polo de formação e assistência qualificado e um complexo hospitalar provido de legitimidade, sob respaldo da comunidade. Especificamente, a rigor dos PS, quando questionado aos/às médicos/as e estudantes sobre a condição atual de trabalho e ensino, estes/as convergem às ausências e carências, sobretudo, de infraestrutura e recursos humanos. Todavia, ao indagar um usuário (alojado nos corredores), este exprimiu, categoricamente, acerca da alta qualidade e efetiva assistência do serviço. Antiteticamente, tal contraste entre as percepções dos/as envolvidos/as, aliado às nossas análises, aponta à indispensabilidade de enfrentamento no subfinanciamento, que perpetua a precariedade no SUS, e ao investimento na organização da Rede de Atenção para prevenir o “efeito cascata”, de maneira a atentar-se às necessidades dos/as servidores/as, no processo de laboral.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em nossa compreensão, os problemas identificados não se referem à qualidade dos serviços oferecidos, nem à formação dos profissionais, mas ao conflito organizacional; subfinanciamento e déficit de insumos nos hospitais da rede pública. Urge seguir formando mais e melhores profissionais ao SUS, porém é preciso investir no nível estrutural do atendimento. Além disso, é imprescindível amparar, dignamente, os/as usuários/as carecidos/as de ajuda, de maneira a não falarem equipamentos e matérias-primas necessários - em todas as instâncias relacionadas à saúde - a fim de que o tratamento dos/as usuários/as seja verdadeiramente humanizado e eficaz. Na depreensão da equipe, a despeito das contrariedades e do caos existente nos prontos-socorros, o serviço prestado no HC-UFU é, não somente primordial, como considerado hábil, competente e de alta qualidade pelos/pelas usuários/as. Nota-se, portanto, que, entre macas e suspiros, ante às turbulências diárias, a Rede de Atenção à Saúde do SUS é de suma importância e deve receber os investimentos necessários para seu pleno funcionamento.