Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Participação Social em Saúde no Brasil: análise dos principais temas na produção científica das décadas de 1970 a 2020
Manuelle Maria Marques Matias, Wagner de Melo Romão, Gabriele Carvalho de Freitas, Carla Michele Rech, Frederico Viana Machado, Rodrigo Silveira Pinto, Henrique Aniceto Kujawa, Fernando Antonio Gomes Leles

Última alteração: 2022-02-07

Resumo


As narrativas hegemônicas do processo de Reforma Sanitária Brasileira frequentemente minimizam as contribuições dadas pelos movimentos sociais e populares da saúde à constituição do Sistema Único de Saúde (SUS). O esforço de organização destes movimentos, sobretudo na politização das bases populares, culminaria na participação destes segmentos na histórica Oitava Conferência Nacional de Saúde, em 1986 - que pela primeira vez foi aberta à participação da sociedade civil - e na Comissão Nacional da Reforma Sanitária. Mas foi apenas na promulgação da Lei nº 8.142/1990 que se garantiu a participação da comunidade nas instâncias colegiadas do Sistema Único de Saúde, por meio das Conferências e dos Conselhos de Saúde. Produzia-se assim, na trajetória da Participação Social em Saúde no Brasil, espaços institucionalizados para garantir a intervenção social na Política de Saúde. Desta forma, a trajetória da Participação Social em Saúde no Brasil confunde-se com o próprio processo que deu base de formação e consolidação do SUS, de modo que essas trajetórias permanecem entrelaçadas.

Com o intuito de conhecer as especificidades da discussão sobre Participação Social em Saúde no Brasil, realizamos um estudo da produção científica brasileira das décadas de 1970 a 2020, construído a partir de uma análise bibliométrica e cientométrica da produção acadêmica sobre Participação Social e Saúde nas Américas. Este trabalho é desdobramento do projeto de pesquisa “Covid-19 e controle social no SUS: impactos, dinâmicas, pautas e estratégias” desenvolvido pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) e executado pelo Centro de Educação e Assessoramento Popular (CEAP) em decorrência da Carta Acordo SCON 2019-00192, celebrada entre CEAP e o Escritório Regional da OPAS/OMS, que objetivou a produção de uma revisão sobre o tema da Participação Social em Saúde nas Américas. No recorte específico deste estudo foram considerados para análise um total de 246 artigos científicos produzidos apenas por autores do Brasil e em co-autoria com pesquisadores de outras nacionalidades. Essas produções foram extraídas do banco de dados utilizado no estudo de “Mapeamento e Análise Bibliométrica e Cientométrica da Produção Científica sobre Participação e Controle Social em Saúde nas Américas” que contou com uma amostra final de 641 artigos científicos. Os bancos de dados construídos foram rodados no software Vosviewer 1.6.17 que possibilita cinco tipos de análise, a saber: coautoria; co-ocorrência, citação, acoplamento bibliográfico e co-citação. Para este estudo foi considerada a co-ocorrência de palavras, estratégia utilizada para identificar agrupamentos de temas discutidos pelos autores e as tendências de pesquisa nesta confluência de áreas. Optamos pela divisão da análise por décadas, o que nos permite relacionar a produção científica ao seu contexto de elaboração.

A produção brasileira dos anos 1970 tem um importante foco na participação comunitária em atividades de saúde, com a publicação de dois artigos: em uma comunidade amazônicae em uma comunidade na cidade do Rio de Janeiro. Pela análise de co-ocorrência de palavras, nota-se que o termo mais frequente nas publicações desta década é “community health services”. Seguindo a tendência de discussão sobre participação comunitária em saúde, sobretudo na Atenção Primária, agregado à discussão sobre recursos humanos para os sistemas locais de saúde, os termos mais comuns na década de 1980 estão: “community care” e “community health services”. Na década de 1990, o termo “consumer participation” foi o mais citado, seguido dos termos: “communicable disease control”; “health education”, “infection control” e “rural population”, o que evidencia maior diversificação temática com discussões acerca de atividades de educação em saúde no controle de doenças endêmicas, gênero e participação, a educação em saúde nos processos de participação social e o aparecimento de artigos sobre participação e conselhos. Nas décadas de 2000 e 2010 concentra-se o maior quantitativo da produção científica brasileira. Na década de 2000, os termos mais citados são “social control” seguido de “consumer participation” e “social participation”. Destacamos ainda o aparecimento dos termos: Family Health Program e Primary Health Care espelhando as discussões relacionadas ao Programa Saúde da Família, que a partir de 2006 tornar-se-ia Estratégia Saúde da Família. Os termos mais recorrentes na década de 2010 são: “social participation”, “social control” e “health councils”. É possível identificar também temas afetos à educação popular, movimentos sociais, intersetorialidade, democracia, direito à saúde, que refletem a diversidade produção científica desta década. Finalmente, na análise da produção científica da década de 2020, os termos mais citados são: "social participation”, “social control”, “SUS", “community participation”, “health councils” e “health conferences", o que ratifica uma abordagem mais focada nos espaços institucionalizados de participação social do SUS. Também destacamos o aparecimento dos termos: “Covid-19”, “health of the indigenous population” e “women’s rights”, sinalizando novas abordagens temáticas no campo da Participação em Saúde.

A produção científica brasileira registra uma diversidade temática que reflete o contexto histórico de constituição da política de saúde no Brasil. Nas primeiras publicações, que retratam um período anterior à criação do SUS, vimos um enfoque dado a experiências-piloto de participação comunitária nas atividades de saúde, a preocupação com a formação de recursos humanos para os sistemas locais de saúde e abordagens relacionadas aos cuidados primários de saúde. A partir da década de 1990 nota-se uma diversificação temática e o aparecimento de estudos sobre participação no âmbito dos conselhos de saúde, que desde a promulgação da Lei nº 8.142/1990, figuravam como espaços de participação institucionalizados no SUS. Refletindo seu contexto de produção, as publicações também traziam abordagens da participação relacionadas ao controle de doenças endêmicas, educação em saúde e também sobre gênero e participação. Nas décadas de 2000 – e sobretudo em 2010 – a produção brasileira atinge seu ápice em quantitativo e diversidade temática. Mas apesar da inovação temática, a abordagem da produção brasileira sobre Participação permanece atrelada, de um lado, à discussão sobre as políticas de atenção e às redes de serviços de saúde, sobretudo ligadas à Atenção Básica em Saúde e, de outro lado, com um foco importante na discussão sobre o “controle social formal”, através dos conselhos e conferências. Na década de 2020, além da permanência deste enfoque, chama atenção o surgimento de novos temas ligados à discussão sobre Participação em Saúde, como os temas da pandemia da Covid-19, saúde da população indígena e direitos das mulheres.