Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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USO DO CINEMA COMO ESTRATÉGIA DE ENSINO PARA ABORDAGEM DOS PRINCÍPIOS DO POFISSIONALISMO MÉDICO
Ana Gabriela da Silva, Felipe dos Anjos Rodrigues Campos, Julliana Silva Luiz, Luiz Guilherme Amaral Morisson, Marília Martins Prado Bonini, Milene Agreli

Última alteração: 2022-02-06

Resumo


Apresentação: Este trabalho foi elaborado por seis acadêmicos do primeiro período do curso de medicina da Universidade Federal de Uberlândia, dentro de uma proposta do eixo Atividades Sensoriais Reflexivas e Formativas I (ASFR I) que previa a pesquisa, a partir de uma obra cultural, sobre os princípios do profissionalismo médico. O objetivo da atividade era verificar situações fictícias que representassem exemplos de conduta médica, sobretudo em situações de dilemas morais, a fim de se analisar o comportamento dos profissionais com base no que é postulado em tratados como o Código de Ética Médica (CEM), o Relatório de Belmont e a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH). Destaca-se a relevância destes princípios num contexto de mercantilização da saúde, como observado na carta de 2002 “Medical Professionalism in the New Millennium: A Physician Charter”. Além disso, buscou-se uma reflexão sobre como as atuais bases teóricas e Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Medicina (DCNGM) relacionam as competências e habilidades do profissional com as situações médicas observadas. A experiência ocorreu no segundo semestre de 2021 como requisito avaliativo na disciplina ASRF I, tendo destacada importância para o aprendizado sobre situações práticas da profissão num momento de restrição das atividades por conta da pandemia do COVID-19. Desenvolvimento: Iniciamos o curso de medicina num contexto de alta taxa de casos de Covid e baixa cobertura vacinal, e por isso, predominaram as aulas remotas. Os alunos observaram desde o início que essa dinâmica de ensino com contato humano reduzido torna-nos mais mecanicistas. Com isso, a falta de vivência no ambiente hospitalar e serviços de saúde (bancos de sangue, de leite e núcleo de assistência psicossocial, locais normalmente visitados pelos acadêmicos já no primeiro período) dificulta o aprendizado de atitudes simples que fariam uma completa diferença no cuidar, como a instauração de um diálogo empático e atencioso com o paciente e os colegas de trabalho. Frente a isso, nosso grupo escolheu o filme ‘Um Golpe do Destino’ (1991), de Randa Haines, como disparador para a análise do profissionalismo médico estudado ao longo do primeiro período. Os tópicos mais relevantes definidos pelos alunos foram ‘Código de Ética Médica’, ‘Comunicação médico-paciente’ e ‘Desacordos com os Direitos Humanos’, discutindo o quanto os exemplos do filme se aproximam ou se distanciam das condutas médicas apropriadas. Resultados: O trabalho foi produzido na forma de texto e apresentação oral compartilhada com a turma. Nessa obra, o protagonista, doutor Jack McKee é um médico renomado que, no entanto, tem comportamentos inadequados: é frio, distante, desvaloriza e ridiculariza os pacientes e os colegas de profissão. Como exemplo, ele faz piadas com as cicatrizes de mastectomia de uma paciente com dificuldades conjugais, com o dano cardíaco sofrido por um paciente que tentou suicídio pulando de um prédio, além de ser leniente com os erros médicos dos amigos cirurgiões e pregar para os residentes total distanciamento e frieza para com os pacientes. Nestas cenas, foi possível refletir sobre os princípios bioéticos, sobretudo a autonomia do paciente, que deve ter liberdade de decisão sobre as formas de tratamento para seu problema de saúde, enquanto o médico deve fornecer informações amplas sobre os riscos e benefícios envolvidos. Além disso, pode-se discutir também as infrações ao CEM, como no artigo 24 do capítulo IV do CEM, o qual impõe que (é vedado ao médico) “deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo”; no princípio fundamental XXI do capítulo I, que reconhece que “no processo de tomada de decisões profissionais, de acordo com seus ditames de consciência e as previsões legais, o médico aceitará as escolhas de seus pacientes relativas aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos por eles expressos, desde que adequadas ao caso e cientificamente reconhecidas.”; do artigo 23 do capítulo IV “(é vedado ao médico) tratar o ser humano sem civilidade ou consideração, desrespeitar sua dignidade ou discriminá-lo de qualquer forma ou sob qualquer pretexto”. Ou ainda, no princípio fundamental XVIII postulado no capítulo I do CEM “O médico terá, para com os colegas, respeito, consideração e solidariedade, sem se eximir de denunciar atos que contrariem os postulados éticos”. Destaca-se também os inúmeros desrespeitos à DUDH, já que o modo de trabalho adotado pelo médico não contempla o “espírito de fraternidade” por trazer sentimentos de angústia e mal-estar a quem ele atendia. Outro ponto importante do filme é a desgastante jornada de trabalho imposta aos profissionais de saúde, um fenômeno comumente observado também no sistema de saúde brasileiro, que causa estresse psicológico e infringe o artigo 24 da DUDH “Todo ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas”. Ao longo da trama, contudo, o médico descobre estar com câncer laríngeo e, ao receber da otorrinolaringologista Leslie Abott um atendimento autoritário semelhante ao que ele presta aos seus pacientes, começa a refletir sobre a importância do acolhimento e escuta ativa como forma de tranquilizar os pacientes e respeitar sua dignidade. Além disso, ao tornar-se amigo de uma outra paciente na mesma instituição com câncer terminal, o médico muda sua visão de mundo: abandona as atitudes que o classificariam como ‘pai e marido ruins e ausentes’ e ‘doutor e chefe de residência tecnicistas, frios e desprezíveis’, para agir de maneira completamente oposta. O médico passa a incentivar seus residentes a tratar os pacientes pelo nome para evitar objetificação e preocupa-se com o estado emocional das pessoas no seu consultório. Analisando a comunicação médico-paciente, o personagem principal também passa a ter uma abordagem centrada no paciente. Vale ressaltar que essa perspectiva está de acordo com a atualização de 2014 da DCNGM, que entende a comunicação como um aspecto chave nas consultas e tratamentos, a partir de uma relação horizontal com empatia e sensibilidade. Também, em 2017, uma resolução do Conselho Nacional de Saúde reforçou as competências em comunicação interpessoal como fundamentais para um cuidado seguro e de qualidade, pois favorece maior aderência dos pacientes ao tratamento, inclusive com melhores resultados. No contexto da formação acadêmica, os alunos do grupo levantaram algumas possibilidades de ensino e treinamento formal para a comunicação desde os primeiros períodos até o internato e a residência, a partir de processos estruturados com oportunidade de feedback e aprendizagem ativa. Foi dado especial destaque para o método OSCE (exame clínico objetivo estruturado), no qual os estudantes, observados por avaliadores treinados, atendem pacientes fictícios que simulam uma determinada doença. Conclusões: A análise do filme ‘Um Golpe do Destino’ e os ensinamentos obtidos ao longo do primeiro período despertou um olhar voltado para o paciente na hora do atendimento, entendendo o contexto no qual ele está envolto e dando a ele voz ativa nas consultas e procedimentos, como forma de humanizar o cuidar. Assim, prestar atenção nas palavras usadas e atitudes são cruciais para o bom exercício da medicina, sobretudo no acolhimento dos pacientes. Embora a pandemia tenha dificultado as atividades práticas, a execução deste trabalho permitiu um estudo aplicado dos inúmeros desafios profissionais na vivência médica a partir de exemplos representativos das situações reais, aperfeiçoando e horizontalizando cada dia mais a conduta de futuros médicos brasileiros.