Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Fazer-SUS no Conselho Nacional de Saúde: um relato de experiência de Participação Social em Saúde
Manuelle Maria Marques Matias, Vitória Davi Marzola, Afonso Ricardo de Lima Cavalcante, Josiane Teresinha Ribeiro de Souza, Lavínia Boaventura Silva Martins, Talita Abi Rios Timmermann, Thaiara Dornelles Lago, Vinícius Campelo Pontes Grangeiro Urbano

Última alteração: 2022-02-07

Resumo


A trajetória da política de saúde brasileira com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) inseriu definitivamente a Participação e o Controle social como diretriz do Sistema, a ser efetivada por meio de Conselhos e Conferências. De fato, a Lei nº 8.142 de 1990 garantiu aos Conselhos a atribuição de participar do processo de formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros. Mas a conquista de um espaço institucional no SUS não se fez sem resistências. Basta lembrar que a Lei nº 8.080/90 (Lei Orgânica da Saúde) que regulamentou o SUS já trazia em seu escopo o controle social, mas todos os artigos que tratavam sobre este tema foram vetados pelo então Presidente Collor de Melo. Felizmente no caso do Brasil a conquista de um espaço institucionalizado para a participação social no SUS produziu a consolidação de um modelo de participação relativamente homogêneo em todo o país, por meio dos Conselhos e Conferências, estabelecendo arranjos tanto locais quanto em âmbito federal que construíram novidades na construção da política de saúde. Este é o relato de uma experiência de “Fazer-SUS” no espaço do controle social em saúde. Descrevo nas linhas que seguem a experiência de participar do maior espaço de participação institucionalizada do SUS: o Conselho Nacional de Saúde (CNS). O Conselho Nacional de Saúde, criado em 1937 e regulamentado pela Lei nº 8.142 é formado por representantes dos segmentos de usuários, trabalhadores, gestores do SUS e prestadores de serviços em saúde e constitui-se o maior espaço institucionalizado de participação do SUS. Além de apreciar os instrumentos de gestão a nível federal, o CNS é um espaço deliberativo e permanente que fiscaliza, acompanha, monitora e emite opinião na construção das políticas públicas de saúde no país.

Este relato refere-se ao período de 2019 a 2021, gestão anterior do CNS, na experiência de ocupação do segmento estudantil do Conselho. Esta gestão foi marcada pelo contexto de ascensão de um governo de extrema direita no país, que dissolveu direitos sociais e ameaçou o direito à saúde. Por isso mesmo, tendo em vista a conjuntura extremamente adversa no âmbito das políticas sociais e de saúde, o CNS pautou esta gestão na luta por Democracia e Saúde e no enfrentamento às políticas de austeridade fiscal, a partir da denúncia do grave desfinanciamento ao SUS sobretudo depois da aprovação da Emenda Constitucional 95. Foi esse o espírito que orientou a histórica 16ª Conferência Nacional de Saúde, que a partir da construção ascendente e democrática, deu as bases sob as quais se estabeleceria a luta dos próximos anos. Logo em 2020 mal poderíamos imaginar que o mundo enfrentaria a pior crise sanitária da História nos últimos 100 anos: a pandemia da Covid-19. O Brasil, sofrendo as agruras da EC 95 e do desmonte das políticas sociais, comandado por um governo negacionista, logo se tornou epicentro da pandemia, o que levou como consequência à morte (evitável) de milhares de pessoas. Ao longo desses anos, com a pandemia em curso, o CNS tem adotado uma postura combativa que o tornou um dos principais e reconhecidos atores no enfrentamento à pandemia.

A ocupação pelo segmento estudantil do espaço do Conselho Nacional de Saúde se deu no âmbito da representação dos usuários, que representa 50% da composição do Conselho.  Além do pleno do CNS, houve também a ocupação dos espaços das Comissões Intersetoriais, por meio das quais o CNS atualiza, amadurece e capilariza suas discussões. Além da integração às lutas mais gerais no âmbito do Conselho, este segmento se engajou na proposição de espaços externos, como conferências livres de saúde, debates, encontros, espaços de formação de conselheiros e movimentos sociais, dentre outras iniciativas. As lutas que se seguiram, sobretudo no período de pandemia da Covid-19 que vivenciamos, mostram a importância da constituição de um núcleo estudantil de resistência no espaço do CNS, tanto pela apresentação das pautas afetas a este público na defesa da Ciência, da Universidade e do SUS e por uma formação em saúde socialmente referenciada quanto para uma reoxigenação das reflexões e formulações neste espaço do controle social. Nota-se um crescente descompasso na conformação de um Sistema de Saúde com amplitude capaz de atender as demandas advindas dos territórios, em que pense sistemas de referência integrados. Na dimensão operativa, reconhece-se o protagonismo de modelos de atenção à saúde verticalizados, associado a uma clara dicotomia na oferta desse cuidado. Some-se a isso, o modelo de governo em curso, embrionariamente encontra-se estruturalmente desconectado, produzindo um evidente impacto no arcabouço que dá sustentação ao SUS. Contudo, o progressivo desfinanciamento, as sucessivas decisões arbitrárias promovem efeito paralisante, evocando modelos de gestão, gestão e de controle social cindidos. No entanto, colocam-se no cerne do enfrentamento processos de mobilização, interação de recursos e conhecimentos, visando aproximação com as múltiplas necessidades advindas dos territórios. O repertório da crise imposta faz um chamamento a mobilizações coletivas, vislumbrando um esforço consciente para incorporação das ações de saúde e seus aspectos humanísticos. Promover integração dialógica, preservando a tutela dos direitos e recursos, sabidamente, mostram-se como sendo desafios perenes do cotidiano. Assim, é preciso superar a profunda desigualdade que margeia, enfraquece e empobrece o SUS e que vem ao longo do tempo aglutinando sólidas estratégias de cuidado.

Destacamos o papel decisivo do CNS no fortalecimento da Política de Saúde no Brasil expressa na árdua defesa da saúde como direito de cidadania e na denúncia ao desmonte que visa à fragilização desse direito. Ao mesmo tempo, o papel que o CNS cumpre no momento atual comprovam que é no ponto estrutural de sua história que se consolida a força deste lugar. A ocupação deste espaço do controle social nos mostra que sua potência vai além da mera avaliação ou fiscalização das políticas no âmbito da saúde, mas se coloca como um instrumento central na defesa da democracia como valor inalienável. No segmento estudantil, ao mesmo tempo que a ocupação deste lugar lança novos olhares e reflexões sobre o cotidiano do Sistema de Saúde, também se constitui enquanto espaço formativo em ato aos sujeitos ocupantes. Frente às várias tentativas de desmoronamento desta estrutura viva e pulsante que é o SUS, o CNS pelo papel que joga na aglutinação das lutas por saúde e na politização das bases populares mostra cada vez mais sua importância e legitimidade no âmbito da participação social em saúde.