Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida
v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Última alteração: 2022-02-06
Resumo
A pandemia da COVID-19 tem fomentado uma crise social, econômica, jurídica, política e no mundo do trabalho, e que vem sendo analisada, especialmente, no plano mais macroscópico das relações. Entretanto, a atividade humana, em sua dimensão mais elementar, tem sido afetada no micro, produzindo entre profissionais da saúde formas peculiares de sentir, pensar e agir face ao trabalho na assistência à saúde. Para dar conta das particularidades impostas pela COVID-19, sem poder recorrer aos procedimentos e protocolos habituais, muitos profissionais de saúde têm feito a gestão de suas atividades a partir de escolhas, arbitragens e, portanto, valores. Diante disso, o presente estudo busca compreender os impactos da pandemia de COVID-19 em profissionais de saúde no Brasil, a partir dos níveis macro, intermediário e microgestionário do trabalho realizado por esses profissionais em quase dois anos de enfrentamento da pandemia. Para compor o referencial teórico, foi realizado levantamento de artigos em bancos de dados como Pubmed, Scielo, Google Acadêmico e Biblioteca Virtual em Saúde, utilizando os descritores: “saúde”, “profissionais de saúde”, “COVID-19”, “ergonomia” e “enfrentamento a COVID-19”. Na primeira fase da pesquisa, realizamos um estudo piloto, utilizando um questionário com 59 perguntas, composto pelos eixos: identificação sociodemográfica, social, físico, emocional, espiritual e trabalho/intelectual, o qual foi respondido por 15 profissionais de saúde, que trabalhavam nas regiões norte, nordeste e sudeste do Brasil. Após a avaliação deste questionário pela aplicação piloto, foram realizadas alterações neste instrumento e o mesmo passou a ser composto por 62 perguntas abertas e fechadas, mantendo-se o mesmo número de eixos no instrumento. Nesta segunda fase, o estudo em andamento conta com 167 questionários, respondidos por profissionais de saúde das regiões norte, nordeste, sul e sudeste do país. Considerando os resultados parciais da pesquisa em curso até dezembro de 2021, observamos os seguintes dados: 75,4% da amostra é composta por mulheres, 51,5% dos participantes eram de etnia branca, 40,7% com idade superior a 45 anos, 53,3% tem estado civil casada(o) ou em união estável e 48,5% possuem especialização. A maioria dos profissionais entrevistados eram enfermeiros e técnicos de enfermagem, seguidos de médicos, psicólogos, assistentes sociais, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, nutricionistas, odontólogos, biomédicos, técnicos em laboratório, dentre outros. Em relação ao trabalho, a maioria (41,9%) atua em diversos locais de enfrentamento a COVID-19, como hospitais, unidades básicas de saúde, pronto atendimento, ambulatórios, Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Grande parte desses profissionais tem mais de 20 anos de prática na área da saúde. Quase a metade dos profissionais não apresentou COVID-19 durante o período pandêmico (49,7%). A maioria manteve-se satisfeita com os colegas de trabalho (56,3%), mas sofreu com mudanças na rotina do serviço (82,6%), prioritariamente devido ao afastamento de colegas por contaminação e mudanças no protocolo de cuidado e higiene. Houve aumento na carga de trabalho (58,7%) e, apesar disso, não pensaram em mudar de profissão (79%). Devido às horas intensas de trabalho, poucos profissionais conseguiram se atualizar sobre a COVID-19, apenas 27,2 % dos que responderam ao questionário se sentiram satisfeitos com o tempo que tiveram disponível para se atualizar sobre as informações científicas a respeito da doença. A maioria (58,7%) recebeu equipamentos de proteção individual, sendo a máscara aquele que apareceu como o mais distribuído entre os profissionais, seguida de luvas, toucas, óculos/viseira e capote. Do ponto de vista social, a rotina familiar sofreu maior impacto (86,8%), gerando mudanças em consequência da restrição, isolamento, conflito e medo de contaminação por parte dos profissionais com relação aos seus familiares. Apesar disso, a pandemia não afetou a capacidade de manter um relacionamento amoroso saudável (53,5%) ou de ter um relacionamento amoroso (69,7%), mesmo com o estresse da rotina de trabalho. Embora, esses profissionais não estejam satisfeitos com as atividades de lazer durante a pandemia (51,5%), observando uma redução dessas devido ao tempo disponível para descanso/lazer e o cansaço. Com relação ao aspecto físico/alimentar, pudemos observar um aumento de alimentos fast food, doces, processados (73,7%), mas não houve relato de aumento do consumo de bebidas alcoólicas (45,5%). Apesar de a grande maioria (75,4%) não ter adoecido de COVID-19 durante a pandemia, muitos procuraram outros profissionais devido ao estado emocional, como psicólogos e psiquiatras, ou outros profissionais por emergências médicas devido à doenças de familiares (cardíacas, por exemplo). Com relação ao uso de medicamentos, antidepressivos e ansiolíticos foram os mais utilizados, bem como vitaminas e remédios para dormir. Houve mudanças no que diz respeito à realização de atividades físicas, a maioria não conseguiu manter as atividades que realizava anteriormente (53,8%). Os aspectos emocionais foram afetados (69,5%), indicando que os profissionais que participaram do estudo se queixaram de ansiedade, depressão, medo e problemas com o sono. Mesmo assim, esses profissionais não deixaram de realizar nenhuma atividade (56,3%), apesar do medo, tensão e ansiedade vivenciados (57,5%). Quando sentiam esses sinais e/ou sintomas recorriam à terapia, medicação, oração, apoio familiar, comida e atividade física. Somado a isso, a grande maioria dos profissionais (79,7%) diz ter algum tipo de prática espiritual, fazendo uso de oração, meditação e ioga. A utilização de mídias sociais (Instagram, Facebook, WhatsApp, YouTube, sites blogs, Telegram) para a prática da espiritualidade (leituras de orações, músicas, participação em grupos de meditação, apoio, etc) também foi observada. Ao invés de ir a uma missa ou culto presencialmente, este pôde ser feito à distância em canais de transmissão em tempo real, através do youtube® e instagram®, por exemplo. Ao lidar com a morte no trabalho, os profissionais demonstraram tristeza (61,7%), em função da perda de vários pacientes e as notícias de óbito que precisavam ser dadas aos familiares. Por fim, indagamos a respeito da esperança de um futuro melhor e a percepção deles sobre o comportamento da sociedade e a melhora do cenário atual. Quase a metade dos profissionais (46,7%) apontaram esperança e depositam no futuro uma perspectiva de dias melhores, apesar de registrarem insatisfação com a posição da sociedade frente à pandemia (37,9%). A coleta de dados ainda está em andamento, e estamos desenhando, gradativamente, uma compreensão mais integral das consequências da pandemia de COVID-19 na saúde dos trabalhadores da linha de frente, elucidando o processo de saúde, adoecimento e cuidado desses profissionais das regiões estudadas e identificando os principais pontos dos diferentes aspectos da saúde que necessitam de intervenção. Contudo, já podemos considerar que a pandemia trouxe consigo mudanças nos aspectos físicos, laborais, sociais, emocionais e espirituais desses profissionais, conforme apontado nos resultados acima, que necessitam ser visibilizados, para que possamos cuidar de quem cuida da forma como essas pessoas necessitam.