Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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O trabalho multiprofissional com as famílias em tempos de pandemia: sistematização da experiência
MARIA VIVIANNE NASCIMENTO ALBUQUERQUE, Ana Paula Silveira de Morais Vasconcelos

Última alteração: 2022-02-06

Resumo


Apresentação: A proposta do artigo é apresentar a sistematização das ações voltadas à produção do cuidado às famílias na Atenção Primária à Saúde (APS) no contexto de pandemia, na Unidade de Saúde da Família Joaquim Braga (USF JB), localizada no município de Caucaia, Ceará, convergindo para o ciclo de práticas dentro da Residência Integrada em Saúde na Ênfase de Saúde da Família e Comunidade, durante os meses de março a dezembro de 2020. O presente estudo é de natureza qualitativa e do tipo exploratório, buscando refletir sobre a experiência vivenciada. Foi realizada a pesquisa de campo na Unidade de Saúde da Família Joaquim Braga (USF JB) e utilizou-se como técnica de apreensão do material empírico a sistematização da experiência. Desenvolvimento do trabalho: Em meio ao contexto de pandemia e a busca incessante por respostas e medidas rápidas de contenção do vírus SarsCov-2, ainda foi preciso enfrentar um contexto social, político e econômico desfavorável às famílias. As situações de vulnerabilidades das famílias nos territórios da Unidade de Saúde da Família e Comunidade Joaquim Braga (USF JB) se intensificaram devido à crise desencadeada pela COVID-19 acompanhadas das medidas necessárias de isolamento social a partir da segunda quinzena de março de 2020. As pessoas acompanhadas pelas Equipes de Saúde da Família da unidade de saúde devido à sua condição crônica, histórico familiar, acompanhamento preventivo e que dependiam de visitas domiciliares se sentiram prejudicadas devido alguns serviços de saúde paralisados. O trabalho multiprofissional foi importantíssimo por proporcionar uma visão ampliada da situação apresentada e a realização de diversas maneiras de intervenções a partir das necessidades das famílias, indivíduos e comunidade. É relevante também destacar o trabalho em equipe, ressaltando o esforço dos trabalhadores da recepção, dos serviços gerais e do setor administrativo. No papel de profissional de saúde-residente, assistente social e integrante da equipe multiprofissional, a pandemia da COVID-19 significou um momento desafiador, por presenciar um cenário atípico dentro de um contexto ainda de aprofundamento das técnicas, de aprendizagem e de identificação das necessidades de saúde. Diante do panorama da pandemia foi necessário reestruturar todas as atividades, ressignificando os processos de trabalho realizados anteriormente com os trabalhadores da saúde, comunidade, famílias e usuários. Os profissionais da saúde da USF JB foram “bombardeados” de informações tanto fidedignas quanto equivocadas, por isso precisaram acompanhar diversos protocolos clínicos, orientação do Ministério da Saúde e de pesquisadores da área, para estarem cientes de como manejar os casos clínicos e reestruturar os processos de trabalho, dentro de uma realidade deficitária. A pandemia mostrou as debilidades na comunicação entre os profissionais da saúde, demandando da equipe uma comunicação mais articulada. Nesse ponto a equipe se fortaleceu, porém ainda com alguns entraves. Nas ações de educação permanente é ressaltada a importância da visão do usuário como protagonista, que possui autonomia para estabelecer a sua rotina, seu cronograma e o cuidado em saúde, sob a perspectiva do empoderamento, porém, no cenário de prática, torna-se notório que o estímulo está atrelado, ainda, a uma visão individualista desse processo e de responsabilização. Isso ficou perceptível nos atendimentos compartilhados e nas narrativas dos profissionais. A produção do cuidado não deve ter o enfoque apenas para a centralidade da família e do indivíduo, pois segundo a Política de Humanização, a produção e a gestão do cuidado e dos processos de trabalho devem incluir os trabalhadores, os usuários e os gestores. É notório no atendimento multiprofissional que os profissionais da saúde não exploram questões como: a participação dos usuários, a coparticipação e cuidado compartilhado dentro das consultas, interconsultas e atividades coletivas de forma continuada, realizando somente de forma pontual e com grupos específicos de gestantes e idosos. Os profissionais se mostram desinteressados e/ou frustrados para fortalecer a coparticipação dos sujeitos por acharem, a partir do que veem, que as famílias não têm interesse em participar. Então as ações de educação em saúde para o enfrentamento a Covid-19, que foram estabelecidas no início da pandemia pela equipe de residência multiprofissional, não teve continuidade, pela falta de participação dos profissionais da Equipe de Saúde da Família. Os trabalhadores da saúde são partes integrantes da produção de cuidado dos usuários, tratamento, cura e prevenção, sendo necessário também contar com a participação da gestão para o estabelecimento da integralidade. A gestão diante do seu papel como parte integrante no fomento do cuidado, teve um desempenho insuficiente para gestar os riscos, para além das ações imediatas, submetendo os profissionais da linha de frente a situações complexas diante o enfrentamento a Covid-19.  Resultados: A pandemia desnudou para os profissionais da saúde muitas falhas na cobertura de atendimento a algumas famílias do território, principalmente o público mais vulnerável, possibilitando as mudanças nos processos de trabalho a partir das lacunas. E constatou que a partir das orientações da ciência, dos estudos e da educação permanente os nós que existiam no trabalho multiprofissional foram desatando de forma gradual, mostrando possibilidades de atuação. Detectou-se também a articulação deficitária da gestão com os profissionais da saúde que estavam na linha de frente, ficando de responsabilidade dos profissionais prover um espaço de atendimento minimamente adequado para atender as demandas.

Em diálogo com os usuários que foram infectados pelo vírus e com os familiares enlutados e cuidadores de pessoas com COVID 19, notou-se que o agente infeccioso não só causou dor e sintomas no indivíduo que testou positivo, como também afetou os familiares, desencadeando sintomas de ansiedade e depressão, tristeza, medo, angústia e a sensação de impotência.

Considerações finais: A COVID-19 apresentou fragilidades nos processos de trabalho na USF JB, como a coparticipação dos sujeitos, no vínculo com a comunidade e as famílias, no trabalho multiprofissional e nas redes de atenção à saúde e intersetoriais. A noção de cuidado ainda evidencia a lógica conservadora, individual e focada na doença. O processo saúde-doença ainda é permeado pelo processo de contrarreforma do estado e pela lógica neoliberal, consequentemente, o favorecimento da lógica privatista e flexibilizada. Este estudo mostra que precisamos de uma APS no SUS qualificada, vigilante, capilarizada e fiel aos seus princípios norteadores. O enfrentamento da COVID-19 evidenciou que a produção do cuidado em saúde constitui o cuidado em coletividade, dentro de uma concepção histórica e social, como também apontou o importante papel dos trabalhadores de saúde, que tiveram significativamente alterações no seu bem-estar e processo de trabalho, sendo imprescindível levantar pautas como carga horária, ampliação e manutenção de equipamentos, sobre saúde mental e apoio institucional.