Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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DISTÚRBIOS VISUAIS E DESEQUILÍBRIOS POSTURAIS: UMA REVISÃO DE ESCOPO
Tereza Tseng, Thatiane Lopes Valentim Di Paschoale Ostolin, Fernanda Flavia Cockell

Última alteração: 2022-02-05

Resumo


Apresentação: Os períodos de transição entre a infância e a adolescência tanto durante o processo de desenvolvimento quanto produção social do corpo apresentam-se como fatores complexos, que podem contribuir para o aparecimento de desequilíbrios posturais e visuais. Os distúrbios visuais, posturais e dores crônicas associadas são problemas de saúde pública devido ao ônus econômico e social. Além de prevalentes na fase infanto-juvenil, tais distúrbios são responsáveis pela redução da qualidade de vida, bem como pelo risco aumentado de evoluir para escoliose e cegueira quando não-tratados. Segundo o Conselho Nacional de Oftalmologia, 500 mil crianças ficam cegas anualmente, sendo metade delas decorrentes de causas evitáveis. Contudo, faltam estudos que explorem a etiologia desses desequilíbrios a partir da abordagem biopsicossocial. Portanto, o objetivo dessa revisão de escopo foi identificar, sumarizar, analisar e compreender a possível relação entre desequilíbrios visuais e posturais por meio do mapeamento das publicações sobre esta temática, além da identificação das lacunas de conhecimento existentes. Desenvolvimento do trabalho: Conduzimos uma revisão de escopo, cujo protocolo foi desenhado por dois revisores sob supervisão de terceiro revisor. O escopo da revisão foi definido com base em população (crianças e adolescentes), conceito (alterações visuais e cinéticos-posturais) e contexto (relação entre visão e postura). Citações publicadas em português, espanhol e inglês foram consideradas elegíveis para inclusão na revisão, quando atendessem aos critérios: (1) estudos qualitativos, quantitativos ou de métodos mistos que abordem, no mínimo, um ou mais erros refrativos e uma ou mais medidas de avaliações e/ou participantes com alterações cinético-posturais, (2) estudos experimentais que avaliem intervenção para visão e incluam, no mínimo, uma ou mais medidas de análise de efeitos na postura corporal ou vice-versa, (3) disponíveis integralmente, (4) estudos realizados com crianças e/ou adolescentes ou com público abrangente, que incluísse crianças e/ou adolescentes com discriminação dos resultados segundo faixa etária. Não foram adotadas restrições relacionadas à data de publicação devido ao tema abordado e tipo de estudo escolhido. A restrição do idioma foi motivada pelo conhecimento dos revisores para minimizar possíveis equívocos resultantes de barreiras de linguagem. Foram excluídas citações (1) indisponíveis integralmente, (2) estudos que investigaram doenças congênitas e/ou síndromes específicas de olhos e coluna vertebral, (3) estudos que abordaram um ou mais erros refrativos sem incluir, no mínimo, uma medida de avaliação postural e/ou com participantes sem alterações cinético-posturais avaliadas e diagnosticadas, (4) estudos que investigaram participantes com alterações cinético-posturais, porém não incluíram, no mínimo, uma medida de avaliação da visão; (5) intervenções propostas para tratamento de outros distúrbios e/ou afecções que não fossem relacionadas à visão e/ou à postura, (6) intervenções propostas para tratamento de alterações visuais e/ou cinético-posturais sem avaliação de, no mínimo, uma ou mais medidas de visão ou postura, e (7) estudos com amostras abrangentes, que não discriminaram os resultados segundo a faixa etária. Para identificação de citações em potencial, as buscas foram realizadas de 23 de novembro a 13 de dezembro de 2021 nas bases de dados Scientific Electronic Library Online (ScieLO), PubMed Central (PMC), Centro LatinoAmericano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (BIREME), Physiotherapy Evidence Database (PEDro) e Cochrane Library, e complementada pela busca na literatura cinzenta, realizada no site Open Grey e no Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Desenvolvida por uma bibliotecária experiente e refinada com a participação ativa dos revisores, a estratégia de busca foi definida a partir da combinação de vocabulário controlado dos Descritores em Ciências da Saúde e Medical Subject Headings (DeCS/MeSH) e não-controlado para assegurar a abrangência da busca sem limites ou filtros. Os resultados foram exportados para o Rayyan. Primeiramente, foram removidas as citações duplicadas e realizada a seleção dos estudos através da leitura de títulos e resumos por um dos revisores e verificada por um segundo revisor. Os textos foram lidos na íntegra para confirmação da elegibilidade por dois revisores. A extração dos dados foi previamente acordada por meio de codificação. Os achados foram identificados, organizados, sintetizados e reportados por dois revisores através de análise descritiva quantitativa e síntese narrativa. Não avaliamos qualidade metodológica e viés de publicação devido a abrangência do tema e diferentes tipos de estudos incluídos. Contudo, adicionamos os níveis de evidência de não-existente a forte (i.e., revisão sistemática) segundo o tipo de estudo. Resultados e/ou impacto: Ao todo, identificamos 16.916 citações em potencial. Após a remoção de 90 citações duplicadas, 317 estudos foram selecionados. Todavia, apenas 51 estudos foram elegíveis. Dentre eles, 42 estudos eram observacionais, 6 eram experimentais e 3 eram revisões. Publicados entre 1982 e 2021, os 48 estudos primários foram conduzidos, em sua maioria, na China (n = 9), Estados Unidos (n = 7), França (n = 6) e Turquia (n = 5). Os participantes eram, sobretudo, estudantes da educação básica ou do ensino médio. A iniquidade mais frequente foi gênero. As condições de saúde mais abordadas foram deficiência visual (n = 22) e a escoliose idiopática ou assimetria de tronco (n = 18). A maioria dos estudos não especificou possíveis comorbidades associadas. O comprometimento da saúde visual implica no desequilíbrio da saúde postural e vice-versa, uma vez que os pacientes escolióticos apresentam alteração da propriocepção cervical e região de estímulo visual alterada no cerebelo e esplênio do corpo caloso, o que pode levar à disfunção oculomotora. Adicionalmente, a postura de leitura, o ângulo da inclinação da cabeça, a lateralidade do corpo, o tipo de mordida e a dominância do olho influenciam na progressão da miopia. Já pacientes com erros de refração mal-corrigidos comumente apresentam pior estabilidade postural, incluindo posicionamento alterado da cabeça. Contudo, as intervenções voltadas para o alinhamento postural nem sempre resultam em melhoria do campo visual e equilíbrio postural. Ainda, a correção cirúrgica para a escoliose pode evoluir com perda visual. Os achados sugerem relação importante entre saúde postural e visual, porém podem estar restritos e ainda pouco explorados diante da literatura fortemente atrelada às alterações de estrutura e função, e com pouca abordagem de fatores pessoais e ambientais, bem como atividade e participação. Considerações finais: As possíveis relações entre saúde visual e postural ainda são abordadas de maneira incipiente, limitada, restritiva e normativa pautando-se no modelo biomédico de cuidado em detrimento da abordagem biopsicossocial com presença marcante de avaliações anatomopatológicas da postura estática enfatizando estrutura e função de segmento corporal. Neste sentido, destaca-se a abordagem proposta pela Classificação Internacional de Funcionalidade e Incapacidade como alternativa para superação desse cenário, caso contrário permanece limitado e negligenciado o papel do ambiente e da carga de estudo diária imposta aos estudantes resultando em manifestações precoces dos desequilíbrios posturais e visuais não identificadas, sendo somente diagnosticadas quando atingem patamar irreversível, como cegueira. Esta revisão contribuirá para atualizar profissionais, ressaltando a importância da promoção e prevenção em detrimento da reabilitação, e aprimorar a formação acadêmica do fisioterapeuta, sobretudo na ampliação do entendimento do corpo em sua integralidade e complexidade. Similarmente, as principais lacunas sobre a terminologia da postura, as intervenções e fisioterapia ocular/oftálmica identificadas também contribuirão para desenvolver novas pesquisas, principalmente que investiguem a efetividade de intervenções precoces para alterações visuais e distúrbios posturais.