Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Fazer-SUS por entre encontros e em travessia: uma experiência de integração ensino-serviço-comunidade
Lavinia Boaventura Silva Martins, Renata Roseghini, Arlene de Queiroz Alves, Gerfson Moreira Oliveira, Cláudia de Carvalho Santana, Ubton José Argolo Nascimento, Karine de Souza Oliveira Santana, Luciana Oliveira Rangel Pinheiro

Última alteração: 2022-02-11

Resumo


Apresentação: Fazer-SUS na perspectiva da integração ensino-serviço-comunidade é como lançar-se em um mar aberto de experiências, apostando na potência dos encontros, estar a serviço do inédito viável, das sutilezas que atravessam cada ser que se dispõe a estar, em travessia, junto.

Este relato versa sobre a experiência de um coletivo de docentes que integram um componente curricular do Núcleo Comum dos cursos de graduação da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, em Salvador, Bahia, na travessia da pandemia de COVID-19. Período-mar de incertezas, desafios, medo, mas de (re)afirmações, (re)descobertas e (re)invenções para se fazer presente em territórios-mar com ações de educação em saúde.

Desenvolvimento do trabalho: Trata-se de um processo de fortalecimento de vínculo iniciado em comunidades de dois distritos sanitários do município há 15 anos, como projeto de extensão, que, a partir de avaliações, necessidades e possibilidades de revisão de currículos foi se incorporando ao longo do tempo como componente curricular do Núcleo comum a todos os cursos da instituição. Atualmente, o componente curricular obrigatório Prática Interprofissional em Saúde (PIS) agrega semestralmente uma média de 320 estudantes de Enfermagem, Fisioterapia, Educação Física, Biomedicina, Psicologia, Odontologia e Medicina, organizados em 30 grupos, acompanhados por uma média de 25 docentes. As ações de educação em saúde são desenvolvidas em parceria com equipamentos sociais diversos: escolas, igrejas, associações, unidades de saúde, creches, núcleos musicais, instituições de longa permanência, entre outros. Com a situação da pandemia os grupos ficaram impossibilitados de estar no território espaço geográfico, no entanto, foi possível reconhecer e sentir, de uma forma única e inesperada, outros sentidos de um território vivo, nutrido por afetos que estabelecem, estreitam e fortalecem vínculos.

O primeiro momento de 2020 foi de recuar, aquietar, mesmo que em meio ao desassossego, e tentar compreender o fato histórico que vivíamos. Em bando, nos organizamos internamente para avaliar cenários e possibilidades a curto prazo que, pelo contexto socio, político e econômico apontavam para uma travessia mais longa, mais dolorosa que o pensamento foi capaz de prever no início. Estar nos territórios das periferias de uma capital, conhecer os contextos e relações nos “privilegiava” de uma sensibilidade ao entendimento dos quais estariam entre as estatísticas fatídicas...esses corpos tinham cor, endereços e histórias que nós conhecíamos bem de perto. Era preciso navegar e, portanto, traçamos o plano de travessia, assim composto: 1. mobilização para colaborar minimamente para nutrir corpos para o “fique em casa”, com doações de alimentos e itens de higiene; 2. planejamento e execução de estratégias educacionais aplicadas ao contexto do distanciamento social, sem perder de vista a potência e responsabilidade da informação e educação em saúde, especialmente em tempos de fake news; 3. olhar, escutar e construir coletivamente práticas de cuidado para nós e os nossos companheiros de jornada (docentes e discentes), 4. busca ativa de experiências de mobilização social com foco na educação em saúde, para serem fontes de inspiração e força para as nossas experiências. As palavras de ordem que nos direcionavam no meio desse processo foram: um dia de cada vez, não temos controle, faço o melhor que posso a cada dia, não estamos sozinhos, consciência sanitária.

As ações de educação em saúde foram desenvolvidas de duas formas: síncronas e assíncronas, a depender das condições de acesso a conexão e especificidades de cada grupo. As síncronas aconteceram através de encontros virtuais pela plataforma Zoom, em etapas que envolveram desde a aproximação com as comunidades através de lideranças locais ou grupos organizados interessados na proposta do PIS, levantamento de demandas, definição de temas prioritários a serem discutidos ao longo das semanas, até planejamento dos encontros com diferentes metodologias pela equipe de discentes. Já as assíncronas, voltadas para públicos com dificuldade ou impossibilidade de estar nos encontros semanais, partia do encontro com lideranças locais, verdadeiros elos entre nós e as comunidades, que levavam as demandas para o grupo de discentes, discutiam, definiam temas prioritários, sinalizavam melhores estratégias e meios de acesso para a comunidade, além de seguirem avaliando e dando feedback dos produtos construídos. Algumas das construções destinadas a esses grupos foram: cards, cartilhas, série de podcast, vídeos, infográficos e histórias em quadrinhos.

Resultados e/ou impactos: Nesse mar revolto foi possível encontrar faróis, construir pontes, estabelecer redes e navegar por outras águas que nos possibilitaram experiências únicas e especialmente valorosas. A necessidade de (re)invenção se fez presente em todo o processo. Novas formas de estar docente, de encontrar discentes, buscas e experimentações de metodologias que aproximassem ao real sentido de estar ali, em um momento tão desafiador, mantendo firme o propósito e a responsabilidade social do nosso saber-fazer acadêmico, de estar com outras e outros, em seus processos individuais e coletivos de formação pessoal e profissional. O ambiente virtual nos possibilitou aprofundar discussões com os discentes sobre Humanização, Educação Interprofissional, Determinantes Sociais em Saúde e Políticas Públicas de Saúde em meio aos imensos desafios do nosso Sistema Único de Saúde.  Estabelecer vínculo e confiança, traçar estratégias de chegar em diferentes públicos, imersos em diferentes realidades e abismos que ficavam ainda mais escancarados. Foi preciso desatar nós para construção de laços e seguir na travessia, juntas e juntos, buscando e encontrando outros e outras com disposição para estar em coletivo, em rodas virtuais, em conexões síncronas e assíncronas, mediados por tecnologias de informação e ambiente virtual de aprendizagem.

No período de 2020 a 2021 conseguimos estar com uma média de 30 grupos atuantes a cada semestre. Muitas parceiras e muitos parceiros que já estavam conosco permaneceram: pessoas idosas, trabalhadores da saúde, professores, famílias de crianças das creches e núcleos musicais, mulheres gestantes, pessoas com deficiência. Para alguns, especialmente grupos de jovens residentes em territórios mais vulneráveis economicamente e pessoas idosas nestas mesmas condições ou que viviam em instituições de longa permanência, os desafios e desigualdades de acesso à tecnologia nos provocou a buscar estratégias de estar perto de alguma forma, o que, infelizmente, nem sempre foi possível. Apesar disso, para outros públicos a nossa presença só foi possível graças a tecnologia, como comunidades quilombolas, indígenas, camponesas e de territórios de assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra.

Considerações finais: Seguimos navegando no pensar, sentir, fazer, descobrir e aprender...hoje, em mar aberto que não nos assusta tanto quanto no início da pandemia, contudo, sempre com a certeza de que cada trecho da travessia, cada onda, podem vir cheios de imprevistos, incertezas, mas que em um coletivo sensível, disposto a experimentar e viver o novo é possível seguir (re)invetando, a cada remada. Cuidamos e fomos cuidados, erramos, caímos, choramos, mas encontramos realidades que nos fortaleceram e fortalecem na busca por uma sociedade mais justa, democrática, equânime, com um SUS fortalecido para todas e todos. Reafirmamos a reponsabilidade da formação socialmente referenciada, pautada na ética, no cuidado, na humanização e no respeito às diversidades. Acreditamos que Fazer-SUS por meio da integração ensino-serviço-comunidade é todo dia, gotinha a gotinha...tecendo imensidões a cada encontro.