Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
Tamanho da fonte: 
Encontros com o passado: limites e desafios para o cuidado em saúde mental na internação
Lucas Kenzo Ozera, Maria Eduarda Oliveira Silva, Luanna Fernanda Oliveira, Ana Clara Lemes, Milena Fabricio Rezende, Matheus Diniz Ferreira Ribeiro, Tiago Rocha Pinto, Alex Barbosa Sobreira Miranda

Última alteração: 2022-02-11

Resumo


Apresentação e objetivo: Em março de 2020 a Organização das Nações Unidas declarou a Pandemia de COVID-19, nesse momento o Brasil já estava acometido com casos desse vírus, com implicações variadas, em especial no cenário da saúde e da educação. Com as restrições devido ao novo corona vírus, o Ministério da Educação autorizou, excepcionalmente, a oferta de componentes curriculares por meio de atividades desenvolvidas remotamente como substitutas do modelo presencial. Nesse contexto, a área da saúde é bastante impactada posta que parte significativa do processo de aprendizagem ocorre por meio de atividades nos cenários práticos e relacionados a pandemia -como, por exemplo, a rede de atenção básica e os hospitais-escola. O curso de Medicina foi o primeiro curso da Faculdade de Medicina da Faculdade Federal de Uberlândia (FAMED-UFU) a aprovar calendário especial que possibilitava o retorno das atividades práticas presenciais para os/as estudantes do primeiro ao oitavo períodos, considerando que os/as estudantes do ciclo de estágio supervisionado (internato) não ocorreram a interrupção da oferta. Os/As estudantes ingressantes no curso de Medicina tiveram suas primeiras experiências de ensino presencial por meio do componente curricular Saúde Coletiva I. Nossa proposta objetiva apresentar e discutir parte dessa experiência. Em consonância com as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso e o Projeto Político Pedagógico em vigência, o processo de ensino-aprendizagem é construído tendo como orientação a metodologia ativa. A pandemia COVID-19 trouxe diferentes desafios que nos atravessaram em múltiplas camadas, entre elas a da necessidade da retoma das aulas como descrito acima. No contexto particular da imunização dos/as estudantes e docentes tivemos condições para iniciar algumas atividades presenciais, ainda que em cenário de considerável restrição pela necessidade de cumprir as medidas sanitárias. Na nossa instituição são previstos/as 60 ingressantes por semestre, assim sendo a turma foi dividida em 10 equipe com 06 componentes em cada. Os/As estudantes da Equipe Ecomapa foram direcionados/as para realizarem observação no setor de Saúde Mental do Hospital de Clínicas que é responsável pela internação dos/as usuários/as em momento de crise. Nosso interesse é discutir a estratégia de ensino que foi construída por docentes e preceptores em colaboração ativa dos/as estudantes para que os saberes sobre o Sistema Único de Saúde – tema central do componente – que inicialmente se faria na Rede de Atenção Básica fosse deslocado para a Atenção Especializada - uma vez que todo o cenário estava comprometido com o enfrentamento da Pandemia e a rede municipal de saúde não poderia receber os/as estudantes – e ainda assim produzir situações de aprendizagens exitosas.Desenvolvimento do trabalho:A equipe foi subdividida em 03 duplas que rodiziaram em oito encontros distribuídos em novembro e dezembro de 2021, na enfermaria destinada à internação de usuários/as em sofrimento mental no momento de crise. O preceptor do grupo foi o psicólogo que atende no setor. Primeiramente, ele apresentou o processo de admissão dos/as usuários/as uma vez que o Pronto Socorro do HC não atende demanda em psiquiatria. Referiu que, essencialmente, os/as usuários/as são referenciados/as das Unidades de Atendimento Integral (UAI) que funcionam como pronto atendimento para esses casos no município e encaminham em caso de necessidade. Também são recebidos/as usuários/as encaminhados/as do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) do próprio município. O serviço conta com equipe multidisciplinar composta por: terapeuta ocupacional, psicólogo, psiquiatra, enfermeiro e técnico de enfermagem. Identificamos também a presença constante das estudantes da Residência Multiprofissional e Residência Médica em Psiquiatria. O espaço físico é divido em duas alas (masculina e feminina) conectadas por um extenso corredor; e no meio tem um saguão com mesas de cimento, mesa de jogos e um televisor grande na parede. Nesse saguão fica o posto de enfermagem e descendo para o primeiro piso tem um portão que dá acesso a um pátio aberto com mesas, bancos e um espaço coberto com mesas, cadeira e quadros negros. O espaço é utilizado pela equipe multidisciplinar para realizar dinâmicas e também para que o/a usuário/a possa transitar livremente, no entanto o seu horário de abertura é irregular, o que propiciava a concentração de usuários/as no saguão e nas áreas internas do corredor. São vinte cinco leitos, separados em: doze femininos e treze masculinos; cada quarto acomoda até três usuários/as, com exceção para os momentos em que estão internados/as adolescentes, estes/as ocupam quartos individualmente. Em duas ocasiões, o grupo de estudantes participou de oficinas terapêuticas centradas na produção de arte e pintura e, posteriormente, as pinturas e desenhos foram expostos num mural. Quanto a relação dos membros da equipe entre si e com o/a usuário/a, uma situação identificada com frequência é a aparente falta de comunicação entre os/as profissionais e os/as usuários/as, os quais relataram não receberem informações para onde estão sendo encaminhados, qual a conduta será adotada (perguntavam insistentemente pelo/a médico/a responsável e sobre o dia da alta). Durante as observações alguns/algumas usuários/as demonstravam surpresa com a internação e outros/as planejamento de fuga (tendo ocorrido uma durante a semana de nossa permanência). As queixas dos/as usuários eram dirigidas aos/às trabalhadores da equipe de enfermagem e vigilância, considerados/as pouco gentis. No entanto, as dúvidas e ausências relatadas se destinavam à equipe médica, caracterizada como ausente.Resultados e impactos:Os arranjos que possibilitaram o retorno das atividades presenciais exigiram dos/as estudantes autonomia e atitude investigativa  na integração entre os conteúdos e na construção de conhecimento. Compreender a Reforma Psiquiátrica podendo identificar elementos de sua crítica, avanços e permanências e ainda, compreender a importância do trabalho em rede. Perceber o mecanismo da porta giratória, na qual o/a usuário/a recebe alta e retorna sem mesmo ter acesso o serviço ambulatorial abria os espaços para pensar o que significa um projeto terapeutico compartilhado e pactuado entre os serviços/usuário/a/famílias. Identificar resquícios do modelo hospitalocêntrico/manicomial no qual predomina uma estrutura hierarquizada de cuidado e tratamento, com pouquíssimo contato da família dos/as usuários/as - ocasionado tanto por essa hierarquização equipe-interno quanto pelo contexto pandêmico do COVID-19-. É inegável a relevância do setor de internação em Saúde Mental, sendo o único serviço público credenciado nessa modalidade no município. No entanto, o que mais chamou a atenção é para aspectos do relacionamento equipe-usuário/a e na perpetuação de práticas que parecem resistir aos avanços do cuidado em saúde mental que parece ainda não inserir o profissional médico. A prática médica parece ainda estar relacionada ao cuidado restrito no espaço do consultório e ao momento da consulta, como nossas observações ocorriam no período da tarde, apenas em um único momento acompanhamos uma intervenção do psiquiatra ao realizar um procedimento de interconsulta no HC.Considerações finais:A experiência se mostrou exitosa para observarmos que a construção de uma política pública e a prática de cuidados não é apenas compreender/ter acesso a um conjunto de portarias e regulações. Aspectos e conceitos apresentados como referências para a reforma sanitária, reforma psiquiátrica e constituição do próprio SUS estão em disputa cotidianamente.Nossa prática possibilitou identificar a pertinência de traçar com os/as usuários/as o itinerário terapêutico para que a Rede possa se reconhecer e corresponsabilizar pelo cuidado e pela execução da política de atenção.