Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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MODOS DE VIDA E PRODUÇÃO DE SAÚDE NO CONTEXTO DA PANDEMIA: ACESSO À ÁGUA, UNIÕES PREMATURAS E VIOLÊNCIA BASEADA NO GÉNERO EM MOÇAMBIQUE
Manuel Mahoche, Polidoro Mauricio, Daniel Canavesse, Ferla Antônio Alcindo, Aline Blaya Martins

Última alteração: 2022-02-01

Resumo


Introdução: Moçambique assim como outros países do mundo vivem uma situação de calamidade pública causada pelo Novo Coronavírus (COVID-19), que iniciou na cidade de Wuhan, Hubei, China e propagou-se pelo mundo. O acesso a bens e serviços necessários à preservação da vida e da saúde, assim como ações educativas que informam de direitos e necessidades das pessoas e coletividades que vivem as consequências das medidas de enfrentamento à pandemia, dos riscos físicos às condições psicossociais agudizadas com essas medidas, precisa ser assegurado mediante ações do poder público e das coletividades. Sendo assim, o conhecimento dos limitadores aos direitos e às formas de expressão das culturas que dificultam a convivência saudável e livre em cada território é de grande importância. Objetivo: identificar os principais obstáculos, fatores sociais, culturais, crenças e práticas ligadas ao comportamento de mulheres, rapazes e adolescentes em suas famílias em relação à higiene (lavagem de mãos) e prevenção da COVID-19, violência baseada em gênero (VBG), uniões prematuras e gravidez precoce entre mulheres jovens e adolescentes com idade compreendida de entre 12 a 49 anos. Metodologia: o estudo foi realizado em Moçambique no distrito de Mogovolas, envolvendo 416 participantes (mulheres, homens, adolescentes e suas famílias) com recursos a métodos quantitativos (inquérito) e qualitativos (entrevista semi-estruturada, Grupos Focais de Discussões). Os dados foram analisados quantitativamente com recurso ao programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) e qualitativamente (análise temática) usando metodologia de análise de discurso. Resultados: Do total da amostra (n= 416), 85,4% responderam ao questionário e 14,6% preencheu o grupo que respondeu às entrevistas semi-estruturadas (informantes-chave) e grupos focais discussões. Entre os respondentes do inquérito, 55% são do sexo feminino e 38% são casados. Entre os participantes, 53% frequentaram o ensino primário incompleto e tem a agricultura como principal fonte de renda e de sustento familiar. Cerca de 70% dos inquiridos diz ter ouvido falar do COVID-19 e 96% usam as máscaras como medidas prevenção contra a doenças usando, 75% lavam as mãos com frequência usando água e sabão ou cinza e 55% observam o distanciamento físico. Relativamente ao acesso de água, 51% dos respondentes obtém água nos poços de construção precária, e 40% recorre a água superficiais (rio, logos e água das chuvas) para o consumo. O principal método de tratamento da água é a fervura e o uso de hipoclorito (Certeza®). A maioria dos entrevistados (83%) disse que as fontes de água estavam localizadas à 2 km da residência. Para além da pouca disponibilidade de água, o conhecimento dos os Direitos sobre Saúde Sexual e Reprodutiva (DSSR) ainda é um desafio, entretanto, 57% dos inquiridos com idade entre 15 e 24 anos tem conhecimento dos seus direitos sexuais, 69% afirmaram que há debates na comunidade sobre VBG, 64% sente maior liberdade em falar sobre igualdade de gênero e DSSR com outras pessoas, e 58% têm conhecimentos de caso de VBG, uniões prematuras e gravidezes precoces. Cerca de 76% dos participantes disseram que existe um mecanismo seguro para denunciar casos de violência e 69% dos revelou que mulher tem ativa na liderança familiar. Ao analisar a proporção de intervenientes que actuam na resolução de casos de VBG, casamentos prematuros e gravidez precoces, constatou-se que 42% dos casos são resolvidos ao nível da liderança comunitária, e 30% são resolvidos pela polícia por intermédio do Gabinete de Atendimento a Família, Menor Vítima de Violência (GAFMVV). Entre os participantes que afirmaram não ter acesso a informação sobre VBG, casamentos prematuros e gravidez precoce, mais que a metade (66%) são jovens e mulheres. Com base nos resultados, o estudo sugere algumas recomendações: O contexto analisado demonstra a necessidade de ampliar ações educativas com participação da comunidade sobre medidas corretas de prevenção da COVID-19, direitos sexuais e reprodutivos, acesso a bens e serviços de interesse da saúde, sexualidade e saúde, além de questões associadas à adolescência. Utilizar meios/matérias de comunicação acessíveis, nomeadamente: uso de alto-falantes no espaço público, palestras, panfletos, encontros com grupos reduzidos, visitas domiciliares. A rádio, embora não acessível a todos, mostrou ser um meio de comunicação mais rápido e abrangente; priorizar mensagens simples, claras, transmitida preferencial em língua local (Emakua), com enfoque no COVID-19 e garantir o uso correto da máscara, higienização das mãos, evitar aglomerações  e contacto com as pessoas; aumentar o acesso a fontes de água segura, construção mais sistemas de abastecimento de água e dar assistência comunitária sobre as diversas técnicas de manutenção das referidos sistemas ; priorizar a educação para a saúde e/ou educação permanente às famílias sobre os meios mais acessíveis e sustentáveis para o tratamento de água especificamente a fervura e uso de hipoclorito (Certeza®); garantir acessibilidade, qualidade, sustentabilidade e segurança dos kits de higiene menstrual de modo prevenir doenças e proporcionar dignidade diante da sociedade; fortalecer acções de educação sobre a higiene menstrual, em mulheres jovens e rapazes, de forma compreender que a menarca não significa estar pronto para o início da actividade sexual e realização de casamentos; disponibilizar meios de higiene menstrual e proporcionar treinamento prático para jovens e mulheres sobre a elaboração de meios de higiene menstrual (técnicas de costura de calcinhas e pensos reutilizáveis) de qualidade e sustentáveis para melhorar a acessibilidade e criação de uma fonte de renda; consciencializar as famílias sobre o impacto social, económico, na saúde e no bem-estar relacionada a VBG, uniões prematuras e gravidezes precoces; desenvolver programas educativos para influenciadores nas comunidades (líderes comunitários, promotores, educadores dos ritos de iniciação, ativismo social e provedores de saúde), de modo a melhorar a capacidade de solucionar as situações de violência e cumprimento na íntegra do processo legal; fortalecer acções nos centros ou grupos de intervenção na comunidade, para o combate a violência e uniões prematuras e gravidezes precoces e finalmente garantir o apoio social principalmente no fornecimento de abrigos de forma a evitar que as mulheres não tenham outra opção senão voltar para a situação de abuso. A pandemia explicitou questões críticas relacionadas aos modos do andar da vida de pessoas e coletividades, à inserção nos sistemas produtivos e às relações entre a saúde e a democracia que tornam necessárias ações educativas mais constantes dos serviços e sistemas de saúde, com ampla participação da sociedade, para apoioar a produção de saúde e a vida com autonomia em cada território. Compreender as múltiplas dimensões das necessidades de saúde e o contexto da liberdade das pessoas e grupos é fundamental para isso.

Palavras-chave: COVID-19, Uniões Prematuras e Gravidez Precoce; Violência baseada no Género.