Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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O CUIDADO DE HIV/AIDS POR UM MÉDICO DE FAMÍLIA E COMUNIDADE EM UM SERVIÇO AMBULATORIAL ESPECIALIZADO: RELATO DE EXPERIÊNCIA.
Lourrany Borges Costa, Vítor Nascimento Malheiro, Lara Thaís Pinheiro Medeiros, João Vitor Chagas Freitas, Clarice Almeida Alencar, Sarah Almeida Sales de Oliveira, Pedro Lucena de Aquino, Leonardo de Albuquerque Rocha

Última alteração: 2022-02-06

Resumo


Apresentação: A infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), transmitido principalmente por via sexual, se não tratada, causa a síndrome da imunodeficiência adquirida (aids), levando a diminuição gradual da imunidade e o surgimento de infecções oportunistas. Pessoas vivendo com o HIV (PVHIV) podem apresentar três fases clínicas: infecção aguda ou primária, fase assintomática ou latência e aids. A Organização Mundial de Saúde prioriza populações chave quanto à infecção pelo HIV, que inclui homens que fazem sexo com homens (HSH), pessoas transexuais, profissionais do sexo, pessoas em privação de liberdade e usuários de drogas. Após atingir um pico em 2005, a mortalidade relacionada ao HIV/aids diminuiu significativamente em todo o mundo, principalmente devido aos avanços no tratamento e prevenção. O Brasil foi um dos primeiros países latinos a adotar a meta UNAIDAS 2014 "90-90-90": até 2020, 90% de todas as PVHIV devem saber seu estado sorológico, 90% de todas as PVHIV diagnosticadas devem receber terapia antirretroviral (TARV) contínua e 90% de todas as pessoas em TARV devem alcançar carga viral indetectável. Desde 2012, observa-se uma diminuição na taxa de detecção de aids no Brasil, de 21,9 casos/100 mil hab. para 17,8/100 mil hab. em 2019. Apesar da redução de casos de aids, observa-se um aumento na taxa de detecção de HIV. No Ceará, a taxa de detecção do HIV passou de 2,5 casos/100 mil hab. em 2009 para 21/100 mil hab. em 2018, com concentração em pessoas do sexo masculino. Esses dados reforçam a importância do fácil acesso ao diagnóstico e tratamento para se evitar o início do cuidado em fases avançadas da doença, que aumenta a probabilidade de transmissão e mortalidade. Assim, novas estratégias devem ser buscadas, como a ampliação do acesso e abertura de mais locais de atendimento a essa população. Em Fortaleza, capital do Ceará, por muitos anos, o atendimento relacionado ao HIV foi centrado em um único local, o Hospital São José de Doenças Infecciosas, sobrecarregando o serviço. Dessa forma, iniciou-se um processo de descentralização do cuidado em 2006, criando Serviços Ambulatoriais Especializados (SAE). Atualmente existem 31 SAE no Ceará, sendo 13 em Fortaleza. Em 2014, o Ministério da Saúde do Brasil lançou um programa de prevenção combinada de cinco etapas para o HIV, envolvendo intervenções biomédicas (como o uso da Profilaxia Pré-Exposição - PrEP), comportamentais e estruturais, para promoção de saúde no nível individual e comunitário. O programa recomenda a ampliação da testagem e dos cuidados com o HIV para além do SAE, inclusive na atenção primária à saúde (APS), com atendimentos realizados por equipes de saúde da família. Objetivo: Relatar a percepção profissional de um médico de Família e Comunidade (MFC) sobre os processos de trabalho em um SAE, na Policlínica Luis Carlos Fontenele, em Fortaleza-CE, quanto ao cuidado de PVHIV e no manejo da PrEP. Método: Estudo descritivo por relato de experiência, referente ao período de novembro de 2021 a janeiro de 2022. Descrição da experiência: A Policlínica foi inaugurada em setembro de 2020 e com ela o novo SAE, que conta com 2 enfermeiras, 2 assistentes sociais, 2 psicólogas, 2 farmacêuticos e 1 médica infectologista. Esta trabalha 20h semanais, fazendo 40 atendimentos, sendo em média 12 vagas reservadas para PrEP e 28 para PVHIV. De outubro de 2020 a setembro de 2021, a média de admissões para PrEP foi de apenas 6,25 pacientes por mês. Porém, nos meses seguintes, devido à pressão da demanda por novas consultas, em novembro de 2021, foi contratado para o SAE um MFC, com carga horária de 20h semanais e ofertando 208 consultas por mês. Este é responsável pelos atendimentos de PrEP e pelo cuidado de PVHIV que já estivessem a pelo menos 1 ano com carga viral indetectável, um uso do esquema prioritário de TARV e sem queixas. Apesar de os cuidados relacionados ao HIV não serem comumente prestados por MFC em muitas cidades brasileiras, isto não foi um obstáculo. Deve-se a isso, a simplificação da TARV, com menos efeitos colaterais e a padronização dos protocolos de atendimento. Além disso, o MFC recebeu um breve treinamento da infectologista, podendo inclusive recorrer a ela em caso de dúvidas, seja para interconsultas, seja como matriciamento. Resultados: De novembro de 2021 a janeiro de 2022, foram realizadas 166 consultas de PrEP, sendo 119 novas admissões. Ao final de janeiro de 2022, o SAE contabilizava 228 pacientes em uso de PrEP e 518 em tratamento para HIV. Dentre os pacientes em PrEP, 207 (90.79%) são homens, a maioria HSH, e 21 (9,21%) são mulheres. Com a nova contratação, 138 novas vagas para consultas de primeira vez foram abertas na agenda da infectologista para atendimento de PVHIV até julho de 2022. Discussão: No atual contexto, em Fortaleza, os cuidados relacionados ao HIV estão concentrados nos SAE. Tal realidade tem impacto direto no número escasso de vagas ofertadas e no elevado tempo de espera para a realização de consultas, comprometendo o acesso, principalmente, àqueles pacientes recém-diagnosticados que ainda não iniciaram a TARV. Os estudos sobre o cuidado de HIV/aids no âmbito da APS evidenciam que essa reorganização do modelo de atenção promove a ampliação do diagnóstico precoce, melhoria do acesso ao tratamento, maior retenção das PVHIV, devido a longitudinalidade e territorialidade, além de uma integralidade no cuidado. A introdução de um MFC na escala de atendimentos do SAE oportunizou um maior número de admissões, favorecendo, principalmente, o suprimento às demandas relacionadas ao uso da PrEP. Além disso, com o redirecionamento dessa parcela de pacientes, houve um significativo acréscimo no número de vagas ofertadas para consultas com infectologista. Tais resultados ratificam a importância da descentralização desse cuidado, principalmente via capacitação de profissionais da APS. Considerações finais: O cuidado relacionado ao HIV envolve um espectro amplo de atribuições, o que requer mais de um nível de atenção para suprir todas as necessidades de saúde. A inserção de um MFC no âmbito do SAE é um exemplo de primeiro passo rumo à descentralização do cuidado relacionado ao HIV para a APS, ao demonstrar o quão positiva tem sido essa experiência e constatar o impacto significativo por meio de dados expressivos. A remoção de barreiras relacionadas ao HIV reduzirá os gargalos na linha de cuidados, melhorando o acesso ao tratamento regular e a prestação de saúde de forma humanizada, universal e integral, base do Sistema Único de Saúde brasileiro.