Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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A pandemia de COVID-19 e os desafios para a Psicologia: relato de uma experiência em um hospital de campanha em Manaus/AM
Ana Carolina Peixoto Mourão, Jessica Fonseca Vieira, Helen de Sousa Lameira Silva, Désirée Claire Sulam, Alexandra Miziara, Sonia Maria Lemos

Última alteração: 2022-02-05

Resumo


Apresentação: A atuação profissional dos psicólogos tem se diversificado cada vez mais em face de demandas que vêm surgindo ao longo dos últimos anos, em que se incluem as condições sanitárias impostas pela pandemia da COVID 19. A entrada de Psicólogos nos serviços de saúde, durante o segundo pico de casos de COVI-19 objetivou na construção de uma escuta qualificada para as questões de Saúde Mental emergentes da emergência sanitária deflagrada pela pandemia. Nessa direção, esse relato de experiência traz algumas reflexões acerca da ampliação do trabalho realizado por psicólogos nos serviços de saúde, mais especificamente, no hospital de campanha na cidade de Manaus, colocando em foco os desafios da criação do serviço de psicologia nessa unidade de saúde e, também, as conquistas alcançadas e as potencialidades advindas com a disponibilização desse serviço à população. O serviço de psicologia no hospital de campanha teve como um de seus objetivos, ligar o familiar ao paciente de maneira humana. Buscando uma sobrevida desse paciente, respeitando o tripé que o rege, sendo este o tripé Cognição, Emoção e Comportamento. As emoções e o comportamento são influenciados por crenças que modelam as atitudes de cada sujeito, assim como o significado que ele gera para cada experiência, principalmente a situação nova de uma pandemia que não se sabia até então que caminho seguir pela equipe multidisciplinar, pois cada usuário manifestava os sintomas de maneira diferente. Desenvolvimento: O hospital de campanha foi uma iniciativa da secretaria de saúde do Estado do Amazonas – SES, e como em outras cidades, teve como missão a ampliação dos leitos hospitalares e o atendimento aos usuários transferidos de outras unidades de saúde, o que o caracteriza como uma unidade exclusiva para o tratamento da Covid-19. Essa especificidade de não ser um serviço de porta aberta e também atender usuários cujos tratamentos eram de média e alta complexidade, direcionou nossa atuação para o leito dos usuários e o acolhimento aos familiares: comunicação da evolução diária dos casos, viabilização de contatos via vídeo chamada e, acompanhamento da equipe médica nas comunicações de óbitos e as visitas multidisciplinares. Cabe registrar que antes do serviço ser instalado, diversas ações de Educação continuada foram realizadas com vistas ao repasse de orientações protocolares e técnicas de intervenção tanto para os pacientes, familiares e os profissionais do serviço, face as situações inusitadas de um vírus pouco conhecido e a intensidade de alguns procedimentos que o tratamento da COVID -19 requer. Nesse sentido, foram realizados cursos, treinamentos e a supervisão sistemática, que perdurou durante o período de existência do hospital. No serviço de psicologia, buscamos oferecer um serviço humanizado a cada usuário e profissional da unidade sempre que necessitava e buscava um acolhimento decorrente da sobrecarga de trabalho ou pelas demandas do cenário pandêmico. Resultados/impactos: Um dos primeiros desafios enfrentados na implantação do serviço de psicologia foi, a despeito da perspectiva de um trabalho multidisciplinar, a necessidade de dissociar o atendimento da Psicologia do atendimento do Serviço Social pois, muitas vezes, estes eram confundidos. Desse modo foi preciso criar um procedimento operacional padrão para delimitar o fazer psicológico. Além de validar a relevância do atendimento psicológico, foi necessário construir e elaborar ferramentas para os atendimentos e lutar pelo espaço físico de uma sala própria para acomodar o serviço de psicologia. Essas medidas foram adotadas a partir das supervisões, cuja escuta e orientações foram realizadas por profissionais experientes e, principalmente, comprometidos com o fazer psicológico em termos teóricos, práticos e éticos. Essas ações se deram de maneira coletiva e, quando necessário, individualmente, como um suporte imprescindível para que o trabalho se desenvolvesse de forma satisfatória. Iniciamos o atendimento no Hospital em janeiro de 2021, estávamos no ápice da “segunda onda” em nosso Estado do Amazonas. Manaus voltava a “respirar” com a ajuda de doações de outros Estados. Atuar hospital de campanha, na linha de frente no combate a pandemia, nos fez repensar e olhar para nossas próprias fragilidades, medo, inseguranças e na possibilidade de superação. Foi um período primeiramente de reconhecer nossa condição humana, validar nossas próprias emoções. Tais como, o medo do contágio pelo vírus, de levar o vírus para nossos lares, para nossos familiares! Por vezes, parecia nos paralisar, levando a questionar nossa capacidade de dar conta dos desafios apresentados pela realidade. Em janeiro de 2021, foi possível esperançar com a chegada da vacina para os profissionais de saúde da linha de frente. Também contávamos com uma equipe profissional na supervisão, que nos fortalecia, e nos auxiliava a lidar com medos e fragilidades inerente ao trabalho realizado. Também nos lembrava que como seres humanos que sentíamos dores e estávamos suscetíveis às emoções de um trabalho que de alguma maneira era novo para todes. Pela primeira vez na profissão, psicólogas(os) estávamos vivenciando as mesmas situações e condições sanitárias que as pessoas atendidas. Algumas semanas depois, começamos a atender também os pacientes da UTI. Um novo ambiente, uma nova energia, um novo desafio e novas emoções. Ao entrarmos pela primeira vez na UTI o que vimos foi um cenário novo e assustador. De 22 leitos, 19 pacientes intubados, ali mais uma vez sentimos nossa fragilidade humana, sentimos medo, a ansiedade explodiu, faltou-nos o ar, a N95 “encolhia” em nossos rostos, o andar pesava e o coração acelerava cada vez mais. Aquela experiência, aquele momento nos mostrava a fragilidade de cada usuário e os desafios que teríamos para a realização do trabalho. No período de atuação no hospital de campanha, janeiro a agosto de 2021, foram realizados 11 mil acolhimentos psicológicos. Um trabalho realizado com diferentes atores e para uma diversidade de pessoas, usuários do SUS, mas também pais, mães, filhos, filhas. Considerações finais: Durante o período de implantação do serviço de psicologia no hospital de campanha, buscamos oferecer um serviço humanizado e que aproximasse os familiares dos pacientes que se mostrou importante até para sobrevida dos usuários que demandaram internação. Reconhecer e validar as nossas emoções foi crucial para então seguirmos, sendo humanos, empáticos e atuar como psicólogos na avaliação e intervenção nas demandas trazidas para o serviço de Psicologia. Neste sentido a supervisão fez toda a diferença no sentido de dar o suporte e o conhecimento necessários para que fossem superadas as dificuldades e pudéssemos desenvolver as estratégias de maneira assertiva na assistência às pessoas. Implantar um serviço de Psicologia em um dispositivo transitório, como um hospital de campanha, traz para a profissão e para a formação desafios importantes a fim de dialogar com o campo e os cenários trazidos pela emergência sanitária da pandemia de COVID-19. As aprendizagens são inúmeras e significativas. O trabalho construído e instituído ao longo dos meses de sua implantação e realização mostrou que a Psicologia tem uma relevante contribuição para a atuação nos serviços de saúde.