Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida
v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Última alteração: 2022-02-11
Resumo
Apresentação e objetivo: Em março de 2020 a Organização das Nações Unidas declarou a Pandemia de COVID-19, nesse momento o Brasil já estava acometido com casos desse vírus, com implicações variadas, em especial no cenário da saúde e da educação. Com as restrições devido ao novo corona vírus, o Ministério da Educação autorizou, excepcionalmente, a oferta de componentes curriculares por meio de atividades desenvolvidas remotamente como substitutas do modelo presencial. Nesse contexto, a área da saúde é bastante impactada posta que parte significativa do processo de aprendizagem ocorre por meio de atividades nos cenários práticos e relacionados a pandemia -como, por exemplo, a rede de atenção básica e os hospitais-escola. O curso de Medicina foi o primeiro curso da Faculdade de Medicina da Faculdade Federal de Uberlândia (FAMED-UFU) a aprovar calendário especial que possibilitava o retorno das atividades práticas presenciais para os/as estudantes do primeiro ao oitavo períodos, considerando que os/as estudantes do ciclo de estágio supervisionado (internato) não ocorreram a interrupção da oferta. Os/As estudantes ingressantes no curso de Medicina tiveram suas primeiras experiências de ensino presencial por meio do componente curricular Saúde Coletiva I. Nossa proposta objetiva apresentar e discutir parte dessa experiência. Em consonância com as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso e o Projeto Político Pedagógico em vigência, o processo de ensino-aprendizagem é construído tendo como orientação a metodologia ativa. A pandemia COVID-19 trouxe diferentes desafios que nos atravessaram em múltiplas camadas, entre elas a da necessidade da retoma das aulas como descrito acima. No contexto particular da imunização dos/as estudantes e docentes tivemos condições para iniciar algumas atividades presenciais, ainda que em cenário de considerável restrição pela necessidade de cumprir as medidas sanitárias. Na nossa instituição são previstos/as 60 ingressantes por semestre, assim sendo a turma foi dividida em 10 equipe com 06 componentes em cada. Os/As estudantes da Equipe Ecomapa foram direcionados/as para realizarem observação no setor de Saúde Mental do Hospital de Clínicas que é responsável pela internação dos/as usuários/as em momento de crise. Nosso interesse é discutir a estratégia de ensino que foi construída por docentes e preceptores em colaboração ativa dos/as estudantes para que os saberes sobre o Sistema Único de Saúde – tema central do componente – que inicialmente se faria na Rede de Atenção Básica fosse deslocado para a Atenção Especializada - uma vez que todo o cenário estava comprometido com o enfrentamento da Pandemia e a rede municipal de saúde não poderia receber os/as estudantes – e ainda assim produzir situações de aprendizagens exitosas.Desenvolvimento do trabalho:A equipe foi subdividida em 03 duplas que rodiziaram em oito encontros distribuídos em novembro e dezembro de 2021, na enfermaria destinada à internação de usuários/as em sofrimento mental no momento de crise. O preceptor do grupo foi o psicólogo que atende no setor. Primeiramente, ele apresentou o processo de admissão dos/as usuários/as uma vez que o Pronto Socorro do HC não atende demanda em psiquiatria. Referiu que, essencialmente, os/as usuários/as são referenciados/as das Unidades de Atendimento Integral (UAI) que funcionam como pronto atendimento para esses casos no município e encaminham em caso de necessidade. Também são recebidos/as usuários/as encaminhados/as do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) do próprio município. O serviço conta com equipe multidisciplinar composta por: terapeuta ocupacional, psicólogo, psiquiatra, enfermeiro e técnico de enfermagem. Identificamos também a presença constante das estudantes da Residência Multiprofissional e Residência Médica em Psiquiatria. O espaço físico é divido em duas alas (masculina e feminina) conectadas por um extenso corredor; e no meio tem um saguão com mesas de cimento, mesa de jogos e um televisor grande na parede. Nesse saguão fica o posto de enfermagem e descendo para o primeiro piso tem um portão que dá acesso a um pátio aberto com mesas, bancos e um espaço coberto com mesas, cadeira e quadros negros. O espaço é utilizado pela equipe multidisciplinar para realizar dinâmicas e também para que o/a usuário/a possa transitar livremente, no entanto o seu horário de abertura é irregular, o que propiciava a concentração de usuários/as no saguão e nas áreas internas do corredor. São vinte cinco leitos, separados em: doze femininos e treze masculinos; cada quarto acomoda até três usuários/as, com exceção para os momentos em que estão internados/as adolescentes, estes/as ocupam quartos individualmente. Em duas ocasiões, o grupo de estudantes participou de oficinas terapêuticas centradas na produção de arte e pintura e, posteriormente, as pinturas e desenhos foram expostos num mural. Quanto a relação dos membros da equipe entre si e com o/a usuário/a, uma situação identificada com frequência é a aparente falta de comunicação entre os/as profissionais e os/as usuários/as, os quais relataram não receberem informações para onde estão sendo encaminhados, qual a conduta será adotada (perguntavam insistentemente pelo/a médico/a responsável e sobre o dia da alta). Durante as observações alguns/algumas usuários/as demonstravam surpresa com a internação e outros/as planejamento de fuga (tendo ocorrido uma durante a semana de nossa permanência). As queixas dos/as usuários eram dirigidas aos/às trabalhadores da equipe de enfermagem e vigilância, considerados/as pouco gentis. No entanto, as dúvidas e ausências relatadas se destinavam à equipe médica, caracterizada como ausente.Resultados e impactos:Os arranjos que possibilitaram o retorno das atividades presenciais exigiram dos/as estudantes autonomia e atitude investigativa na integração entre os conteúdos e na construção de conhecimento. Compreender a Reforma Psiquiátrica podendo identificar elementos de sua crítica, avanços e permanências e ainda, compreender a importância do trabalho em rede. Perceber o mecanismo da porta giratória, na qual o/a usuário/a recebe alta e retorna sem mesmo ter acesso o serviço ambulatorial abria os espaços para pensar o que significa um projeto terapeutico compartilhado e pactuado entre os serviços/usuário/a/famílias. Identificar resquícios do modelo hospitalocêntrico/manicomial no qual predomina uma estrutura hierarquizada de cuidado e tratamento, com pouquíssimo contato da família dos/as usuários/as - ocasionado tanto por essa hierarquização equipe-interno quanto pelo contexto pandêmico do COVID-19-. É inegável a relevância do setor de internação em Saúde Mental, sendo o único serviço público credenciado nessa modalidade no município. No entanto, o que mais chamou a atenção é para aspectos do relacionamento equipe-usuário/a e na perpetuação de práticas que parecem resistir aos avanços do cuidado em saúde mental que parece ainda não inserir o profissional médico. A prática médica parece ainda estar relacionada ao cuidado restrito no espaço do consultório e ao momento da consulta, como nossas observações ocorriam no período da tarde, apenas em um único momento acompanhamos uma intervenção do psiquiatra ao realizar um procedimento de interconsulta no HC.Considerações finais:A experiência se mostrou exitosa para observarmos que a construção de uma política pública e a prática de cuidados não é apenas compreender/ter acesso a um conjunto de portarias e regulações. Aspectos e conceitos apresentados como referências para a reforma sanitária, reforma psiquiátrica e constituição do próprio SUS estão em disputa cotidianamente.Nossa prática possibilitou identificar a pertinência de traçar com os/as usuários/as o itinerário terapêutico para que a Rede possa se reconhecer e corresponsabilizar pelo cuidado e pela execução da política de atenção.