Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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USO DE NARRATIVAS CLÍNICAS EM GRUPO TUTORIAL VINCULADO A PROGRAMA DE ENSINO PELO TRABALHO: RELATO DE EXPERIÊNCIA
Monika Wernet, Renata Giannecchini Bongiovanni Kishi, Ana Carolina de Campos, Maria Fernanda Barboza Cid, Jair Borges Barbosa Neto

Última alteração: 2022-02-11

Resumo


APRESENTAÇÃO: No Brasil, a parceria e colaboração interprofissional na saúde está descrita como lacunar com apontamentos de que a educação interprofissional(EIP) pode ser uma das estratégias para o avanço. Em 2018, como parte do plano de implementação EIP no Brasil, o Programa de Ensino pelo Trabalho(PET) efetivou chamada no tema das práticas interprofissionais, nomeado de “PET-Interprofissionalidade”. O presente relato de experiência ocorre a partir das ações do PET-Interprofissionalidade de um município do interior do estado de São Paulo, especificamente dos grupos tutoriais com enfoque na Rede Cegonha, compostos por  tutoras,  preceptoras e estudantes de diferentes cursos da saúde (educação física, enfermagem, fisioterapia, medicina, psicologia e terapia ocupacional). Os cenários de prática foram unidades básicas de saúde (ESF e modelo tradicional), vigilância epidemiológica e maternidade. Algumas das ações desenvolvidas no ano de 2019 se caracterizaram por vivenciar o trabalho em saúde nos cenários, realização de projetos terapêuticos singulares e reflexão sobre o trabalho em equipe com um olhar às práticas interprofissionais e a formação dos futuros profissionais de saúde. Em 2020, as medidas de contenção da pandemia de COVID-19 e as diretrizes da universidade a qual o nosso PET estava articulado, impuseram a retirada dos estudantes dos cenários da atenção em saúde, assim como tivemos alguns de nossos preceptores deslocados para o trabalho remoto. Tendo em vista a continuidade do processo reflexivo relacionado à interprofissionalidade em um contexto sem precedentes,  as narrativas clínicas apoiadas na psicossociologia foram identificadas como de potencialidade para dar continuidade aos trabalhos da tutoria, por favorecer a análise dos cenários a partir da complexidade que os compõem, com o diferencial da consideração às emoções que ali se manifestam, inclusive as angustiantes e ameaçadoras, como pode vir a ser aquelas vividas nos esforços de buscar efetivação da interprofissionalidade. A possibilidade de explorar o ‘espaço entre dois/ entre vários’, onde ocorrem as narrativas, tem a potencialidade de acolher e elaborar as experiências no trabalho em saúde e, simultaneamente, o processo interprofissional. O objetivo deste trabalho é relatar a experiência de adoção das narrativas clínicas como recurso mediador do processo tutorial para a aprendizagem e reflexão sobre interprofissionalidade no contexto de pandemia. A EXPERIÊNCIA: Diante da impossibilidade de ida ao campo da prática, elencamos a elaboração da narrativa acerca de uma experiência lá vivida como a forma de trazer a prática para reflexão grupal. Entende-se grupo como o grupo tutorial, composto por uma tutora coordenadora, uma tutora, 4 preceptores e 6 estudantes. Após capacitação dos tutores no trabalho com as narrativas, a encomenda inicial foi de escolher uma situação de cuidado vivenciada, na qual a interprofissionalidade foi buscada e narrar o processo, independentemente do desfecho alcançado. Foi orientado que os integrantes da cena selecionada não ficassem indefinidos, que fossem nomeados com codinomes ou outras formas éticas de trazê-los para a narrativa, assim como foi orientado que registrassem seus sentimentos e ações explicitamente. A narrativa era lida pelo autor em encontro síncrono, o qual ocorria por via remota, com duração de cerca de uma (01) hora. A dinâmica era de leitura pelo autor seguida de comentários e perguntas pelos demais membros do grupo tutorial, com a facilitação da tutora coordenadora, a qual buscava dar visibilidade aos modos de tecer a interprofissionalidade. Nesta direção, dentre as diversas possibilidades de recortes para o avanço, as tutoras perceberam a essencialidade do grupo entender e formar crítica acerca dos conflitos interprofissionais e os interesses que os sustentam, tanto locais quanto em âmbito mais ampliado. O diálogo disparado pela narrativa sempre era iniciado pela colocação “Como foi para você ouvir esta narrativa, quais os elementos denunciados por ela?”. Desse modo, toda colocação inicial tinha aquele que comentava em cena diante do exposto, com as questões dissonantes, consonantes e dilemáticas. Tratava-se de momentos onde cada qual se percebia diante do(s) outro(s) e da(s) cena(s), com identificações e divergências. O movimento da mediação era de fazer emergir elementos estruturantes isentos de conclusões, pois esta pertence a cada um e ao grupo. A ideia era abrir pontos, para além de fechar, concluir. Este contexto de diálogo favoreceu a crítica emergir, crítica a aspectos que lhes pertenciam, mas outros que estavam, aparentemente fora de sua autonomia direta, mas sempre acessível de ser tensionado por via indireta. Essas construções colaborativas das vias/ possibilidades de mudanças, edificaram lutas e mudanças, desvelaram modos não pensados de conceber e agir. A implicação e corresponsabilização com todos os determinantes da interprofissionalidade, foi revelada aos participantes, via leitura e diálogos mediados por narrativas clínicas. RESULTADOS: O uso das narrativas clínicas no contexto apresentado possibilitou o desenvolvimento de crítica e ampliação de conceitos relativos à EIP e IP.  O processo alinhou-se à necessidade de fortalecer o entendimento de que as especificidades das profissões são complementares e que a lógica da prática interprofissional colaborativa surge como estratégia de melhorar a qualidade da atenção à saúde, quando aspectos do micro, meso e macro contexto são dinamizados em prol ou não da IP e qualidade do cuidado. Ou seja, o processo permitiu acesso e crítica aos restritores do trabalho  colaborativo em  equipe, a exemplo da hierarquização   das   profissões,   profissionais  insuficientes  no  serviço  e  mão  de  obra não qualificada. Foi possível efetivar e refletir sobre o clássico conceito de que profissões devem aprender conjuntamente sobre o trabalho coletivo e as especificidades de cada área profissional, assim como que o  trabalho colaborativo em equipe interprofissional assegura qualidade da atenção à saúde. E, nesta direção, merece destacar que as narrativas foram potentes para revelações na linha do lugar das necessidades em saúde no plano terapêutico instituído, das implicações quanto a perpetuação de um modelo de atenção em saúde biomédico, do quanto a complexidade das necessidades de saúde requer colaboração entre profissionais, com articulação de equipes dos serviços da rede de atenção em saúde e o lugar e papel da atenção básica neste processo. No âmbito da atitude profissional e microrrelações, os apontamentos promovidos foram quanto ao respeito mútuo, reconhecimento, segurança e confiança edificada ou não junto à equipe. CONSIDERAÇÕES FINAIS: As narrativas clínicas favoreceram o contato e escuta de vozes e perspectivas, com chances de emergir a crítica. Elas permitiram rompimento com estratégias mediadoras centrada em produção de cuidado, para um deslocamento de contemplar criticamente o cuidado produzido, adentrar de modo denso nas cenas, alcançando com sentido os determinantes da interprofissionalidade nos níveis micro, meso e macro, suas inter-relações e como emergem os intervenientes ao trabalho colaborativo em saúde.  O aprendizado interprofissional é dependente da crítica acerca do contexto do trabalho em saúde e sua produção. As escolhas de intermediação pedagógica são estruturantes de processos avançados de reflexão e reelaborações com alcances para a autonomia dos sujeitos na apreciação e criação de projetos coletivos na produção do cuidado em saúde.