Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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O que o Brasil e o SUS têm a ensinar a países como a França em termos de organização da Atenção Primária à Saúde?
Clarissa Terenzi Seixas

Última alteração: 2022-02-03

Resumo


A análise apresentada tem origem em uma experiência profissional e pessoal da autora, enfermeira, docente do departamento de Enfermagem em Saúde Pública de uma universidade pública fluminense e pesquisadora da rede básica do SUS e sua imersão no estudo e experimentação da atenção primária francesa como pesquisadora, formadora,  consultora e usuária por dois anos, entre janeiro de 2020 e janeiro de 2022. Nessa vivência, as pesquisas, trocas com outros pesquisadores e profissionais dos serviços, assim como as experiências pessoais foram fonte de contínuo aprendizado, e deram origem a reflexões e a inevitáveis comparações. Mas o que o Brasil, país que financia o sistema público à altura de 4% do seu Produto Interno Bruto (2018), teria a ensinar a um país como a França, que tem um gasto de 9,1% do seu PIB (2018) com despesas públicas de saúde ? Na França, a organização da oferta de cuidados de "primeira linha", isto é, aqueles cuidados realizados por profissionais generalistas fora dos hospitais e clínicas especializadas, foi, quase sempre, deixada a critério dos profissionais de saúde liberais. Porém, com exceção dos farmacêuticos que são submetidos à um regime de autorização administrativa gerido localmente, a instalação dos demais profissionais liberais, sobretudo médicos e dentistas, é pouco ou nada regulada, gerando uma repartição muito desigual nos territórios, com concentração nos grandes centros urbanos e áreas de maior poder econômico das cidades. Essa situação tem se agravado nas últimas décadas, gerando os chamados "desertos médicos", áreas com penúria de médicos e com dificuldades importantes na garantia do acesso à população local. Esse cenário, de origem complexa e multicausal, tem na histórica centralidade da atenção primária francesa no profissional médico um obstáculo adicional, uma vez que não apenas medicamentos, mas também o cuidado realizado por profissionais como enfermeiras, fisioterapeutas e diversas outras profissões ditas "paramédicas" dependem de uma prescrição do médico para seu pagamento pelo seguridade social. No Brasil, apesar do histórico subfinanciamento do sistema público e do desinvestimento na Atenção Básica que vem se agravando desde 2016, a aposta na estratégia de saúde da família como modelo organizacional prioritário da AB, permitiu uma ampliação do acesso nas últimas décadas. Assim, apesar da indiscutível insuficiência quantitativa e má distribuição de médicos generalistas, a territorialização da AB e a responsabilização pelo cuidado de equipes multiprofissionais com maior autonomia de diversos profissionais de saúde em relação ao médico - notadamente a enfermeira, permitiram que as pessoas fossem atendidas em regiões de difícil acesso e em um país de dimensões continentais como o Brasil. Nesse sentido, acredita-se que, à despeito da tradição de consumo de modelos e recomendações em saúde dos países do Sul pelos países do Norte, há uma produção de conhecimentos - teóricos e práticos "do lado de baixo do Equador" que merece e precisa ser olhada, com destaque para a Atenção Básica brasileira e o que ela vem produzindo de ensinamentos nos últimos 25 anos.