Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Impacto dos acidentes e violência na morbimortalidade, segundo gêneros da população residente no Espirito Santo: 2012 a 2021.
Edleusa Gomes Ferreira Cupertino

Última alteração: 2022-02-03

Resumo


Os acidentes e violências encontram-se classificados como causas externas no CID -10 – Código Internacional de Doenças. Segundo Ednilza Souza, a taxa média brasileira de mortalidade masculina por essas causas na década de 1991 a 2000, foi de 119,6/100.000 habitantes, sendo 5 vezes maior que a taxa média observada para as mulheres (24/100.000 habitantes).

Trata-se de um estudo epidemiológico analítico, realizado a partir dos dados de mortalidade extraídos do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SESA/TABNET/SIM). A população residente usada no cálculo das taxas foi estimada pelo IBGE e encontra-se disponibilizada na home page do Datasus/MS. As taxas de mortalidade foram calculadas incluindo-se os óbitos com informações ignoradas sobre sexo, faixa etária e município de residência. Variáveis de sexo, faixa etária e causas externas específicas foram analisadas.

O objetivo deste trabalho visa descrever o comportamento dos dados de mortalidade por causas externas e de notificação de violência ocorridas na população residente no Espírito Santo, na década de 2012 a 2021, considerando 2020 e 2021 como dados preliminares.

Até 2014, as causas externas ocupavam o segundo lugar no ranking dos agravos e doenças de maior impacto na mortalidade dos residentes no ES, perdendo apenas para as doenças cardíacas.

A partir de 2014 até 2019, as neoplasias passaram a ocupar o segundo lugar e as causas externas, o terceiro. Esse fato pode ser consequência das ações desenvolvidas pelo programa governamental: Estado Presente, segundo consta em estudo do IPEA e divulgado no Mapa da Violência. Tais ações se basearam em aplicar vultuosas somas de recursos em programas sociais nos grandes bolsões de pobreza, seguindo toda uma lógica de intervenção considerando os determinantes sociais na produção das desigualdades, sobretudo na saúde. Paralelo a isso, ocorreram grandes investimentos na segurança pública, com melhoria do efetivo de profissionais militares e de equipamentos como veículos, estrutura física e até de tecnologia da informação.

Some-se a isso, a implantação da Linha de Cuidados às Pessoas em Situação de Violência pelo SUS/ES a partir de 2013, ampliando as ações de prevenção da violência, notificação de casos suspeitos e/ou confirmados de violência e qualificado a rede de urgência e emergência para um intervenção rápida nos casos mais graves, inclusive com a ampliação do SAMU- Serviço de Atendimento Móvel de Urgência para praticamente todo o território capixaba.

Com o advento da pandemia de Corona Vírus, as doenças infecciosas e parasitarias saíram do nono lugar em 2019, para o segundo em 2020 e primeiro em 2021, forçando as causas externas para o quarto lugar.

Segundo os dados do SESA/TABNET/SINASC de 2012 a 2021, nasceram no Espírito Santo cerca de 544.580 pessoas e ocorreram 243.749 óbitos, segundo os dados do SESA/TABNET/SIM. Desses óbitos, cerca de 36.587 foram correspondentes a 15,01% do total de óbitos por causas externas. Desse percentual, 29.242 foram óbitos de pessoas do sexo masculino, correspondente a 79,9% dos óbitos por causas externas no período. Esse valor é correspondente a 3,98 vezes o número de mulheres. Nos homicídios esse percentual ultrapassa 10 vezes mais e 5,75 vezes mais nos acidentes de transporte. O suicídio ocorre 2,9 vezes mais no masculino que no feminino e mesmo as quedas, ocorre 1,3 vezes mais com o masculino que no feminino.

A percepção do impacto das causas externas apenas pelo banco de dados da mortalidade aponta uma maior frequência do agravo nos homens. De fato, as práticas machistas e de enfrentamento de riscos, potencializadas pelas intensas desigualdades sociais e culturais, constituem os homens como maiores vítimas fatais da violência, considerando o número de óbitos.

No entanto, analisando os dados da vigilância de violência, cerca de 75% das notificações são do sexo feminino demonstrando que as mulheres apenas morrem em menor número, mas é tão vítima da violência quanto o homem e por motivos diferentes.

A relação afetiva das mulheres com a família, principalmente os filhos, se apresenta como um dos fatores de proteção enquanto os homens se expõem mais aos fatores de risco da violência, como uso de drogas, armas de fogo e, com destaque, o consumo de álcool, a não observância de regras de segurança e às relações interpessoais conflituosas, de acordo com a Política Nacional de redução da morbimortalidade por acidentes e violência. As notificações de violência no ES do ano de 2021 confirmam que há influência de gênero e faixa etária na produção do agravo. Enquanto a violência sexual, por exemplo, ocorre no sexo feminino, praticamente em todas as faixas etárias, e é a primeira causa mais notificada de 01 a 14 anos, no sexo masculino, as notificações de violência sexual foram registradas de 01 a 39 anos e não apareceu como sendo a primeira causa mais notificada em nenhuma faixa etária

Segundo o Dossie da violência contra as mulheres, realizado pela Agencia Patrícia Galvão, a construção de comportamentos legitimados socialmente para homens e mulheres cria e perpetua espaços para que as violências aconteçam sempre que uma pessoa não se encaixa nos padrões esperados. Diferenças, assim, são transformadas em desigualdades e não em pluralidade, perpetuando a efetividade da violência de formas diferentes a depender do gênero. Fazem com que, muitas vezes, a violência sequer seja reconhecida por quem a pratica e por quem sofre. Também para que, quando reconhecida, permaneça silenciada. E ainda para que, quando visibilizada e denunciada, seja minimizada por profissionais que, pouco sensibilizados, reproduzem padrões discriminatórios nos próprios serviços criados para garantir os direitos das mulheres

Segundo a Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres proclamado pela ONU – Organizações das Nações Unidas, em 1993, violência contra a mulher é uma manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres, que levaram à dominação e discriminação contra as mulheres por homens e à prevenção do pleno avanço da mulher, e que a violência contra a mulher é um dos mecanismos sociais cruciais pelos quais as mulheres são forçadas a uma posição subordinada em comparação com homens. Esse fato justifica porque os companheiros e ex companheiros são aqueles que mais aparecem nas notificações como agressores das várias violências sofridas pelas mulheres.

Uma vez que as causas externas são consideradas como causas evitáveis, conclui-se que os comportamentos humanos estão intimamente ligados aos resultados apurados. Enquanto os homens se colocam mais em risco diante das situações de violência, a mulher, ainda que culturalmente, se expondo menos e responda melhor aos fatores de proteção, é vítima da violência tanto quanto o homem. No entanto, os tipos de violência são diferenciados: a maioria dos homens são vítimas fatais de violências comunitárias, enquanto as mulheres são vítimas de violência doméstica, aquela em que o seu algoz é também aquele a quem ela escolhe para viver.