Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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Saúde Mental e Racismo à Brasileira: Narrativas de Trabalhadoras e Trabalhadores da Atenção Psicossocial
Renan Vieira de Santana Rocha, Mônica de Oliveira Nunes de Torrenté, Maria Thereza Ávila Dantas Coelho

Última alteração: 2022-02-24

Resumo


O presente trabalho diz respeito a uma pesquisa em nível de Mestrado, cujo interesse foi o de intercalar as questões da Saúde Mental com o debate sobre as Relações Étnico-Raciais no Brasil, tomando por base a realidade de trabalhadoras e trabalhadores da Rede de Atenção Psicossocial de uma capital brasileira. Partimos, a princípio, de algumas inquietações: como têm se dado as práticas profissionais, no campo da Saúde Mental e/ou da Atenção Psicossocial, acerca de questões envolvendo o fenômeno do racismo? Quais as compreensões dos profissionais de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) acerca do racismo? Como estes profissionais consideram que o racismo pode se manifestar no campo da Saúde Mental e/ ou nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS)? Assumimos estas questões como as nossas perguntas de investigação, no intuito de que as mesmas pudessem ser respondidas ao longo da presente pesquisa. Se ao nível da pesquisa acadêmica estas questões hão de levar-nos a uma inclinação qualitativa, ao nível da prática profissional seremos então convocados a produzir novas tecnologias de cuidado, que permitam o aparecimento do sofrimento dos sujeitos a quem ofertamos cuidado sem enquadramentos psicopatológicos restritivos e sem o apagamento dos elementos da vida cotidiana que também causam “dor”, “ansiedade”, “angústia” e “desespero”, sem necessariamente estarem categorizados e sistematizados em manuais internacionais nosológicos de Psiquiatria e/ou de Saúde Mental. Nessa direção, compreendemos que os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) – serviços substitutivos símbolo do processo de desinstitucionalização e desospitalização de pacientes dos grandes hospitais psiquiátricos brasileiros do século XX – configuram-se como o atual espaço de apostas na possibilidade de produção de um novo cuidado em Saúde Mental, que rompa com os ditames da indústria psiquiátrica que, por décadas, comandou a lógica de cuidado ofertada às pessoas em sofrimento psíquico relacionado à vivência da psicose e demais “transtornos graves, severos e persistentes”, pela via do controle dos corpos e do sequestro da subjetividade. Aqui, fazemos uma opção crítica e radical em defesa da Reforma Psiquiátrica Antimanicomial, tal qual o fazemos em defesa da luta antirracista, posicionamentos sem os quais esta pesquisa não pôde se dar. Logo, a escolha por estudar serviços de Saúde Mental construídos na perspectiva da Atenção Psicossocial é para que se comungue e se fortaleçam as práticas profissionais, clínico-institucionais, que se processam diariamente na realidade construída e compartilhada entre usuários, profissionais, familiares e gestores destes serviços. Enquanto objetivo geral, enseja-se identificar quais as narrativas ligadas ao racismo construídas por parte dos profissionais de um determinado Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) da cidade de Salvador/BA. Na continuidade, enquanto objetivos específicos, procura-se: (1º) compreender as formas de manifestação e/ou manutenção do racismo nas práticas clínico-institucionais construídas pelos profissionais deste serviço; (2º) compreender a relação destas práticas clínico-institucionais com a construção do processo de trabalho em Saúde Mental e Atenção Psicossocial dos profissionais deste serviço; e, por fim, (3º) apresentar uma Revisão Sistemática de Literatura acerca dos principais Descritores em Saúde concernentes ao debate aqui proposto, pesquisados em escala temporal ampla e não restritiva. Para alcançar estes objetivos, destacadamente o objetivo geral, lançar-se-á mão do referencial teórico-metodológico da técnica de Entrevistas Narrativas, segundo o escopo da Análise de Narrativas de Fritz Schütze. Vale ainda sinalizar que, reconhecendo a lacuna técnico-científica quanto à temática aqui proposta, bem como a necessidade de refletir sobre as práticas clínico-institucionais no campo da Atenção Psicossocial, para dar base à criação de novas tecnologias de cuidado que contemplem o debate sobre o racismo na Saúde Mental, justifica-se e apresenta-se, derradeiramente, o presente trabalho, que foi estruturado nos seguintes capítulos: (1º) O primeiro capítulo tratou de nossa fundamentação teórico-conceitual. Neste, foram abordados os principais conceitos utilizados ao longo deste nosso trabalho, a partir da definição de nosso corpus teórico, com a apresentação as respectivas linhas de abordagem teórico-conceitual, estruturadas segundo critérios históricos, científicos e políticos. Foram também introduzidas as principais autoras e autores aqui em diálogo, tanto dos campos da Saúde Coletiva e da Saúde Mental, como do campo das Relações Étnico-Raciais, intentando produzir uma confluência discursiva para as linhas de pensamento apresentadas. (2º) O segundo capítulo abordou o referencial teórico-metodológico utilizado para a construção desta pesquisa, desde as suas caracterizações iniciais – como: tipo de pesquisa, lócus de pesquisa, métodos de produção e análise dos dados, participantes do estudo, critérios de inclusão e de exclusão, instrumentos para a produção dos dados, etc. – até uma explanação maior acerca do método-base para a produção dos dados de campo – a saber: a Análise de Narrativas de Fritz Schütze, com as devidas contribuições de Sandra Jovchelovitch e Martin W. Bauer. (3º) O terceiro capítulo apresentou a revisão sistemática de literatura proposta nos objetivos específicos, construída a partir de escala temporal ampla e não restritiva. Para tal, também foram apresentados os seus elementos de caracterização inicial – como os descritores e as bases de dados indexadas utilizadas – bem como uma síntese analítica dos artigos encontrados, tanto em termos da literatura nacional como em termos da literatura internacional, com destaque para os achados na literatura científica norteamericana e europeia, maioria absoluta dos artigos presentes nas bases de dados acessadas, mas também na literatura brasileira e latinoamericana, os quais fazemos questão de, mesmo poucos, devidamente visibilizar. (4º) No quarto e último capítulo foram apresentados os principais achados da pesquisa de campo realizada, devidamente analisados segundo o referencial teórico-metodológico da Análise de Narrativas de Fritz Schütze, intentando apresentar as categorias oriundas tanto dos dados indexados (previstos a partir da fundamentação teórico-conceitual e da revisão sistemática de literatura) quanto dos dados não indexados (não previstos a partir dos mesmos tópicos já citados). Em seguida, das categorias produzidas e apresentadas, foi feita a discussão quanto aos principais achados da pesquisa de campo realizada, a partir das Trajetórias Individuais e Coletivas observadas e da interlocução com as autoras e autores da fundamentação teórico-conceitual e da revisão sistemática de literatura do presente texto. Ainda neste capítulo, intentou-se dar o devido desfecho ao objetivo geral da presente pesquisa, respondendo ao mesmo, bem como às perguntas de investigação que o originaram, culminando-se o trabalho realizado nas respectivas Considerações Finais, com a sistematização dos avanços, contribuições e limites deste nosso estudo. Enquanto trabalhadoras/es e pesquisadoras/es da Saúde Pública e da Saúde Mental, nós, autoras/es do presente trabalho, inquietas/os e motivadas/os pela experiência vivenciada em nosso saber-fazer no “chão das práticas”, esperamos que, após este percurso, este trabalho pudesse configurar-se como um instrumento em colaboração à luta antirracista na saúde e, mais especificamente, na Saúde Mental, sugerindo, a partir de tal, estratégias de ação possíveis e necessárias para o enfrentamento do racismo no processo de trabalho e nas práticas clínico-institucionais de trabalhadoras e trabalhadores de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) na Bahia e no Brasil.