Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
Tamanho da fonte: 
Formando e Transformando: O Encontro com o CAPS AD
Alice Medeiros Lima, Eliane Oliveira de Andrade Paquiela, Ândrea Cardoso de Souza

Última alteração: 2022-02-03

Resumo


Apresentação: O presente trabalho apresenta um relato de experiência sobre as vivências e transformações a partir da formação, de duas docentes do curso de Enfermagem de uma Instituição de Ensino Superior privada e seus alunos no Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Outras Drogas Alameda (CAPS AD II- Alameda), localizado no município de Niterói, Rio de Janeiro. Esta narrativa é concernente ao vivido em uma disciplina de saúde mental prática, na qual os graduandos são inseridos em dispositivos da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) ao longo de um semestre. Desenvolvimento do Trabalho: No primeiro semestre de 2019, como de costume, ambas professoras receberam os alunos e explicaram a dinâmica, esclareceram dúvidas, reforçaram aspectos teóricos importantes sobre a RAPS e a luta antimanicomial e propuseram que a turma se dividisse em dois grupos: um desenvolveria a prática no CAPS II Casa do Largo e o outro realizaria prática no CAPS AD II Alameda.  Falar sobre loucura e o uso abusivo de álcool e outras drogas fazia eclodir diversas questões entre os alunos: medo, insegurança e resistência. Poucos relatavam desejo, interesse ou curiosidade no campo da saúde mental. Na imersão dos relatos não desejantes, percebemos um grupo que apresentavam maior repulsa e aversão ao campo: Alguns alunos, não consideravam ser possível cuidar dos que nominavam “drogados”. As professoras percebiam que não enxergavam sujeitos, pessoas, cidadãos e sim, uma subclasse que não chegava a ter humanidade e tão pouco, vida. O trabalho inicial, antes da inserção no serviço, durou um mês, consistindo em investimentos em discussões teóricas, leituras de artigos e materiais que abordassem a política redução de danos, clínica ampliada e projeto terapêutico singular e atividades que possibilitassem deslocamentos sobre representação social dos mesmos acerca da loucura. Neste momento também foi preciso sustentar a ida ao CAPS AD II Alameda, visto que grande parte da turma expressava preferência para ingresso no outro CAPS. Mantendo a organização inicial, no primeiro dia no CAPS AD, houve apresentação do serviço, da equipe e dos usuários presentes, e uma roda de conversa com a coordenadora do CAPS AD. Os relatos chamaram atenção pela dificuldade de compreensão da função do CAPS AD. Um dos alunos, descreveu o pavor que sentia dentro do serviço, sem sequer conseguir ir sozinho ao banheiro. Na semana seguinte, esse acadêmico trancou a disciplina, mesmo sendo acompanhado de perto pelas professoras. Nas três semanas iniciais, as dificuldades apresentadas pelos alunos eram muitas e a formulação de questionamentos como: “É melhor cuidar dessas pessoas em espaços religiosos”, “Eles ficam o dia inteiro no CAPS AD comendo e dormindo? Assim é fácil”, “A gente vem ao serviço para fazer recreação?”, “Eles nunca vão parar de usar drogas?”, pareciam forjar os argumentos necessários para que não participassem das atividades propostas. As docentes experimentaram uma sensação de frustração diante do que não parecia seguir e sim só retroceder. Tal sensação chegou ao ápice diante de uma mensagem coletiva enviada pelo grupo de alunos para as professoras, com o comunicado que não iriam mais ao CAPS AD, pois não acreditavam naquele serviço e que não viam sentido no que era proposto pela política pública de atenção psicossocial às pessoas que fazem uso problemático de drogas.  Mesmo com o turbilhão de emoções que sentiram diante da atitude extrema dos alunos, as professoras responderam, com poucas palavras, que estariam no serviço aguardando. Na semana posterior, para certa surpresa das professoras, os acadêmicos foram e então, com algum esvaziamento do incômodo, mas dando lugar ao mal-estar ainda existente, as professoras fizeram questionamentos, com posicionamento embasado na política pública de saúde mental e em pontos cruciais que sustentam a Reforma Psiquiátrica, trazendo para o cotidiano do serviço e para os sujeitos que ali se encontravam, com histórias atravessadas por perdas, vulnerabilidades e miséria de vários tipos, sequestro de sua cidadania, entre outros.  Nesse momento, um ensaio de mudança começa a se produzir em duas vias: uma na formação dos alunos e outra na das professoras. Alguns alunos mantinham certas dificuldades com a temática do uso de drogas, uns por se depararem com a questão do próprio uso e se enxergarem em condições parecidas com os usuários do CAPS AD, outros por experiências de familiares, onde experimentaram o abandono e ausência de um cuidado por parte do Estado, e ainda, outros pela construção cultural/social que confunde a questão de saúde relacionada ao uso de droga, com a questão criminal. Resultados e/ou impactos: Após a discussão sobre continuidade das atividades no CAPS AD, inicialmente houve furor e revolta entre alguns alunos. Porém, com o passar dos dias, na semana seguinte, o grupo chegou ao serviço de maneira surpreendentemente distinta, com lanches, doces e brindes que produziram para uma atividade acolhedora. Era visível a surpresa dos usuários, da equipe e das professoras. Tudo foi organizado de maneira detalhada e cuidadosa pelos alunos, o que produziu uma recepção calorosa dos usuários, e consequentemente, uma aproximação e interação com os acadêmicos. As semanas foram seguindo e novos rumos foram desenhados. Era possível conhecer aqueles usuários, era possível ver o sujeito, seus amores, suas dores, suas dificuldades e suas alegrias. Era possível produzir e ver vida! Abandonaram o termo pejorativo “drogado” e adotaram a perspectiva de cidadania. Os alunos mergulhavam em outros sentimentos, a revolta agora era pela percepção das dificuldades estruturadas no sistema perverso e moralista que exclui pessoas que não cabem em formatos considerados corretos e que não produzem como o capitalismo pressupõe. No último dia de aula prática, houve muita emoção e angústia de encerrar aquele ciclo. Na roda de conversa final com as professoras e coordenação do serviço, muitos acadêmicos reconheceram suas dificuldades, inclusive identificaram que familiares que passaram e passam por problemas decorrentes do uso prejudicial de álcool e outras drogas, sofrem e precisam de apoio, inclusive necessitando do CAPS AD.  Algum tempo depois, uma parte significativa desse grupo, escreveu seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) sobre o papel da (o) enfermeira (o) no cuidado aos sujeitos que fazem uso abusivo de álcool e outras drogas. Considerações finais: A experiência narrada mostra que a formação está em constante produção e que não acontece em linhas retas ou somente com receptividade e sintonia. Nos embaraços, nos tropeços e na resistência existe possibilidade de avançar no processo formativo. É preciso suportar o que vem do outro para que em algum momento haja possibilidade de transformação. É necessário ofertar corpo e interesse para que vínculos e histórias possam ser construídos. As docentes sofreram grandes atravessamentos com o encontro com esses alunos e desses alunos com o CAPS AD – Alameda. Os alunos passaram por mudanças e transformações, passando de concepções equivocadas e queixosas, para entrega e possibilidade de reconhecer a importância do cuidado em liberdade e a aposta em cada sujeito. O reconhecimento que o CAPS AD é muito mais que um serviço e sim uma estratégia, trouxe chão para o percurso dos acadêmicos envolvidos.