Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Em busca da clínica-território pelas águas co-fluentes dos trabalhadores da rede de saúde de Volta Redonda
Eloa Nogueira de Souza, Túlio Batista Franco, Túlio Batista Franco

Última alteração: 2022-02-12

Resumo


A pesquisa em andamento, intitulada como “Em busca da clínica-território pelas águas co-fluentes dos trabalhadores da rede de saúde de Volta Redonda” tem como intuito trazer para o cerne das análises a temática do território no campo da saúde mental em interface com a atenção básica, no município de Volta Redonda, no estado do Rio de Janeiro. Desde as primeiras experiências sobre como construir um cuidado em saúde mental que se distanciasse do modelo asilar e afirmasse a loucura como produção de vida, o território foi um elemento-chave a ser pensado e articulado.

Nesse sentido, a inspiração desse projeto vem de incursões experimentadas em 1998, anterior à existência da rede de atenção psicossocial. Uma das experiências marcantes é a que Antonio Lancetti narra sobre a criação de um serviço móvel, uma espécie de Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) ambulante, junto à equipe multidisciplinar que coordenou em São Paulo, que circulava pelo território. Tal experiência trouxe a compreensão da importância do, até então, do Programa de Saúde da Família para promoção do cuidado em saúde mental no território. Não se sabia concretamente o que era saúde da família e como atuar, o que impulsionou a equipe a inventar. Desse modo, as articulações introduziram diálogos com a comunidade, com coletivos organizados e a elaboração de conselhos gestores, democratizando os direcionamentos e o cuidado.

A partir das análises de Michael Foucault sobre o nascimento das instituições e o esquadrinhamento do território, entendemos que o referencial biomédico se tornou uma ferramenta estratégica acerca de um modo de produzir cuidado. No universo da saúde pública, esse esquadrinhamento, sobretudo na Atenção Básica, se faz como ordenamento e organização dos espaços e regiões. No entanto, é a dimensão desse território, já previamente organizado, em encontro com os demais que produzem um fazer. Na saúde mental, um dos grandes gargalos é o cuidado do usuário se restringir ao transtorno diagnosticado, o que, de certa forma, direciona a articulação de uma rede e território que muitas vezes pode se limitar ao CAPS ou a um cuidado estritamente biomédico.

Dessa maneira, acreditamos que nos debruçarmos sobre os territórios que se forjam e que acabam deslocando do próprio fluxo previamente construído seja necessário para a passagem de novos e outros territórios existentes. A importância de capturarmos os deslocamentos, para além dos fluxos prévios, é entendermos o que há de inventivo no fazer dos trabalhadores e dos usuários, o que poderíamos fazer de diferente, incorporar ou desviar e, sobretudo, como se dá a interface entre saúde mental e saúde da família.

Contudo, em meio aos protocolos, normas e diretrizes, existem ações coletivas dos trabalhadores, o trabalho vivo em ato, que precisa adentrar no universo das costuras e das redes. Tal universo nos colocam a investigar pelas redes como as equipes se organizam para que o território seja um elemento central no projeto terapêutico do usuário. Emerson Mehry e Túlio Franco nos dão pistas de que para ofertarmos saúde a ação deve ser coletiva e que é um ato que se engendra por dentro, entre fios, que necessita ter como norte o desejo do usuário. Nesse caso, uma vez que esse tecer perpassa o interesse e desejo do usuário, o caráter desse movimento é singular, no caso a caso e construído no cotidiano. Considerar esse caráter como singular e com a centralidade do usuário é uma das hipóteses a nos recolocar frente a modelos hegemônicos ou que se reduzem a uma única forma de atuar, como, por exemplo, o modelo biomédico. Porém, assim como é salutar pontuarmos que o modelo biomédico é necessário para produzirmos cuidado, é imprescindível que tenhamos como ponto de partida a compreensão de que a crítica se refere muito mais sobre como o poder disciplinar se incorporou dessas tecnologias (biologia, microbiologia, biomedicina, psicologia, entre outros) como estratégia para se instituir.  Nesse sentido, partimos do entendimento do trabalhador como instituinte, que, através do desejo, se propulsiona a criar por meio dos encontros e das relações. O encontro que nos tira do lugar e transforma a nossa prática em auto-gestiva, autônoma e de abertura a novos territórios, novas redes e novos arranjos.

Para desenvolvimento da pesquisa, entende-se como importante a passagem por três momentos analíticos, os quais são afirmados como mergulhos, especificamente: a micropolítica do trabalho em saúde, a compreensão da temática das redes e encontro com as mesmas e a dimensão do desejo como motor propulsor dos trabalhadores no ato de cuidar. O primeiro mergulho, referente à micropolítica do trabalho, auxiliará conhecermos como o trabalho se organiza para que o território ganhe centralidade, entendermos como a dinâmica do processo de trabalho entre a Estratégia de Saúde da Família e da Saúde Mental se dão e acompanharmos a dinâmica do trabalho vivo em ato. Já no segundo mergulho, sentimos a necessidade do entendimento de redes como um processo singular, partindo da ideia de que há planos com dimensões imanentes, múltiplas e rizomáticas. E, por último, o terceiro mergulho se encharca do estudo acerca do desejo como um motor propulsor que mobilizam os trabalhadores a realizarem o cuidado em rede, a construírem uma clínica-território e o movimento de desinstitucionalização.  Nosso fio condutor para esses mergulhos, seja do cuidado ou da análise, é o usuário de maneira que o modo de vida deste seja elemento-chave para que busquemos experiências de uma clínica-instituinte e que, de certa forma, esgotem ações, intervenções e possibilidades de cuidado com as Unidades Básicas de Saúde. Nosso objetivo principal é analisar como o sentido de clínica ou cuidado no território se produz na interface entre os trabalhadores da saúde mental e os trabalhadores da Estratégia de Saúde da Família (ESF), do município de Volta Redonda. Portanto, descreveremos, como as redes se organizam para o cuidado em saúde mental e traçaremos as subjetividades que mobilizam e desmobilizam as práticas dos trabalhadores.

Para isso, contaremos com a cartografia como pista metodológica enquanto forma de produzir uma linguagem mediante às relações de forças e intensidades que se dão no processo de cuidado. A aposta nas relações como possibilidades, realidades e que identificam os jogos de forças que se conectam e desconectam para a realização de um cuidado territorial. Ou seja, teremos como ética o sensível para atuar entre os tensionamentos daquilo que concerne o campo macro e campo micro entre as equipes e o próprio processo de pesquisa. Sendo assim, utilizaremos a ferramenta do usuário-guia para acompanhamento dos casos em um Centro de Atenção Psicossocial e a construção de diários cartográficos para registrar as afetações e tensionamentos desses encontros. Além disso, os diários de campo auxiliarão no acompanhamento das discussões de casos entre as equipes de saúde mental e saúde da família.  Com o material, construiremos narrativas coletivas sobre como a clínica-território acontece na rede do município. Como a pesquisa está em processo de construção, esperamos nos afetar e produzirmos afetações sobre possibilidades de clínicas e modos de cuidar que sejam inventivos, trazendo novas perspectivas e modos de afirmar outros territórios.