Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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ÂMAGO: ARTE DE (RE)EXISTIR E REFLEXÃO
Gabriella Furtado Monteiro

Última alteração: 2022-02-01

Resumo


Apresentação: A arte torna-se um empreendimento de saúde porque é um dos campos em que se pode produzir as transformações necessárias e criar novas formas de estar no mundo, cria-se movimentos, cria-se gestos, cria-se subjetividade, cria-se novos modos de existir e reexistir a vida com mais qualidade. É nesse sentido que nos parece fundamental discussão e promoção de cultura em suas multilinguagens que têm como função discutir também a saúde dentro de um contexto social, resgatando a ideia de que a saúde é, além de um direito dos cidadãos, um bem cultural de suma importância, que merece, portanto, ser desfrutado por todos. O ser humano possui a necessidade de ser ouvido e se expressar livremente, entretanto ele é reprimido cotidianamente, quando há dificuldade de encontrar espaços e tempo no dia em que possam compartilhar seus sentimentos e acontecimentos, tornando-o cada vez mais introspectivo. Para cada sociedade, o corpo humano é o símbolo da sua própria estrutura social e de saúde; agir sobre o corpo é sempre um meio, de alguma forma, de agir sobre a sociedade. Além disso, o modo de representar o corpo na arte é um reflexo da estrutura social, de uma visão de mundo e de uma definição de pessoa. A construção de um “corpo  perfeito”  é  sinônimo  de  “saúde  perfeita”.  Nesse movimento, criou-se novos modos de nos relacionarmos com o nosso “eu” mais íntimo, de forma saudável ou não. Dessa forma, o âmago no sentido literal traz consigo o sentido de cerne, essência, intimo, intrínseco, interior, alma, núcleo, miolo e centro. Com a arte o Grupo Âmago trouxe consigo a reflexão de um novo fazer artístico, de maneira humanizada, resgatando vivencias corpóreas e sentimentais, expondo a realidade nua e crua de uma sociedade doente através da dança, teatro, poesia, performance e audiovisual. Neste contexto, objetivo é refletir e relatar minha experiencia como dançarina do Grupo Âmago e profissional residente em enfermagem, no campo da saúde mental. Desenvolvimento: O Grupo Âmago me fez reexistir, apesar de ter iniciado a dança aos 10 anos de idade até os 21 anos eu não sabia quem era e muito menos o que queria, dançar estava ali como apoio mais ainda era algo estranho que eu não sabia como me encaixar, inúmeras apresentações, premiações mais ainda não era parte de mim, não era próxima e intima, a dança era apenas uma amiga distante que eu acompanhava. Apenas em 2018 com a criação do Grupo Âmago, com a proposta de um novo fazer e interpretar artístico pude me encontrar, como pessoa, como bailarina e como profissional da saúde. Para o Âmago não é apenas o dançar, performar, interpretar, expressar, é um corpo em movimento com uma poética visceral que parte de dentro para fora, a ponto de contagiar quem aprecia. No decorrer da história do grupo vivi o “O meu lado vazio”, coreografia que conquistou o 1° lugar no Prêmio Coreografia no XXV Festival Internacional de Dança da Amazônia, foi a primeira vez que pude contar a minha história e de outras pessoas sobre relação amorosas abusivas, cheia de falsas promessas, violência física, violência psicológica e o sentimento dependência afetiva. A partir deste primeiro trabalho criou-se uma jornada interior e grupal de falar sobre o que não podia ser dito pela sociedade, e apresentar isso ao público de forma visceral. O grupo apresenta a primeira versão do Espetáculo Remonta em Kourou - Guiana Francesa, abordando cada vez mais temas polêmicos como violência contra mulher, abuso psicológico, abuso sexual, LGBTfobia e machismo. É necessário discutir o indiscutível, falar sobre problemas sociais e de saúde que estão dentro do nosso cotidiano, e a arte é um dos meios de comunicação e sensibilização para adentrarmos nesses assuntos. As mesmas temáticas foram abordadas no Espetáculo Remonta – Íntimo Amor, em 2019, com sua poética visceral e proposta de interação entre artista e público, fazê-los sentir cada movimento e palavra, levando-os a reflexão. Desde o início da pandemia do Covid-19 o grupo passou a apresentar trabalhos a partir do audiovisual, porém ainda com as mesmas temáticas, mesmo questionamentos e posicionamentos de re existência. Desde então ficou mais claro quem eu era e minhas propostas como e pessoa e profissionalmente, com isso, desenvolvi dentro da universidade a proposta de TCC de dançaterapia para acadêmicos de enfermagem, com intenção de estudar a saúde mental e arte dentro do campo acadêmico. Após isso retorno para as bases artísticas dentro da Residência Multiprofissional em Saúde Coletiva, da Universidade Federal do Amapá, na área de concentração em Saúde Mental, não apenas ensinando arte aos usuários dos serviços de saúde mental, mas os olhando como seres únicos, complexos e de ampla capacidade, como seres criativos e de alta aptidão expressiva e não os limitando aos seus diagnósticos. A arte me levou ao cuidado e o cuidado em saúde me levou a aprimorar enquanto pessoa. Resultados: A vivencia dentro do campo artístico me fez entender quem sou e também compreender a singularidade de outros. Nesse sentido, podemos afirmar que a arte possibilita novas percepções, novos comportamentos, pensamentos que estão ligados a maneira de como cada indivíduo vive, o que contribui e favorece para alimentar os aspectos de saúde ampliada. A arte é vívida, perpassa não apenas pelo campo estético, mas também pelos mais difíceis e desumanos assuntos dentro da sociedade, é um instrumento de comunicação, promoção de saúde e de inclusão social. A arte é um instrumento imprescindível no processo de produção de subjetividades e ocupação de novos espaços na sociedade, promovendo o convívio e a participação social, incluindo os usuários da saúde mental.  Para fazer arte não é essencial a técnica, mas é preciso se encontrar de dentro para fora, permitir-se conectar com novas maneiras de manifestação artísticas que renasce desse reencontro consigo mesmo. Também pode ser entendido como a produção de mundo interior e constituído por gestos que representam ideias, sentimentos, pensamentos, sensações e também conteúdos inconscientes. Considerações Finais: Neste contexto o objetivo proposto foi alcançado, a partir do relato e reflexão da minha experiencia como dançarina do Grupo Âmago e profissional residente em enfermagem, no campo da saúde mental. Ser artista me faz contar histórias, expressar o que sinto, mostrar a fundo a realidade vivida pelas pessoas, me sinto disposta a construir, compartilhar e criar arte com outros sujeitos, nos espaços educativos e de cuidado, dando luz a um corpo estigmatizado pela sociedade. Arte não é apenas para ser belo, também é política, é denúncia, é crítica, é reflexão. Ser artista me coloca em comunicação com público e falar sobre as adversidades da vida humana. Ser enfermeira residente em saúde me põem na linha frente da luta pela valorização da profissão, pela luta antimanicomial, pela valorização do SUS e pela dignidade e humanização no cuidado e na ressignificação dos corpos dos usuários dos serviços de saúde mental. A temática traz consigo inúmeras possibilidades, as quais nos remete propiciar mais pesquisas a respeito deste assunto.