Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Confeccionando máscaras e lutas: potencialidades do movimento comunitário em tempos de pandemia
Renata Bitencourt, Jaqueline Miotto Guarnieri, Aline Blaya Martins, Luciane Maria Pilotto

Última alteração: 2022-06-08

Resumo


Apresentação: A pandemia de Covid-19 agravou as iniquidades existentes no Brasil, desvelando a perversa necropolítica e o genocídio perpetados pelo Estado. Os mais afetados foram justamente aqueles cuja cidadania é historicamente mutilada, que foram e são privados de direitos básicos e colocados em situação de vulnerabilidade social. Diante da situação de calamidade, houve proposital omissão de alguns governantes, que não reconheceram o verdadeiro perigo do vírus Sars-Cov-2, espalharam notícias falsas, tardaram na obtenção de vacinas e no auxílio aos brasileiros vulnerabilizados. A despeito disso, a própria população viu-se obrigada a buscar estratégias para mitigar os impactos da pandemia e garantir a sobrevivência dos seus. Dentre as principais iniciativas, observou-se ações de conscientização, de distribuição de alimentos, álcool em gel e de confecção e distribuição de máscaras. Neste trabalho, pretende-se relatar algumas ações desenvolvidas por meio de projetos junto a um grupo de costureiras do território da Grande Cruzeiro em Porto Alegre/ Rio Grande do Sul.

Desenvolvimento do trabalho: Em 2020, em meio à pandemia de Covid-19 desenvolveu-se o projeto Rede de Solidariedade com e pela comunidade contra o coronavírus (Solicom) com envolvimento de discentes e docentes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) juntamente com a Associação de Moradores e Amigos da Vila Tronco, Neves e arredores (AMAVTRON), União de Vilas da Grande Cruzeiro, Coletivo Periferia Move o Mundo, além de militantes e lideranças comunitárias atuantes neste território. O Solicom organizou-se em Grupos de Trabalho (GT) e um destes tornou-se responsável por desenvolver ações de educação que incluíram a confecção de máscaras de tecidos, compilação e divulgação das medidas para evitar o contágio pelo vírus Sars-Cov-2 e para o auxílio durante o isolamento domiciliar. O GT Educação buscou doações de tecido para a confecção de máscaras de proteção, estudou os modelos e tecidos com melhor vedação e filtração para maior proteção da população, além de chamar pessoas interessadas e costureiras dos diferentes territórios para esse trabalho. Formou-se então um grupo de treze mulheres de diferentes comunidades, majoritariamente da Grande Cruzeiro, que se dispuseram a trabalhar voluntariamente em prol da proteção de suas comunidades. Essas recebiam os materiais para confecção de máscaras em casa (tecidos, elásticos, linhas, moldes, etc) e vídeos explicativos para o corte, costura, higienização e embalagem das mesmas. Em 2021, foi desenvolvido outro projeto chamado “Aqui não Corona” que contou com recursos advindos da Fundação Oswaldo Cruz através de uma chamada pública de projetos para contribuir com a mitigação dos efeitos da pandemia junto a populações em situação de vulnerabilidade socioambiental. Esse projeto uniu-se aos demais que representam a mobilização e a luta das comunidades da Grande Cruzeiro de Porto Alegre/RS contra a pandemia por meio de diferentes ações que visam garantir a segurança alimentar, as condições mínimas de sobrevivência das famílias impactadas pelo isolamento social e com consequentes perdas de recursos financeiros, bem como a promoção e a educação em saúde com as recomendações para impedir a disseminação do coronavírus nas comunidades. Por meio desse projeto foram confeccionadas e distribuídas máscaras e materiais informativos sobre a pandemia, divulgou-se mensagens de conscientização através de música, com carro de som e grafites em diversos pontos do território, além da distribuição de cestas básicas. Destaca-se aqui, a ação realizada em forma de oficinas para confecção de máscaras, proposta através de uma ação de extensão universitária, reunindo novamente as mulheres participantes do projeto anterior. Os encontros aconteceram de forma on-line para seguir os protocolos de segurança e distanciamento recomendados e evitar a contaminação pelo Sars-Cov-2. Nestes espaços foram discutidas as técnicas de confecção e costura das máscaras, os tecidos e modelos mais adequados, os cuidados necessários no manuseio e embalagem das mesmas, bem como uso adequado e ajuste das máscaras ao rosto, além da lavagem/reutilização e descarte. As costureiras receberam os materiais para a produção das máscaras em suas próprias residências.

Resultados/impactos: As diferentes ações desenvolvidas nos projetos apresentados foram importantes no enfrentamento da pandemia de Covid-19 nas comunidades vulnerabilizadas da Vila Cruzeiro. As atividades para produção de máscaras de tecido mobilizaram mulheres comprometidas com suas comunidades. Algumas dessas mulheres não sabiam costurar, mas mesmo assim ingressaram no grupo e mantiveram-se engajadas na luta contra a pandemia, por isso contribuíram como podiam: cortando tecidos, alinhavando as máscaras, fazendo os acabamentos e/ou embalando-as de acordo com as normas de biossegurança. As oficinas aconteceram em forma de encontros síncronos à distância quinzenalmente, intercalados com horários destinados à produção das máscaras. Esses momentos além de promoverem aprendizados sobre a confecção de máscaras, oportunizaram a reflexão sobre o contexto pandêmico e seus impactos nas comunidades, e proporcionaram a produção de mais de 10 mil máscaras, distribuídas de forma gratuita à população destas comunidades, possibilitando assim que fosse efetivado um dos cuidados básicos, mas que apesar de fundamental, não era acessível para muitos. Proporcionar a obtenção desse item de proteção pode ter contribuído para redução dos riscos de contaminação pelo coronavírus nesta comunidade. O grupo também foi um espaço de educação popular em saúde, com aprendizagem coletiva e transformação das costureiras em multiplicadoras de informações de saúde, buscando a produção da conscientização frente à situação de pandemia. Ademais, além do curso de confecção de máscaras ter possibilitado a essas mulheres a confecção de suas próprias máscaras de proteção, elas puderam também obter uma fonte de renda e sustento, uma vez que aprenderam diferentes técnicas de confecção de máscaras de tecido.

Considerações finais: As ações comunitárias contaram com a articulação entre diferentes entidades locais, membros da universidade, militantes e atores comunitários contribuindo para o enfrentamento da pandemia. Apesar dessas ações serem insuficientes para dar conta das tamanhas iniquidades existentes, contribuíram para garantir condições mínimas de proteção e sobrevivência de muitas famílias em situação de vulnerabilidade. Ao construir-se um espaço de diálogo, a formação de um grupo e participação popular, potencializou-se o papel dessas mulheres como disseminadoras de informações de saúde. Entende-se que, por serem moradoras da comunidade, as costureiras perceberam as fragilidades relacionadas aos cuidados na pandemia e ao compartilharem suas realidades, buscaram encontrar maneiras de conscientizar seus pares, que ao longo da pandemia foram deixando de realizar as medidas para prevenção da doença. Ademais, as oficinas de produção de máscaras possibilitaram uma forma de geração de renda para essas mulheres e auxiliaram a mitigar os impactos da pandemia neste território.