Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Cenas de uso e usos da cena: curadoria sobre o debate drogas no contexto da sindemia do novo coronavírus no Sul do Brasil
Belchior Puziol Amaral

Última alteração: 2022-02-01

Resumo


Apresentação: do que trata o trabalho e o objetivo

As implicações da sindemia da Covid-19 no campo da Saúde Pública e da Saúde Coletiva nos desafia a tecer análises, a partir de pesquisas e experiências, para sincronicamente evidenciar as mudanças impostas pelo cenário sanitário. Para conseguirmos analisar o presente se coloca como desafio estar concentrado nele. Exercício espiritual que se possibilita produzir uma “saúde do momento”. Se debruçar pelo que se produz no presente e para o presente pode ser uma trilha para produzir saúde.

E nesse contexto direcionamos nosso espírito a se exercitar com a “saúde do momento” às pessoas marginalizadas em situação de vulnerabilidades e que usam drogas. Este atual agravo se soma à já antiga agenda das desigualdades e inequidades que atravessam estas pessoas em nosso país, devido aos recursos pessoais limitados, condições de habitação precárias, instáveis e densamente povoadas, imunidade comprometidas, entre outros.

Desenvolvimento do trabalho: descrição da experiência ou método do estudo

Neste percurso analítico se buscou identificar produções audiovisuais no formato live, mobilizadas pelo Núcleo Sul da Associação Brasileira Multidisciplinar de Estudos sobre Drogas (Abramd Sul) ao longo de 2020, considerando as consequências e/ou desafios preliminares que a sindemia da Covid-19 trouxe ao cenário das Políticas Públicas de Saúde para populações vulneráveis em interface com a questão drogas.

De modo a cartografar nestas produções as necessidades destas pessoas, suas experiências e mobilizações, a partir da curadoria do acervo virtual da Abramd Sul, foram sistematizadas fichas técnicas, resumos e palavras-chave dos mesmos, conforme apresentados a seguir.

Resultados e/ou impactos: os efeitos percebidos decorrentes da experiência ou resultados encontrados na pesquisa

I: Psiquiatrização do isolamento e Políticas sobre Drogas.

Resumo: A emergência da pandemia abriu uma ampla discussão para a Saúde Mental, com novas questões e mais espaço na agenda pública. Presencia-se uma quantidade considerável de materiais produzidos em decorrência dos problemas de saúde associados a este novo processo social. Neste debate, a discussão está colocada em dois campos: um relacionado às instituições fechadas ou de longa permanência como presídios, asilos, manicômios e comunidades terapêuticas; um outro relacionado ao isolamento domiciliar de grupos populacionais mais afetados como idosos, crianças, pessoas com comorbidades, pessoas que moram sozinhas. O isolamento em tempos de pandemia e o pânico moral a ele agregado reforçaram os atuais mecanismos de medicalização da vida, considerando o aumento de consumo de psicofármacos, aumento de diagnósticos de depressão, ansiedade e estresse pós-traumático, agravados pelo esvaziamento das últimas décadas em relação aos direitos humanos, especialmente às pessoas mais vulneráveis.

Palavras-chave: Cenas de Uso; Saúde Mental; Isolamento Social; Medicalização da Vida; Covid-19.

II: Encarceramento em tempos de Pandemia.

Resumo: Por que soltar presos durante a pandemia? Por que vacinar presos antes de outras pessoas? Porque aos presos restam apenas a prisão. O contexto no qual a Saúde Pública é colocada sob risco global passa, no caso brasileiro, pela diferença em relação aos impactos que essa nova doença tem na população de modo desigual, como é o caso das pessoas privadas de liberdade. A superlotação dos presídios no país, suas condições precárias e desumanas agravam o cenário de contaminação do coronavírus. O impacto direto da pandemia nesta população ainda está invisibilizado. Neste debate, em análise os Sistema de Segurança e Justiça no Brasil, a produção de penas excessivas para os crimes de tráfico de drogas, sua seletividade desde a vigilância na rua até o processo judicial em si, o aumento de violações durante a pandemia e o avanço do capital no sistema penitenciário brasileiro, ante a agenda econômica de desmonte dos serviços públicos.

Palavras-chave: Cenas de Uso; Drogas; Desencarceramento; População Privada de Liberdade; Covid-19.

III: RAPS e População em Situação de Rua: desafio em tempos de Pandemia.

Resumo: O cuidado à População em Situação de Rua passa por mudanças drásticas com o desmonte de políticas sociais em nível nacional, agravando o já precário cenário de oferta destes serviços. O contexto da pandemia se constituiu enquanto novo fator de agravamento desta realidade, consolidando a política de assistência como um arranjo político para que as pessoas nesta condição não tenham apoio para sair da rua. A terceirização da assistência se coloca como engrenagem deste cenário, diminuindo a oferta de serviços, a sua qualidade, dificultando o acesso e promovendo o distanciando de equipamentos do trabalho em rede. A ausência de planos de contingência de gestores públicos para esta população, como locais para quarentena, alimentação, higienização e testagens são analisadas neste debate, em contraponto a novas mobilizações sociais que agenciam Redes Solidárias Autônomas e iniciativas de Redução de Danos pelas pessoas e para as Pessoas em Situação de Rua.

Palavras-chave: Cenas de Uso; População em Situação de Rua; Terceirização; Redução de Danos; Covid-19.

IV: Literatura, Teatro e Artes.

Resumo: Em um momento em que as relações humanas em sua totalidade estão em processo de alteração, a vida e a arte se reinventam por necessidade. Arte como algo que “faz a cabeça” manifesta seu papel político mais uma vez. Vida e Morte entre Luz e Sombras são dados lançados em um jogo entre a biopolítica e a necropolítica. Neste debate, a arte dilata as representações das drogas na literatura enquanto sistemas discursivos vinculados a sua produção e circulação em determinado contexto histórico, e o teatro como forma de redescoberta, ressignificação e dispositivo de libertação dos corpos de processos de subjetivação que auto-estigmatizam pessoas usuárias de drogas. Experiências como “Invisíveis”, “Nau da Liberdade”, “Boca de Rua” e “Peregrinos do samba” aqui estão entrelaçados às escritas de Charles Baudelaire, Thomas de Quincey, Beatriz Resende, Rubem Fonseca e Paulo Lins, atualizando novas antropofagias da arte e sua intrínseca manifestação política.

Palavras-chave: Cenas de Uso; Literatura, Teatro; Drogas; Covid-19.

V: Drogas e Trabalho: diálogos entre Capital, Trabalho e Saúde do Trabalhador.

Resumo: A relação entre drogas e trabalho é na maioria das vezes abordada a partir do paradigma proibicionista. Neste contexto está disseminada a relação danosa que as drogas causam na produtividade do sistema capitalista, ou seja, que as drogas são geradoras de problemas sociais que impactam na produção do trabalhador em seu ambiente laboral. Essa abordagem hegemônica levou o tema a um reducionismo em relação às positividades ou às negatividades do uso de drogas. Com o avanço da Farmaceuticalização em meio a uma Era Farmacopornográfica, novas relações entre drogas e trabalho se fazem necessárias. Neste debate, estão lançados olhares ao movimento econômico da indústria farmacêutica em relação aos processos de produção em que sexo, sexualidade e gênero se transformaram numa questão central da economia-política em diferentes cenas de uso de drogas, seja na profissão do sexo, entre caminhoneiros, em trabalhos mecanizados, na docência, nos esportes ou na arte.

Palavras-chave: Cenas de Uso; Drogas; Trabalho; Farmaceuticalização; Farmacopornografia.

Considerações finais

Conforme curadoria do material, a Abramd Sul demonstrou o amplo escopo para a interlocução com o campo drogas no contexto inicial da pandemia da Covid-19 no Brasil, acolhendo epistemologias variadas: Saúde Coletiva, Arte, História, Economia, Educação, Antropologia, Sociologia, Psicanálise, entre outros.

O núcleo se ocupou espaços de incidência política e de disputa de narrativas nos debates sobre uso abusivo de álcool e outras drogas, agregando espaço para falas de pessoas usuárias de drogas, o que deixou o debate “vivo em ato”, fortalecendo a relação de democratização do conhecimento e, especialmente, da parrhesia.