Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Atenção Psicossocial e o Atlântico Negro: a ação pública em saúde mental sob uma perspectiva de negritude e antinegritude
Francisco Anderson Carvalho de Lima, Alcides Fernando Gussi, Carmem Emmanuely Leitão Araújo

Última alteração: 2022-02-20

Resumo


A Atenção Psicossocial constitui campo de saberes e práticas que incide no desenvolvimento de intervenções em saúde mental de base territorial e comunitária desdobrando elementos culturais, no âmbito da ação pública em saúde. Sua implementação se antepõe ao modelo asilar, que direciona o poder médico alienante sobre o corpo. No Brasil, desenvolve-se balizando a Reforma Psiquiátrica Brasileira na Política Nacional de Saúde Mental. Contudo, justamente por alinhar-se ao delineamento de política pública nacional, há a inscrição de universalismos atrelados à constituição de uma identidade nacional brasileira, que enseja as configurações do Estado nacional. Tais elementos encontram fulcro no sexismo, elitismo e racismo no movimento modernizador brasileiro pós-abolição, engendrando elementos de antinegritude que persistem nos aspectos institucionais da nação por meio da perpetuação de um sentido de escravidão sobre o corpo negro. Com este trabalho, asseveramos que se as instituições importam, a inscrição do corpo também. Assim, por meio de uma abordagem antropológica de avaliação de políticas públicas congregada à metodologia de pesquisa afrodescendente, ao quilombismo e a perspectivas teóricas afropessimistas, apresentamos os resultados prévios de pesquisa de doutorado desenvolvida no Observatório de Políticas Públicas em Saúde da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará. Foram realizadas entrevistas com profissionais e gestores dos serviços, observações e incursões etnográficas no período de novembro/2021 a fevereiro/2022 em territórios negros e territórios raciais ancestralizados nas regiões de Pacajus, Horizonte, Crato e Juazeiro do Norte, no estado do Ceará, a fim de compreender as relações entre a ação pública em saúde e sua instrumentalidade na implementação da atenção psicossocial e da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) em comunidades negras. Dentre os elementos que emergiram, discutimos neste trabalho em específico: “as políticas públicas não existem para as mulheres negras” e a experiência de profissionais brancos nos serviços de saúde em quilombos. Este primeiro elemento enseja a experiência de mulher negra quilombola em situação de violência doméstica na busca por atenção psicossocial, deparando-se com um desamparo público fundamental balizado em uma experiência de antinegritude. O segundo constitui a experiência de profissionais da equipe Estratégia Saúde da Família em uma Unidade Básica de Saúde dentro de uma comunidade quilombola, demarcando as vicissitudes raciais que atravessam seu cotidiano de prática no Sistema Único de Saúde (SUS). Observamos que a ação pública desenvolvida se esgueira em princípios e diretrizes do SUS que não se materializam no cotidiano de povos e comunidades tradicionais, tais como as comunidades quilombolas em questão. Há um espaço invisibilizado entre o delineamento da política pública e a emancipação do povo negro no Brasil, o qual, articulando os elementos advindos do campo, podemos depreender ser a experiência de antinegritude, que ao mesmo tempo em que nega a condição de sujeito do corpo negro, o inclui na constituição da modernidade pública em situação de desamparo fundamental por meio da inscrição de regimes de escravidão perpétua, o que se pode denotar da experiência em tela, apontando elementos para o reordenamento da política e a necessária fundação de uma atenção psicossocial quilombista para dar conta do problema.