Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Mobilização em foco! Impacto de estratégias de educação permanente na reorientação do trabalho em fisioterapia na terapia intensiva: Um relato de experiência.
Matheus Madson Lima Avelino, Monaliza Lopes de Melo, Nickson Melo de Morais

Última alteração: 2022-02-03

Resumo


APRESENTAÇÃO

Nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI) a fisioterapia tem como foco principal a mobilização precoce (MP) dos pacientes críticos para redução dos efeitos deletérios da internação. Programas de MP têm melhores desfechos clínicos, redução de tempo em ventilação mecânica (VM) e dos dias de internação, redução na morbimortalidade e melhor recuperação funcional dos indivíduos durante e após a internação. Todavia o cotidiano dos serviços é marcado pela baixa adesão a programas de MP devido à barreiras culturais e organizacionais que dificultam sua implementação, principalmente atreladas a ideia de que o paciente crítico deve permanecer em repouso.

Diante da pandemia de COVID-19 se presenciou o aumento no número de profissionais buscando atender a crescente demanda em leitos de UTI para abranger o número de doentes que necessitavam de cuidados críticos. Isto levou a contratação de profissionais, com pouca ou nenhuma experiência na área de terapia intensiva, dificultando o cuidado ao paciente, observado pelo desconhecimento das rotinas hospitalares e práticas de cuidado heterogêneas.

O objetivo deste trabalho é de relatar a experiência de intervenção de incentivo à MP na equipe de fisioterapia para das UTIs do Hospital Regional Tarcísio de Vasconcelos Maia em Mossoró/RN através de estratégias de Educação Permanente (EP), os seus impactos e as aprendizagens decorrentes do processo.

DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA

Esta experiência remonta o início da pandemia de COVID-19 e o contexto de ampliação do número de fisioterapeutas no hospital. Somou-se a isto o pouco conhecimento disponível sobre a doença e a carência de um programa unificado de atualização, portanto levando a provocação inicial desta experiência, a necessidade de formação profissional e atualização científica.

A pandemia acirrou alguns desafios antigos no serviço e em decorrência das características da doença destacou-se a necessidade de um maior manejo maior da VM muito incentivados pela crescente de cursos voltados a COVID-19, oxigenoterapia e procedimentos envolvendo as vias aéreas, que na nossa realidade foram funções culturalmente atribuídos ao fisioterapeuta, portanto aumentando consideravelmente a demanda por estes procedimentos e enfraquecendo a rotina de MP.

A maior rotatividade de plantonistas nas unidades devido ao aumento de profissionais gerou o problema de descontinuidade do cuidado e das informações entre a equipe, apesar do aumento da carga horária de 12 horas para 24 horas contínuas, além de uma grande variabilidade nas condutas entre os profissionais quebrando a ideia de continuidade na terapia intensiva. Os indicadores do serviço também refletiam a necessidade de mobilização dos pacientes, dado o longo período de permanência em VM, maior permanência nas UTIs e pessoas com alto grau de incapacidade após internação. Neste sentido, a necessidade de desenvolver uma política de gestão do cuidado foi o segundo disparador desta experiência.

Em suma, a necessidade de transformação da cultura do serviço, o desenvolvimento de um programa de MP com maior homogeneidade das práticas e a continuidade no cuidado dentro das UTIs, somada à necessidade qualificação dos trabalhadores foi o problema central. O desafio era encontrar estratégias que dessem conta das mudanças culturais e organizacionais, refletindo na transformação do processo de trabalho. Desta maneira buscamos o suporte da educação permanente, compreendendo esta enquanto o processo de aprendizagem no serviço, onde o cotidiano das equipes é colocado em questão pelos trabalhadores que refletem sobre os sentidos daquilo que é produzido em suas práticas, desafiando-os a reconfigurá-las. As ações traçadas foram sistematizadas em três eixos temáticos: formação, gestão e assistência.

No eixo formação desenrolaram-se rodas de conversação sobre o cotidiano da fisioterapia no serviço, envolvendo os fisioterapeutas, gestão do hospital e coordenações das equipes multiprofissionais. As rodas tiveram objetivo de identificar as barreiras para o desenvolvimento da MP nas UTIs. Foi marcante na fala dos fisioterapeutas a sobrecarga com demandas de condutas respiratórias que não suas atividades privativas, portanto poderiam ser desenvolvidas por outros profissionais. A integração ensino serviço contou com o envolvimento dos estágios em fisioterapia e o compartilhamento de agenda com os estagiários das instituições de ensino superior parceiras, sendo direcionados aqueles pacientes com maior indicação de mobilização.

Para disparar os demais processos foi realizado junto ao Núcleo de Educação Permanente evento de capacitação para os fisioterapeutas intitulado “Atualização em Mobilização Precoce no Paciente Crítico”, para ampliar o arcabouço teórico, padronizar as práticas e, principalmente, reformulação dos protocolos do hospital, surgindo o Protocolo Operacional Padrão (POP) de mobilização precoce a partir da classificação funcional dos pacientes.

Ainda foram produzidos indicadores de qualidade da assistência fisioterapêutica para acompanhamento do processo de trabalho, a partir da criação de formulário com perguntas a serem respondidas ao fim da cada plantão. Estes refletindo também o impacto da fisioterapia nas unidades, portanto, tempo em VM, grau de funcionalidade na admissão/alta, quantidade de pacientes mobilizados por turno. Neste sentido, os estagiários desenvolveram um “Mobilizômetro”, painel interativo como estratégia de motivação para os fisioterapeutas, onde era contabilizado o tempo em que os pacientes passavam fora do leito, quantidade de mobilizações, e os dias sem tirar pacientes do leito.

No eixo da assistência, criou-se o papel de fisioterapeuta diarista, como o fisioterapeuta que está presente diariamente na UTI com responsabilidade de acompanhar a evolução e traçar metas e planos funcionais para os pacientes, portanto realizando o screening diário, alimentando os indicadores e a produzindo os relatórios e toda a gestão do cuidado fisioterapêutico nas UTIs. Foi realizada a reformulação dos instrumentos de avaliação utilizados para contemplar aspectos funcionais referentes à MP e a criação de uma prancheta inteligente e interativa com as escalas propostas no POP, assim como a sinalização semafórica em cada leito com os critérios de segurança para realizar a MP e a meta funcional a ser trabalhada.

Os impactos e as aprendizagens da experiência foram imediatos, e deram-se à medida que a equipe se reconfigurava. Inicialmente foi observada a importância da instituição de um espaço de escuta e compartilhamento envolvendo gestão e trabalhadores, promovendo maior corresponsabilidade de ambas partes sobre a mudança cultural do serviço. Ao envolver a graduação percebemos a importância de uma formação centrada nesta concepção de assitência para redução das barreiras estruturais do medo e do cuidado tradicional nos serviços.

A capacitação técnica refletiu diretamente na melhora da assistência e nos indicadores gerais da UTI, as tecnologias e atualizações desenvolvidas garantiram maior autonomia no trabalho dos plantonistas, melhora da comunicação com menos perda de informações e homogeneidade das práticas, garantindo melhores resultados das intervenções com menos riscos e menor chance de iatrogenia. Destacamos o quanto os resultados positivos alcançados serviram de incentivo para a continuidade do trabalho pelos plantonistas. Enfatizamos a importância da  coordenação do cuidado com a instituição do diarista como ponte também para o diálogo interprofissional com a equipe multi.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar dos avanços alcançados é importante destacar que muitas dificuldades persistem, pois quando algumas barreiras são vencidas outras surgem. As barreiras culturais ainda apresentadas por alguns profissionais resistentes à atualização, o não entendimento ou minimização da importância mobilização por partes das outras equipes, a falta de recursos e instrumentos necessários no serviço público são novos pontos a serem enfrentados.

Apostamos na educação permanente como uma política de aprimoramento da produção de cuidado nas UTIs e melhora nos índices de mobilização precoce a partir de uma construção colaborativa entre gestores e trabalhadores como uma postura reflexiva, e, sobretudo ético-política de compromisso com a melhoria das práticas de cuidado em saúde.