Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Invisibilizados, porém evidenciados pelo estigma: dicotomias e idiossincrasias que afetam a saúde mental de jovens LGBTQIA+
Carolina Corbeceiri, Kathleen dos Tereza da Cruz, Michele Ribeiro Sgambato, Érika Fernandes Tritany

Última alteração: 2022-02-17

Resumo


Palavras-chave: Saúde Mental, Adolescentes , Jovens, Pessoas LGBTQIA+

Introdução
Historicamente, práticas não heteroafetivas eram aceitas por diferentes contextos sociais. Todavia, hodiernamente, a sociedade brasileira, assim como substantiva parcela da comunidade ocidental oprime e, muitas vezes, subjuga a população LGBTQIA+, marginalizando-a e arrefecendo suas possibilidades de existência. Consoante Foucalt, o menosprezo e desqualificação de certos corpos se consubstancia através da prática do Biopoder: corpos que fugissem daqueles padronizados como dóceis, passíveis de controle estatal, deveriam ser excluídos, modificados e/ou eliminados, seja tal extermínio material - pelo assassinato-, ou, simbólico - pela restrição de direitos, alijamento social, violações físicas e psíquicas, que minam as possibilidades do ser.Nessa perspectiva, é importante discorrer sobre o impacto das opressões na vida de adolescentes LGBTQIA+. A juventude é um momento no qual, frequentemente, há maior suscetibilidade a transtornos psicológicos, como ansiedade, depressão, e ideação suicida. Entretanto, em jovens LGBTQIA+, a preponderância dessas doenças é substancialmente maior do que em héterossexuais, explicitando a necessidade de que nós, futuros profissionais da saúde, estudemos e tracemos possibilidades para mitigar essa realidade. Objetivo: Refletir sobre os impactos da discriminação de gênero e orientação sexual na saúde mental de adolescentes LGBTQIA+ .  MétodosFoi desenvolvido um relato de experiência, constituído a partir de análises, debates e entrevistas (semi-estruturas e não estruturadas) que ocorreram em atividades tutoriais sobre Saúde da População LGBTQIA+ da disciplina Saúde da Comunidade II, componente curricular do segundo período da graduação em Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, campus Macaé,  sob a modalidade de ensino remoto emergencia. Durante encontros semanais, o grupo teve a oportunidade de ler artigos; refletir sobre manifestações artísticas (filmes, músicas, documentários); debater políticas públicas voltadas às pessoas LGBTQIA+ ; e realizar entrevistas com uma médica endocrinologista, atuante em serviço de referência, do estado do Rio de Janeiro, para o atendimento do público transexual, e com três pessoas transexuais (duas mulheres e um homem trans), usuários do Sistema Único de Saúde. Assim, houve intensa troca entre os participantes, de modo a consolidar novos saberes acerca dos direitos, das vulnerabilidades e do papel do profissional de saúde no contexto da população LGBTQIA+ .  Resultados e discussãoDenomina-se identidade de gênero a percepção e identificação do indivíduo perante si mesmo, de modo convergente ou divergente dos demais determinantes (como o sexo biológico e/ou a orientação sexual) . Assim, pode-se classificar, de modo amplo, o gênero em : não binário, cisgênero ou transgênero, caso o indivíduo não se identifique com nenhum gênero, se sinta pertencente ao gênero consonante a seu sexo biológico ou se sinta pertencido ao gênero distinto ao seu sexo biológico, respectivamente. Contudo, conceitua-se como orientação sexual a característica do indivíduo de se sentir, ou não, atraído por outro, sendo este de gênero igual, diferente ou ambos. Logo, pode-se definir, de modo geral, a homossexualidade (atração pelo mesmo gênero), a heterossexualidade (atração pelo sexo oposto), a bissexualidade (atração por ambos os sexos), a assexualidade (escassez de atração por ambos os sexos) e a pansexualidade (atração por pessoas, independente do sexo biológico e do gênero).Assim, podemos refletir: embora a Conastituição afirme, em seu artigo quinto, as garantias e direitos fundamentais dos cidadãos, infelizmente, na prática, há grande desrespeito às formas de vida e de existência que destoam dos padrões cisgênero e heteronormativos, arraigados no âmago preconceituoso de parcela significativa da sociedade. Segundo Dossiê produzido pela  Associação Nacional de Travestis e Transexuais, o Brasil é o país que mais mata a população trans no mundo. No primeiro bimestre de 2020, houve aumento de 90% dos homicídios, em comparação com o de 2019. Ademais, o Brasil passou de 55º para 68º  no ranking dos países mais seguros para a população LGBTQIA+. Assim, o simples exercício da liberdade, garantida constitucionalmente, em sociedade tão violenta e intolerante, já propcia profundo temor. Temor pela violação da dignidade; pela marginalização familiar; pela própria vida. Esse cenário é ainda mais cruel ao analisar jovens LGBTQIA+. Dentre diversas razões, o fato do adolescente estar em uma fase de amadurecimento, com a área do cérebro responsável pelas decisões em formação, tende-se a utilizar a amígdala (região responsável pelos comportamentos impulsivos, agressivos, emotivos e instintivos) para deliberar. Assim, fisiologicamente, as tonsilas palatinas tornam os comportamentos mais “emocionais’’ e menos “racionais’’. Ademais, fatores exógenos, como pressão social, tentativa de pertencimento a grupos,  preocupações com empregabilidade e renda futuras; e endógenos, como busca pelo autoconhecimento do “seu lugar no mundo’’  e mudanças hormonais, fazem da instabilidade uma constante juvenil. Entretanto, mediante um corpo social arraigado em valores retrógrados de famílias majoritariamente heteroafetivas, onde impera a intolerância de gênero e orientação sexual, valores antiquados e, até mesmo, criminosos, são reverberados rotineiramente.Logo, muitos  jovens LGBTQIA+ habitam e frequentam ambientes de extrema repressão, como em instituições religiosas, escolas, ruas, em suas casas . Alguns desses tristes relatos de opressão, evidenciados em um artigo que entrevistou adolescentes LGBTQIA+, e as consequências nefastas das violências sofridas por um dos participantes, foram disponibilizados abaixo:‘’É, meus pais eles então foram procurando [...] entender, tanto é que me levaram para igreja [...]. Foi até quando tentaram falar que iam fazer um exorcismo em mim.”‘’Então, digamos que na época daquela escola eu tinha uma aparência muito mais feminina do que eu tenho agora. Então lá os meninos me achavam meio que aquele experimento que falam, né? Eu sofri uma agressão, (pausa) na escola (pausa), eu sofri um estupro coletivo de colegas da minha escola e foi uma época que eu quis parar mesmo de estudar por motivos de saúde mesmo, e não me senti bem no ambiente escolar, foi a época que eu me senti mais (suspira) vulnerável. ‘’‘’É um trauma, uma cicatriz que fica ali com você. É um medo de você sair de casa, é o medo de você pegar um ônibus, é um trauma que fica, é uma cicatriz enorme que impede que você viva no meio social.’’   O relato supracitado  confirma as estatísticas: segundo artigo da Pediatrics, a probabilidade suicídio entre adolescentes heterossexuais é de 4%, enquanto que, nesta mesma faixa etária, esse indíce aumenta 5 vezes nos não heterossexuais . Outrossim, uma pesquisa realizada no estado do Ceará, Brasil, indicou que, dentre as principais queixas da população LGBTQIA+ estão tristeza, baixa autoestima, ansiedade, depressão e insônia.  ConclusãoConsoante Durkheim, em Suicídio, a anomia compreende um indivíduo que, marginalizado pela sociedade , perde seu sentido de pertencimento comunitário e, conseguintemente, de vida. Pelas reflexões supracitadas, percebe-se que adolescentes LGBTQIA+ são indivíduos de extrema vulnerabilidade psíquica, constituindo um grupo com risco aumentado para doenças relacionadas à saúde mental, como depressão, ansiedade, pretensões suicídas e suicídios, devido ao estresse fomentado pelo medo de exercerem seus respectivos gêneros e/ou orientações sexuais; aos transtornos de fobia associados a traumas, potencializadores da própria condição de instabilidade inerente a ser jovem.Assim, concluímos que é fundamental ao profissional de saúde atuar no acolhimento desses jovens, cumprindo e expandindo as compreensões sobre a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Portanto, é necessário eliminar barreiras sociais e fomentar atendimento integral, equânime e universal, contemplando as demandas e necessidades desse grupo. Logo, a partir da nossa mobilização, enquanto promotores de saúde e cidadãos, construiremos uma nação mais justa e segura, que contemple as multiplicidades das vidas e liberdades da população LGBTQIA+.