Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Dr. Google e a porta de entrada do SUS: A nova relação médico-paciente na Estratégia Saúde da Família
Cheila Pires Raquel, Kelen Gomes Ribeiro, Gerardo Clésio Maia Arruda, Ivana Cristina Holanda Cunha Barreto, Luiz Odorico Monteiro Andrade

Última alteração: 2022-02-06

Resumo


Apresentação

No oceano de informações da internet está o Google, onde acontece uma a cada vinte buscas sobre saúde no Brasil. O acesso a esse conhecimento a um clique chega a pacientes ávidos por saber o que se passa com sua própria saúde antes e depois de procurar um médico.  Com o intuito de compreender como essa nova realidade tecnológica influencia na relação médico-paciente, uma pesquisa de Mestrado do Programa de Pós-graduação em Saúde Pública da Universidade Federal do Ceará ouviu médicos e pacientes da Estratégia Saúde da Família, a porta de entrada do Sistema Único de Saúde, que por sua proposta de promoção e prevenção da saúde permite uma aproximação maior entre profissionais de saúde e usuários A pesquisa aponta que a influência desta plataforma de internet e outras tecnologias de comunicação no relacionamento médico-paciente, está diretamente ligada à educação de ambos os personagens. Pacientes que precisam ser alertados sobre os riscos e benefícios de navegar por esse mar de informações e médicos que carecem de capacitação também nesse sentido e além, visto que atuam como educadores em saúde e deles é esperada uma postura de orientador nessa equipe de navegação compartilhada.

Desenvolvimento e método

A pesquisa foi desenvolvida no contexto da ESF do município de Eusébio, que possui as equipes de Saúde da Família bem estruturadas e também um cenário socioeconômico bastante diverso por ser uma cidade em expansão. Optou-se por uma metodologia de abordagem qualitativa, exploratória e transversal. Como ponto de partida, realizou-se uma revisão bibliográfica envolvendo cinco temas geradores: Comunicação em Saúde, Estratégia Saúde da Família, Relação médico-paciente, Saúde Digital e Fake News. Na etapa de campo realizou-se entrevistas semiestruturadas com médicos e grupos focais com usuários dos três territórios nos quais está organizado a ESF Eusébio. A análise do conteúdo investigado aconteceu organizada nas categorias: acesso à informação, habilidades de comunicação e uso da informação. Utilizou-se o software NVivo como ferramenta de apoio para a organização do material.

Diante de tão instigante tema, procurou-se atender aos objetivos delineados nesta pesquisa, na medida em que buscou-se fomentar uma reflexão acerca da influência das consultas à internet (dr. Google) na nova relação médico-paciente, tudo isso em um cenário de fundamental importância para o Sistema de Saúde brasileiro, que é a Estratégia Saúde da Família. Algumas das principais situações em que usuários e médicos consultam o dr. Google sobre assuntos de saúde foram identificadas, assim como os riscos causados pelas notícias falsas que circulam na rede e também a percepção de médicos e pacientes a partir do novo diálogo permeado de informações acessadas na internet. Foi possível também constatar algumas necessidades de ações de comunicação e educação em saúde voltadas ao uso das tecnologias digitais tanto no ambiente de trabalho, envolvendo médicos e usuários, quanto nas universidades.

Resultados

Nessa trilha, este estudo ouviu dos pacientes experts e interconectados, que quando entram no consultório médico munido de informações consultadas no Dr. Google, eles não pretendem afrontar a autoridade daquele que estudou e se preparou para exercer tal função, mas do seu lugar de fala, querem ser ouvidos, porque o acesso ao conhecimento por meio de outras fontes os fez compreender que também são parte e querem ser parte, querem participar de seus planos terapêuticos e anseiam que aquele que está ali de branco, atrás do computador não apenas reconheça isso, mas valide, atue como orientador, confie neles também para que de fato possa ser estabelecida uma relação configurada agora de forma horizontal.

Ao refletirem sobre suas percepções e sentimentos acerca da necessidade de fazer buscas sobre saúde na internet, os pacientes expressaram nos grupos focais a importância da busca de um olhar, não mais de baixo para cima, mas olho no olho, à mesma altura, porque eles também pesquisam e se esforçam para adquirir um conhecimento que precisa ser considerado, e que deve leva-lo a um lugar de membro da equipe que cuida de sua própria saúde.

Encontrou-se nesse estudo que a busca por informações geralmente acontece na manifestação dos primeiros sintomas, antes de procurar atendimento médico. Mas observou-se também que a ida ao dr. Google pode acontecer depois da consulta, dependendo do quanto de confiança e clareza no diálogo médico-paciente é de fato consolidado. Restando dúvidas, está ali ao alcance de um clique o dr. Google, que esclarece sobre o tratamento prescrito, apresenta outras alternativas, disponibiliza as bulas dos remédios prescritos, "ensina" a tomar ou mostra opiniões que desaconselham seu uso totalmente.

Os pacientes reconhecem que muitas vezes a internet atua como uma "segunda opinião", outras estimula e facilita a automedicação. Por outro lado, o dr. Google também pode confirmar aquela prescrição do médico e sugerir mudanças no estilo de vida e métodos que serão bastante úteis ao tratamento.

Médicos e pacientes ouvidos nessa pesquisa são unânimes em dizer que o Google pode atrapalhar, ser um vilão, mas pode assumir também o papel de aliado e ser muito útil no processo do cuidado. Entretanto, esse direcionamento depende do nível educacional e do letramento digital de quem o acessa.

Considerações finais

Ao aprofundar o estudo sobre relacionamento médico-paciente, constatou-se o desenvolvimento de habilidades de comunicação como fundamental para a construção de um cuidado humanizado, consciente e participativo. As entrevistas revelaram que o médico reconhece a importância de seu papel como educador em saúde e sabe que sua competência para falar carrega uma credibilidade que continua respeitada pelo paciente.

Tais condições o credenciam como um moderador de pesquisas sobre saúde em plataformas como o Google, redes sociais, aplicativos etc. Podendo, inclusive, usar as informações encontradas em favor de um plano terapêutico de sucesso, potencializando as ferramentas que as tecnologias da informação lhe proporcionam.

Porém, a fala dos profissionais de saúde mostrou a insegurança e ausência de capacitação na área como um desestímulo para exercer com plenitude esse papel, eximindo-se, por exemplo, de sugerir sites confiáveis a seus pacientes. Já estes pacientes interconectados anseiam por essas sugestões sobre onde e como acessar conteúdo de qualidade e que de fato agregue conhecimento para seu plano de cuidado em saúde e os faça sentir pertencentes a essa equipe.

Constatou-se nesta pesquisa que sim, muitas nuances precisam ser consideradas, mas não sob um contexto apocalíptico do fim ou enfraquecimento de um dos lados, diante do empoderamento do outro, e sim em um fenômeno que pode ser resumido em uma palavra bastante em voga no universo interconectado: compartilhamento. Nesse relacionamento, a internet abre uma gama de possibilidades para compartilhar ideias, cuidados e responsabilidades.