Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Análise preliminar dos impactos da pandemia de COVID-19 em profissionais de saúde no Brasil
Alessandra Aniceto Ferreira de Figueirêdo, Aline Vilhena Lisboa, Breno de Oliveira Ferreira, Michelle Plubins Bulkool, Leandro dos Santos de Oliveira, Joelma Matias Teixeira, Alice Araújo de Castro, Stella Alves Benjamin

Última alteração: 2022-02-06

Resumo


A pandemia da COVID-19 tem fomentado uma crise social, econômica, jurídica, política e no mundo do trabalho, e que vem sendo analisada, especialmente, no plano mais macroscópico das relações. Entretanto, a atividade humana, em sua dimensão mais elementar, tem sido afetada no micro, produzindo entre profissionais da saúde formas peculiares de sentir, pensar e agir face ao trabalho na assistência à saúde. Para dar conta das particularidades impostas pela COVID-19, sem poder recorrer aos procedimentos e protocolos habituais, muitos profissionais de saúde têm feito a gestão de suas atividades a partir de escolhas, arbitragens e, portanto, valores. Diante disso, o presente estudo busca compreender os impactos da pandemia de COVID-19 em profissionais de saúde no Brasil, a partir dos níveis macro, intermediário e microgestionário do trabalho realizado por esses profissionais em quase dois anos de enfrentamento da pandemia. Para compor o referencial teórico, foi realizado levantamento de artigos em bancos de dados como Pubmed, Scielo, Google Acadêmico e Biblioteca Virtual em Saúde, utilizando os descritores: “saúde”, “profissionais de saúde”, “COVID-19”, “ergonomia” e “enfrentamento a COVID-19”. Na primeira fase da pesquisa, realizamos um estudo piloto, utilizando um questionário com 59 perguntas, composto pelos eixos: identificação sociodemográfica, social, físico, emocional, espiritual e trabalho/intelectual, o qual foi respondido por 15 profissionais de saúde, que trabalhavam nas regiões norte, nordeste e sudeste do Brasil. Após a avaliação deste questionário pela aplicação piloto, foram realizadas alterações neste instrumento e o mesmo passou a ser composto por 62 perguntas abertas e fechadas, mantendo-se o mesmo número de eixos no instrumento. Nesta segunda fase, o estudo em andamento conta com 167 questionários, respondidos por profissionais de saúde das regiões norte, nordeste, sul e sudeste do país. Considerando os resultados parciais da pesquisa em curso até dezembro de 2021, observamos os seguintes dados: 75,4% da amostra é composta por mulheres, 51,5% dos participantes eram de etnia branca, 40,7% com idade superior a 45 anos, 53,3% tem estado civil casada(o) ou em união estável e 48,5% possuem especialização. A maioria dos profissionais entrevistados eram enfermeiros e técnicos de enfermagem, seguidos de médicos, psicólogos, assistentes sociais, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, nutricionistas, odontólogos, biomédicos, técnicos em laboratório, dentre outros. Em relação ao trabalho, a maioria (41,9%) atua em diversos locais de enfrentamento a COVID-19, como hospitais, unidades básicas de saúde, pronto atendimento, ambulatórios, Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Grande parte desses profissionais tem mais de 20 anos de prática na área da saúde. Quase a metade dos profissionais não apresentou COVID-19 durante o período pandêmico (49,7%). A maioria manteve-se satisfeita com os colegas de trabalho (56,3%), mas sofreu com mudanças na rotina do serviço (82,6%), prioritariamente devido ao afastamento de colegas por contaminação e mudanças no protocolo de cuidado e higiene. Houve aumento na carga de trabalho (58,7%) e, apesar disso, não pensaram em mudar de profissão (79%). Devido às horas intensas de trabalho, poucos profissionais conseguiram se atualizar sobre a COVID-19, apenas 27,2 % dos que responderam ao questionário se sentiram satisfeitos com o tempo que tiveram disponível para se atualizar sobre as informações científicas a respeito da doença. A maioria (58,7%) recebeu equipamentos de proteção individual, sendo a máscara aquele que apareceu como o mais distribuído entre os profissionais, seguida de luvas, toucas, óculos/viseira e capote. Do ponto de vista social, a rotina familiar sofreu maior impacto (86,8%), gerando mudanças em consequência da restrição, isolamento, conflito e medo de contaminação por parte dos profissionais com relação aos seus familiares. Apesar disso, a pandemia não afetou a capacidade de manter um relacionamento amoroso saudável (53,5%) ou de ter um relacionamento amoroso (69,7%), mesmo com o estresse da rotina de trabalho. Embora, esses profissionais não estejam satisfeitos com as atividades de lazer durante a pandemia (51,5%), observando uma redução dessas devido ao tempo disponível para descanso/lazer e o cansaço. Com relação ao aspecto físico/alimentar, pudemos observar um aumento de alimentos fast food, doces, processados (73,7%), mas não houve relato de aumento do consumo de bebidas alcoólicas (45,5%). Apesar de a grande maioria (75,4%) não ter adoecido de COVID-19 durante a pandemia, muitos procuraram outros profissionais devido ao estado emocional, como psicólogos e psiquiatras, ou outros profissionais por emergências médicas devido à doenças de familiares (cardíacas, por exemplo). Com relação ao uso de medicamentos, antidepressivos e ansiolíticos foram os mais utilizados, bem como vitaminas e remédios para dormir. Houve mudanças no que diz respeito à realização de atividades físicas, a maioria não conseguiu manter as atividades que realizava anteriormente (53,8%). Os aspectos emocionais foram afetados (69,5%), indicando que os profissionais que participaram do estudo se queixaram de ansiedade, depressão, medo e problemas com o sono. Mesmo assim, esses profissionais não deixaram de realizar nenhuma atividade (56,3%), apesar do medo, tensão e ansiedade vivenciados (57,5%). Quando sentiam esses sinais e/ou sintomas recorriam à terapia, medicação, oração, apoio familiar, comida e atividade física. Somado a isso, a grande maioria dos profissionais (79,7%) diz ter algum tipo de prática espiritual, fazendo uso de oração, meditação e ioga. A utilização de mídias sociais (Instagram, Facebook, WhatsApp, YouTube, sites blogs, Telegram) para a prática da espiritualidade (leituras de orações, músicas, participação em grupos de meditação, apoio, etc) também foi observada. Ao invés de ir a uma missa ou culto presencialmente, este pôde ser feito à distância em canais de transmissão em tempo real, através do youtube® e instagram®, por exemplo. Ao lidar com a morte no trabalho, os profissionais demonstraram tristeza (61,7%), em função da perda de vários pacientes e as notícias de óbito que precisavam ser dadas aos familiares. Por fim, indagamos a respeito da esperança de um futuro melhor e a percepção deles sobre o comportamento da sociedade e a melhora do cenário atual. Quase a metade dos profissionais (46,7%) apontaram esperança e depositam no futuro uma perspectiva de dias melhores, apesar de registrarem insatisfação com a posição da sociedade frente à pandemia (37,9%). A coleta de dados ainda está em andamento, e estamos desenhando, gradativamente, uma compreensão mais integral das consequências da pandemia de COVID-19 na saúde dos trabalhadores da linha de frente, elucidando o processo de saúde, adoecimento e cuidado desses profissionais das regiões estudadas e identificando os principais pontos dos diferentes aspectos da saúde que necessitam de intervenção. Contudo, já podemos considerar que a pandemia trouxe consigo mudanças nos aspectos físicos, laborais, sociais, emocionais e espirituais desses profissionais, conforme apontado nos resultados acima, que necessitam ser visibilizados, para que possamos cuidar de quem cuida da forma como essas pessoas necessitam.