Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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O COTIDIANO MÉDICO E A NECESSIDADE DE LIDAR COM A MORTE
Eduardo Silva Áglio Júnior, Maria Goretti Rodrigues

Última alteração: 2022-02-04

Resumo


Qual é a relação entre médico, paciente e a necessidade de se conversar sobre a morte? Essa questão suscitou nossa pesquisa, que é atravessada pela importância dos cuidados paliativos para que a finitude da vida se dê tranquilamente.

Quando somos alunos de um curso de medicina é comum imaginarmos que o foco de nossa formação seja a cura das doenças, o tratamento dos sintomas, quase um desafio de driblar a morte. É um traço da graduação de medicina, o enfoque no modelo técnico-científico que busca a extrema valorização da cura, deslocando a relação mais humana entre médico-paciente para um segundo plano; e a morte, parte integral do ciclo da vida, passa a ser considerada um evento indesejável, prorrogável e que se pretende expulsar do cotidiano.

Nos debruçamos sobre a formação médica, pois, tão logo encontrem-se em atividade, esses profissionais da saúde se verão diante de dilemas acerca da tomada de decisões sobre questões de vida e morte de seus pacientes com doenças progressivas, incuráveis ou fatais. O risco do apagamento da morte na formação é uma atuação médica voltada para o uso exagerado das tecnologias e intervenções desnecessárias e vazias, o que chamamos de distanásia. Outra questão é que estamos aqui diante de uma linha tênue entre a compreensão de seu papel e a frustração na profissão.

Nossa reflexão surge de três momentos de nossa caminhada: a de quem já esteve em formação médica e, atualmente, a de quem atua tanto em clínica médica quanto na formação de novos profissionais.

Colocamos nossos apontamentos, então, baseados na empiria e devidamente calçados em autores e documentos que corroboram conosco que há uma necessidade de se revistar o modelo formativo dos profissionais de saúde, a urgência em se trabalhar as questões de comunicação entre os profissionais e seu público e, por fim, no longo processo a ser percorrido para que o conversar sobre a morte e o morrer perca o estigma ganhado ao longo da história e deixe de ser um tabu entre todas as pessoas.

O objetivo desse trabalho é mapear a percepção de médicos e estudantes de medicina sobre a produção do cuidado diante da morte.

Caminho metodológico

Frisamos a questão da subjetividade tanto porque nos aproximamos dessa leitura através de nossa metodologia de pesquisa ao longo desse trabalho, que tem como base uma análise cartográfica da formação de alunos de um curso de medicina, quanto pelo fato de entendermos que trabalhar com a morte cria um vínculo com a dor, uma sensação subjetiva. Nesse sentido, consideramos ser um passo importante que ao abordar a formação dos profissionais da área de saúde tenhamos alguns mapeamentos específicos: o significado da morte e do morrer para esses estudantes; a forma como eles encaram os seus limites terapêuticos diante de cada caso; a formação que recebem em seus cursos no que diz respeito ao trato com o paciente, à humanização e ao cuidado de si e do outro; como percebem e trabalham a questão da linguagem e da comunicação na relação paciente-médico; como enxergam os pacientes com doenças incuráveis e/ou em situações de terminalidade. Embora a lista pareça extensa, é possível que se trace uma linha de análise através não só da observação de literaturas sobre os temas, documentações acerca dos cursos de formação, mas através de uma inserção no campo.

Além de uma revisão bibliográfica, pautamos nossos estudos na Carta de Praga, publicada em 2013, e que traz a questão dos cuidados paliativos como um direito humano e apela aos governos que repensem suas estruturas de saúde pública e atendimento médico nos casos de pacientes com doenças incuráveis e/ou em estados terminais, uma vez que esse atendimento é uma obrigação legal do Estado.

Ao trabalharmos com a Carta de Praga, nosso objetivo é compreender o que são os cuidados paliativos, como eles refletem na qualidade de vida dos pacientes e como a incorporação desse conceito na formação médica se converte em uma boa prática da clínica e dos cuidados em saúde.

Resultados e impactos preliminares

No contato com os estudantes, interagindo com eles, entrevistando-os e colhendo tanto dados diretos quando as nuances de suas subjetividades, aproximamo-nos de uma cartografia da visão dos acadêmicos sobre sua própria condição de profissional em construção. Propomos, então, uma reflexão: o início começa com o fim? Por vez, na carreira médica, ou na área da saúde, sim. É diante da morte que os médicos e profissionais da saúde se questionam sobre suas habilidades e competências da forma como elas foram construídas ao longo de sua graduação. Também é diante da morte que seus limites são testados. Seja sua estrutura psicológica, seja seu domínio da língua e da capacidade comunicacional para transmitir a notícia de falecimento. Emergiram questões religiosas e filosóficas acerca de nossa finitude e brevidade e sobre o sentido da vida ou de proceder a determinados tratamentos médicos. É diante da morte que o profissional de saúde pode perceber o hiato que se construiu entre ele e o seu principal objeto de trabalho: seu paciente e não a doença como pensava. Por muitos e muitos anos, e ainda encontramos esse tipo de formação, as áreas da saúde foram treinadas para desafiar a morte, para proporcionar a cura e restabelecer a saúde. É a ênfase no caráter técnico. Mecânico. Automatizado. Com os interditos que foram recaídos sobre a morte e o morrer, parece que os profissionais da saúde foram, aos poucos, se desumanizando.

Como resultados preliminares da pesquisa de mestrado em andamento, a literatura confirma que o médico que recebeu uma formação que não o preparou para lidar com a morte tem seus sentimentos expostos e pode sofrer com o dilema de enfrentar o seu paciente dando uma notícia de enfermidade grave ou fatal. Seja porque compreende de imediato, nessa situação que o paciente não é sua doença, mas um ser social, com história e relações pessoais, seja porque não se sente preparado para encarar essa realidade.

Nossos médicos, em geral, são pouco preparados para lidar com os assuntos de morte. E essa não é apenas uma questão referente à sua formação na graduação, mas um reflexo da sociedade em si: não falamos sobre a morte e o morrer. Adotamos uma postura de negação dela. Não reconhecemos que somos finitos. E, dessa forma, criamos em nós um véu de imortalidade.

Considerações finais

Nossa pesquisa cartográfica busca embasar a proposição de uma nova possibilidade formativa, integrativa e instrumentalizadora no curso de medicina, a fim de que possam ter seus trabalhos mais humanizados e em coerência com as tendências mundiais.

Proporcionar uma assistência humanizada, pensando na ética do cuidado, demanda a construção de um sistema de aprendizagem e de atuação que mostre a grandeza e a força do compartilhar palavras e emoções, mostrando não só o desenvolvimento de atitudes mais humanas e de uma capacidade comunicacional adequada. É preciso cuidar do processo de cuidar, do cuidar de si, e do cuidar do outro e de se entender ativo nesse processo que desencadeia práticas de promoção, proteção ou recuperação da saúde  e acompanhamento de todo o processo.