Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Intersetorialidade e cuidado às crianças com deficiência
Francine Souza Dias, Lenir Silva, Marcia Lenzi, Izabelle Costa

Última alteração: 2022-02-03

Resumo


Esse estudo se dedica à intersetorialidade do cuidado às crianças com deficiência. Decorre de pesquisa sobre o mesmo tema, aprovada em julho de 2020, pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, CAAE 30035320.8.0000.5240.

A Lei Brasileira de Inclusão ressalta a importância da “atuação permanente, integrada e articulada” (Art. 15, III) de serviços e políticas públicas, “nos diferentes níveis de complexidade” (Art. 15, IV). Além disso, assistência social e saúde devem promover ações articuladas garantidoras da “aquisição de informações, orientações e formas de acesso às políticas públicas disponíveis” (Art. 17) às pessoas com deficiência e familiares; e o poder público, quanto ao direito à educação, deve “assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar” (Art. 28) a “articulação intersetorial” (Art. 28, XVIII).

Dialogamos com autores dedicados ao estudo da intersetorialidade e da interdisciplinaridade e com profissionais da educação especial que atuam na rede pública de Duque de Caxias/RJ. Analisamos discursos normativos e profissionais que enfatizam a relevância desta categoria nas políticas sociais e no cotidiano do trabalho, focando a relação entre assistência social, educação e saúde. Nossa intenção foi verificar o modo como o cuidado intersetorial acontece, seus tensionamentos e desafios.

Pensamos a deficiência sob a perspectiva da singularidade, sem ignorar abordagens discriminatórias da diferença, que hierarquizam corpos em função de um conjunto de possibilidades funcionais. Consideramos a intersetorialidade e a interdisciplinaridade importantes dispositivos de melhoria do cuidado e, ainda, recursos dedicados ao bem-viver, porque implicados com o enfrentamento às desigualdades e com a participação de todas as pessoas envolvidas. Destacamos as desigualdades vivenciadas por crianças que encarnam diversos marcadores que hierarquizam seus corpos e suas vidas em função de relações de poder sustentadas pelo classismo, racismo, sexismo e capacitismo. Dimensões que atravessam políticas públicas e práticas de cuidado.

Verificamos na pesquisa documental e de campo a indução da intersetorialidade com reforço diretivo à setorialidade. Chamamos a atenção para o “encaminhamento” e para a “capacitação” como alegorias indicativas dessa orientação. Identificamos a produção de demandas cotidianas a partir de uma interpretação setorial de papéis, modo de operar que pode ter origens diversas: característica das formações profissionais; ofuscamento da complexidade da vida diante de práticas segmentarizadas; ausência de planejamento participativo e pouco engajamento dos diferentes atores da rede; sobrecarga e precarização do trabalho; falta de conhecimento sobre as necessidades das crianças com deficiência.

Concluímos em defesa da abordagem da intersetorialidade nas ações da ponta, reconhecendo a preeminência de produções restritas à organização de políticas e à gestão. A ausência de discussão coletiva sobre a materialização e os sentidos da intersetorialidade nos espaços de cuidado dos territórios mobiliza efeitos imensuráveis no cumprimento do direito ao cuidado e à proteção integral das crianças com deficiência, o que produz e reafirma desigualdades, abandono e injustiça social. Entendemos, finalmente, a impossibilidade de avançar numa agenda intersetorial em prol do cuidado integral diante de medidas ostensivas contra as políticas sociais, corte de direitos e de recursos públicos necessários ao enfrentamento dos desafios apontados.