Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Capacitação de profissionais da APS no atendimento da Hanseníase em uma UBS de Cariacica – um relato de experiência
Marcelo Geik Siquara, Larissa Fiorotti Daleprane, Camila Cristello Gardoni, Arthur Louzada da Silva Paulo, Amanda Schneider Plazzi, Renata Cristina Cipreste Quaresma, Jamile de Oliveira Rocha, Paulo Roberto Silvano

Última alteração: 2022-02-03

Resumo


Apresentação

A Hanseníase consiste em uma doença crônica que acompanha a humanidade há milênios. Foi determinado seu caráter infeccioso e contagioso causado pela bactéria Micobacterium leprae, através das vias aéreas, onde são eliminados bacilos pela pessoa portadora. Seu contágio necessita de contato próximo e prolongado, além de contar com uma suscetibilidade genética e seu período de incubação é longo. A doença é caracterizada por provocar lesões na pele e nervos periféricos, que levam desde alterações e/ou perda completa da sensibilidade, além de, em fase avançada, déficit da força muscular, paralisia e até perda de membros, causando deformidades e incapacidades.

Atualmente, campanhas e programas de saúde do governo estão visando proporcionar aos pacientes e respectivos contatos o suporte de saúde, integração paciente-médico, acesso a propedêutica clínica, tratamento gratuito ofertado pelo SUS e, o mais importante, diagnóstico precoce e a conscientização da  doença, com adesão ao tratamento que pode se estender a mais de doze meses, a depender da resposta imune do paciente. Apesar de a doença provocar inúmeros estigmas sociais, hoje sabidamente tem cura e o paciente já não é mais transmissor a partir do início do tratamento.

Por ser uma doença mais prevalente em países subdesenvolvidos, ela não atrai grandes investimentos para estudos científicos sendo, inclusive, pouco abordada dentro do ambiente universitário. Entretanto, é extremamente relevante para a prática clínica, visto que aventar seu diagnóstico precocemente pode mudar completamente a história natural da doença.

O município de Cariacica tem uma história marcante da doença. Foi um dos municípios brasileiros a construir uma colônia em uma área remota, a colônia de Itanhenga, que mais tarde se tornou um hospital que internava compulsoriamente os portadores da doença até meados de 1960.

Atualmente, o município conta com uma Unidade de Saúde (UBS) de referência, onde são realizados atendimentos com exame físico e complementares, se necessário. Acredita-se haver considerável subdiagnóstico da doença devido a essa centralização e consequentemente menor acesso, ao difícil diagnóstico devido equipes de saúde pouco capacitadas para esse fim e a doença possuir minúcias que dependem algumas vezes de experiência profissional, bem como a população pouco informada sobre sinais e sintomas sugestivos e seus estigmas.

Diante disso, o objetivo desse relato é demonstrar a importância de desenvolvimento de ações que promovam a capacitação de profissionais de saúde e a educação da comunidade na identificação de sinais e sintomas de risco para hanseníase, muitas vezes esquecida, mas que gera incapacidades e traz transtornos sociais importantes.

 

Desenvolvimento

Em observação ao Janeiro Roxo, mês de conscientização da hanseníase, essa ação foi idealizada para ocorrer na UBS São Francisco em Cariacica-ES, na qual participariam médicos do Instituto Capixaba de Ensino, Pesquisa e Inovação em Saúde (ICEPi) juntamente com médicos residentes de Medicina de Família e Comunidade do município e enfermeiros, no dia 26 de Janeiro de 2022. Antes do evento, os profissionais envolvidos foram estimulados a estudar sobre a doença, sendo explorados em reuniões prévias diversos aspectos teóricos da mesma, desde seu diagnóstico ao tratamento e reações hansênicas. Foi solicitado a todas as UBSs do município que referenciassem pessoas com lesões suspeitas, bem como contactantes domiciliares não avaliados, para participarem da ação. Solicitou-se apoio da secretaria municipal de saúde na veiculação entre as unidades dessa busca de participantes, bem como aquisição de material para o desenvolvimento da ação. Devido ao estado epidemiológico que o município se encontrava em relação a pandemia de COVID-19, não pode ser realizada uma ação com demanda espontânea, sendo limitado o quantitativo de pacientes para apenas 40 pessoas. Os atendimentos ocorreriam em quatro consultórios da unidade, com organização de horários para que não houvesse aglomeração na UBS. Também foi utilizado o auditório para recepção e orientações iniciais dos pacientes.

 

Resultados

Ao todo, vinte pacientes foram recebidos pelos profissionais de saúde no auditório da unidade durante os dois turnos de atendimento, sendo realizada uma breve conversa, explicando os objetivos da ação e um pouco acerca da hanseníase a cada usuário que chegava. Enquanto aguardavam o atendimento médico, também foram exibidos vídeos, animações curtas e disponibilizados folhetos informativos sobre a doença aos pacientes. Em seguida, os mesmos eram individualmente avaliados e examinados pelos profissionais em consultórios. Após a avaliação, todos os casos foram conduzidos conforme diagnóstico. Aqueles diagnosticados com hanseníase saíram da consulta com o tratamento prescrito, os contactantes com encaminhamento à sala de vacina para a realização da BCG (quando indicada) e todos receberam as orientações necessárias. Quando haviam alterações no exame físico destes pacientes, como áreas sem sensibilidade da pele ou espessamento neurais com alteração sensitiva, ou sequelas naqueles que já haviam tido o diagnóstico há muitos anos, após autorização do paciente, demais profissionais que estavam em outros consultórios eram convidados a participar da avaliação dos achados.

Ao final da ação foi feito uma avaliação entre os profissionais sobre a importância daquele evento em sua atuação e observou-se que, apesar de limitações terem ocorrido, tal ação foi muito válida pois reforçou a necessidade da prática para solidificar o conhecimento da doença, sobretudo ao exame físico de palpação de nervos e avaliação da sensibilidade, já que os encontros teóricos não seriam capazes de fornecer tal oportunidade de aprendizado.

Também foi levantada a importância para os pacientes de ações como esta, pois houveram cinco pacientes que foram diagnosticados, sendo direcionados para tratamento, e ainda, possibilitou intervenção sobre os contactantes, evitando a transmissão da doença e reforçando a necessidade de vigilância.

Como ponto negativo, houve o impacto da pandemia sobre o número de pacientes atendidos, entretanto, isso contribuiu para maior disponibilidade de tempo para cada paciente. Foi observada essa necessidade, visto a consulta acabar envolvendo tempo considerável de exame físico minucioso, bem como necessidade de registros, orientações aos pacientes e notificação. Esse tempo, muitas vezes na rotina dos profissionais, não é suficiente diante de agendas constantemente apertadas devido ao grande número de atendimentos de pacientes gripais na atual situação.

Observou-se também que apenas uma ação não seria o suficiente para um efetivo combate à doença, o trabalho precisa ser continuado, sendo notória a importância de uma mobilização maior por parte do município na necessidade de expandir tal ação nas demais unidades do mesmo, buscando melhorar o acesso aos atendimentos e também qualificar os profissionais de diferentes categorias que são envolvidos no atendimento desses usuários – já que a doença envolve um tratamento longo e envolvimento multiprofissional.

 

Considerações finais

A hanseníase apresenta-se como uma doença infecciosa crônica com importante complexidade nas manifestações clínicas devido sua apresentação pleomórfica, dependente da imunidade do hospedeiro e do difícil diagnóstico, além do estigma associado, que torna ainda mais desafiador o caminho para tratamento dos doentes e detecção dos contactantes. Diante das adversidades citadas é possível notar um cenário de difícil atuação de medidas de controle, sejam diagnósticas e ou prevenção de incapacidades.

Mesmo assim, devido sua capacidade de realizar um atendimento integral, acolhedor, longitudinal e promover acesso ao usuário, a Atenção Primária a Saúde (APS) deve ser a principal porta de entrada no cuidado de pacientes portadores de hanseníase. Para isso, faz-se necessário investir na capacitação dos profissionais, bem como o desenvolvimento de atividades educativas e de conscientização da população, que promovam diagnóstico, tratamento, reabilitação e prevenção de agravos para a hanseníase.