Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Das Vivências e Estágios na Realidade do Sistema Único de Saúde (VER-SUS) ao entrelaçamento entre engenharia sanitária e ambiental, saúde coletiva e reforma agrária popular agroecológica
Andressa Roana Costa Schley

Última alteração: 2022-02-11

Resumo


O presente resumo disserta brevemente a relação entre os projetos Vivências e Estágios na Realidade do Sistema Único de Saúde (VER-SUS), Estágio Interdisciplinar de Vivências (EIV) e a proposta de pesquisa de mestrado de uma engenheira sanitarista e ambiental na área interdisciplinar de Agroecologia e desenvolvimento rural sustentável. Relata resumidamente a experiência praticada pelos projetos em Santa Maria, Rio Grande do Sul, e seus desdobramentos acadêmicos na pós-graduação fora das ciências da saúde. O VER-SUS se comprova um instrumento potente de formação profissional comprometida com a população e de alcance interdisciplinar.

O VER-SUS é um projeto de qualificação de futuros profissionais através das estratégias de vivências no Sistema Único de Saúde (SUS), educação permanente em saúde e interdisciplinariedade, executado pela Associação Brasileira da Rede Unida. Parte da compreensão ampliada do conceito de saúde, dos temas sobre questões sociais, gênero, raça e sexualidade e do reconhecimento do papel dos movimentos sociais, tornando-se um projeto rico e diferenciado. Tem como objetivo maior a formação de estudantes comprometidos/as ético e politicamente com as necessidades da população e que se entendam como atores sociais capazes de promover transformações a partir do trabalho. As edições são auto-organizadas por grupos interessados inscritos em edital.

Em Santa Maria as edições são historicamente organizadas por estudantes da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) organizadas/os em diretórios acadêmicos, com forte atuação do Diretório Central das e dos Estudantes (DCE UFSM) e, desde 2013, pelo Coletivo Sou SUS, uma articulação resultado da plenária final do VER-SUS inverno daquele ano. As edições em Santa Maria tem caráter imersivo de 10 a 15 dias, em estruturas isoladas e arborizadas na UFSM em Santa Maria, em Silveira Martins ou em sede comunitária de assentamentos rurais. As estruturas de alojamentos, cozinha e banheiros são coletivos e montados pela comissão organizadora. A organização estrutural, metodológica e pedagógica é guiada pela Educação Popular e inspirada no funcionamento dos movimentos sociais, principalmente no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Esse funcionamento oportuniza a compreensão dos determinantes sociais do processo saúde-doença e as potencialidades de organização e transformação na saúde da população brasileira.

Dividido em três etapas, a primeira conta com uma formação teórica sobre funcionamento da sociedade, do SUS e de temas pertinentes à saúde coletiva; a segunda etapa são as vivências, na qual são conhecidas unidades dos diferentes níveis de atenção à saúde, aldeias indígenas, ocupações urbanas e assentamentos rurais; e a terceira é para socialização das experiências e debates formativos e propositivos para saúde pública coletiva. A interdisciplinariedade vai para além dos cursos das ciências da saúde e possui uma incidência do movimento estudantil e dos movimentos sociais.

O movimento estudantil que organiza o VER-SUS Santa Maria comumente também participa e organiza o Estágio Interdisciplinar de Vivências em Santa Maria (EIV-SM), o qual é um projeto de imersão semelhante, também com objetivo de formação complementar para profissionais comprometidos com a classe trabalhadora, porém esse com suas especificidades e enfoque na compreensão da realidade rural pela Reforma Agrária Popular. O EIV-SM realiza as imersões e as vivências em assentamentos do MST no Rio Grande do Sul. As organizações do EIV-SM e VER-SUS Santa Maria compartilham entre si as experiências e aprendizados, entrelaçam os debates de forma a somar e aprimorar ambos estágios.

As diversas e ricas experiências vivenciadas com o VER-SUS Santa Maria desde estagiária em 2014, facilitadora em 2015, palestrante e apoio nas demais edições e ativididades; e como estagiária do EIV-SM em 2016 e organização em 2018 e 2019, renderam o desenvolvimento de uma capacidade de análise crítica sobre a sociedade e um envolvimento militante e profissional enquanto engenheira sanitarista e ambiental pela saúde pública e pela reforma agrária popular. Para além disso, renderam também relações com as pessoas e os locais, realidades e demandas conhecidas, vínculos e comprometimentos estabelecidos que extrapolam os estágios, permeiam a vida e o trabalho.

As experiências e aprendizados dessas vivências se acumularam em vontade de continuar estudando e contribuindo com as pautas, de forma que os temas da saúde coletiva, promoção de saúde, qualidade de vida, sociedade, saneamento, meio rural, reforma agrária, estratégias de desenvolvimento, organização e método se entrelaçaram e formaram subsídio para uma proposta de pesquisa de mestrado. A pesquisa “Famílias rurais enfrentando a pandemia do COVID-19: contribuições do modo de viver camponês agroecológico para um modelo de desenvolvimento sustentável de combate a doenças” está sendo proposta pela autora para o Programa de Pós-Graduação em Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável (PPGADR) da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Campus Laranjeiras do Sul, Paraná, o qual está dentro de uma área de assentamento do MST. A proposta nasce das reflexões sobre a realidade brasileira e dos debates interdisciplinares desenvolvidos nessas vivências, dialogando agora com a conjuntura atual e problemática da pandemia do COVID-19.

A pesquisa pretende estudar o contexto da pandemia do COVID-19 no meio rural, de modo a investigar a relação entre o modo de viver camponês agroecológico desenvolvido pelo MST e a promoção de saúde, buscando compreender no que as características desse modo de vida influenciam no enfrentamento da pandemia, e contribuir com apontamentos para novos modelos de desenvolvimento, que sejam sustentáveis e saudáveis. Parte da problematização da cultura de êxodo rural que define o meio urbano como um local melhor para se morar, mas pode ser constatado na pandemia que não apresenta condições seguras e plenas para todos. Reformas e transformações adequadas podem resultar em territórios com menores índices de propagação de doenças e ambientes mais adequados para a população enfrentar possíveis novas pandemias, epidemias, endemias e surtos.

Os locais para a pesquisa de campo estão sendo escolhidos a partir das relações estabelecidas pelo VER-SUS Santa Maria, na ideia de partir de onde os pés já pisam para dar continuidade e cada vez mais avanços às caminhadas coletivas. Mais uma oportunidade de firmar e aprofundar os vínculos estabelecidos entre o estágio, os assentamentos e as pautas, visualizando a continuidade do estágio e uma retroalimentação teórica e prática. Continuar ocupando a academia e os espaços de visibilidade com as elaborações e construções desse povo que muito faz, nos ensina e que sempre nos acolhe com tanta vontade durante os projetos do VER-SUS Santa Maria, EIV-SM e nas demais lutas. Um povo que produz não só alimentos saudáveis, mas também história, resistência e um projeto referência para a sociedade que sonhamos: com trabalho digno, qualidade de vida, educação e organização coletiva; que será alcançado através da Reforma Agrária Popular, da Agroecologia, da Educação Popular e do trabalho coletivo e emancipador. Projeto esse que já se vê em prática nos assentamentos, nas cooperativas, nas escolas e nos demais trabalhos do MST.

Fica visível a importância e o potencial do projeto VER-SUS para além da formação de profissionais da saúde para atuação no SUS, mas ele cumpre também um papel de formação crítica ampla e inserção da saúde como um tema transversal a todas as profissões. A possibilidade de continuidade de elaboração acadêmica e pesquisa pós estágio significa levar o VER-SUS e os princípios do SUS para a produção de ciência em diversas áreas do conhecimento. Dessa forma, destaca-se o caráter interdisciplinar, imersivo e popular do VER-SUS Santa Maria como características contribuintes na formação de profissionais comprometidos com a vida e a saúde da população brasileira.