Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Tecnografia do cuidado: Tecnologias Leves em defesa da integralidade do cuidado.
Rafael Dall Alba, Dais Gonçalves Rocha, Madel Therezinha Luz

Última alteração: 2022-02-16

Resumo


No campo da Saúde Coletiva (SC), a discussão das tecnologias em saúde se apresenta como um elemento essencial para qualificação do cuidado. Os processos de incorporação de tecnologias respondem a ferramentas, como a Avaliação em Tecnologia em Saúde (ATS), que possuem uma centralidade em questões econômicas. Essas podem se apresentar pouco sensíveis e efetivas no reconhecimento de certas tecnologias do cuidado que extrapolam a prática biomédica. A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (CONITEC)  no Sistema Único de Saúde (SUS) tem atribuição de avaliação, e, por isso, foi priorizada como campo de aplicação da perspectiva analítica deste estudo. Utilizando-se de uma bricolagem teórico metodológica denominada Tecnografia do Cuidado (TC) desenhada a partir de inspirações foucaultianas uma primeira fase arqueológica-quantitativa e uma segunda genealógica-qualitativa tendo como objetivo caracterizar e analisar as tecnologias em saúde a partir de sua incorporação no Sistema Único de Saúde (SUS). O norte teórico da proposta é embasado na Teoria Crítica das Tecnologias que discute as tecnologias, para além de meros objetos, a partir dos seus lugares de conhecimento, de poder e principalmente da necessidade de democratização do debate. Na Fase 1 foram analisados os relatórios (n=344) de incorporação de tecnologias da CONITEC (de 2012 a 2020), a partir de categorias da ATS e da SC analisadas através das lentes da Teoria Crítica das Tecnologias e da Promoção da Saúde. Destacam-se, como resultados principais, uma ausência de tecnologias do tipo leve, a predominância de medicamentos incorporados (45,6%) e a centralidade no nível de atenção terciário (64,8%). Com relação ao CID-11, as tecnologias incorporadas relacionaram-se, principalmente, ao grupo de doenças do Capítulo 1 – doenças infecciosas e parasitárias (21,5%), seguido do Capítulo 5 – doenças endócrinas, nutricionais ou metabólicas (15,1%). Dessas, 27,6% são doenças raras. Assim, o perfil analisado sinaliza um cenário de tecnologias biomedicalizadas, localizadas no nível de atenção terciário e centralizadas no medicamento como ferramenta de cuidado. A ausência de tecnologias leves evidencia uma necessidade de ampliação epistemológica enquanto práxis das tecnologias em saúde. A incorporação também demonstra estar em desacordo com a demanda epidemiológica, onde as doenças raras possuem uma maior expressão na incorporação perante condições de maior prevalência na população. A partir desses resultados a Fase 2 buscou aprofundar esses hiatos e desequilíbrios da Fase 1 a partir de entrevistas semiestruturadas com gestores e pesquisadores da ciência e tecnologia.

Dentre os resultados dessa segunda fase, apresentamos um recorte dos principais achado onde se destaca a iniquidade epistemológica acerca de outros tipos de tecnologias e saberes, que cristaliza e reifica as tecnologias duras biomédicas como um regime de verdade do cuidado. Esse processo está atrelado a categoria dos Determinantes Comerciais da Saúde, que remontam a influência do mercado, através do lobby, na instância política infiltrando interesses privados dentro da estrutura (demanda) pública. Somente as tecnologias em saúde ligadas ao capitalismo neoliberal são valorizadas e, portanto, incorporadas nesse cenário. Outro destaque é o descompasso da demanda pública que reforça não só a hegemonia do design da tecnologia dura, mas também imputa um elemento de predileção por um alto custo atribuído nestes insumos, sem necessariamente atender o que de fato a própria demanda epidemiológica de prevalência recomendaria como prioridade como é o caso das doenças cardiovasculares. Portanto a agenda pública no quesito das tecnologias em saúde é tomada pela racionalidade das tecnologias duras dominantes. O poder político (representativo) estando subordinado à estrutura do mercado, lesa profundamente o senso de democracia. Logo os projetos que não possuem apelo mercadológico, a exemplo das tecnologias leves, dificilmente irão se tornar políticas públicas de Estado nem serão objeto de pressão política sobre o órgão técnico do Ministério da Saúde (CONITEC). Assim a aplicação dessa perspectiva analítica da TC possibilitou ampliar as dimensões de análise dos estudos do campo das tecnologias em saúde sustentado a tese de que essas fazem parte das unidades, isto é, das bases constituintes do modelo tecnoassistencial do SUS e, portanto, seu conjunto incorporado irá influenciar na macro-estrutura do SUS definindo forma e tipo do cuidado prestado. Se de fato queremos fortalecer uma promoção da saúde e uma integralidade do cuidado temos que ir além desse modo tecnológico hegemônico biomédico construindo um novo projeto tecnológico ampliado por uma ecologia de saberes. Assim reinventar as tecnologias é fortalecer o SUS.