Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida
v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Última alteração: 2022-02-06
Resumo
Apresentação: A infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), transmitido principalmente por via sexual, se não tratada, causa a síndrome da imunodeficiência adquirida (aids), levando a diminuição gradual da imunidade e o surgimento de infecções oportunistas. Pessoas vivendo com o HIV (PVHIV) podem apresentar três fases clínicas: infecção aguda ou primária, fase assintomática ou latência e aids. A Organização Mundial de Saúde prioriza populações chave quanto à infecção pelo HIV, que inclui homens que fazem sexo com homens (HSH), pessoas transexuais, profissionais do sexo, pessoas em privação de liberdade e usuários de drogas. Após atingir um pico em 2005, a mortalidade relacionada ao HIV/aids diminuiu significativamente em todo o mundo, principalmente devido aos avanços no tratamento e prevenção. O Brasil foi um dos primeiros países latinos a adotar a meta UNAIDAS 2014 "90-90-90": até 2020, 90% de todas as PVHIV devem saber seu estado sorológico, 90% de todas as PVHIV diagnosticadas devem receber terapia antirretroviral (TARV) contínua e 90% de todas as pessoas em TARV devem alcançar carga viral indetectável. Desde 2012, observa-se uma diminuição na taxa de detecção de aids no Brasil, de 21,9 casos/100 mil hab. para 17,8/100 mil hab. em 2019. Apesar da redução de casos de aids, observa-se um aumento na taxa de detecção de HIV. No Ceará, a taxa de detecção do HIV passou de 2,5 casos/100 mil hab. em 2009 para 21/100 mil hab. em 2018, com concentração em pessoas do sexo masculino. Esses dados reforçam a importância do fácil acesso ao diagnóstico e tratamento para se evitar o início do cuidado em fases avançadas da doença, que aumenta a probabilidade de transmissão e mortalidade. Assim, novas estratégias devem ser buscadas, como a ampliação do acesso e abertura de mais locais de atendimento a essa população. Em Fortaleza, capital do Ceará, por muitos anos, o atendimento relacionado ao HIV foi centrado em um único local, o Hospital São José de Doenças Infecciosas, sobrecarregando o serviço. Dessa forma, iniciou-se um processo de descentralização do cuidado em 2006, criando Serviços Ambulatoriais Especializados (SAE). Atualmente existem 31 SAE no Ceará, sendo 13 em Fortaleza. Em 2014, o Ministério da Saúde do Brasil lançou um programa de prevenção combinada de cinco etapas para o HIV, envolvendo intervenções biomédicas (como o uso da Profilaxia Pré-Exposição - PrEP), comportamentais e estruturais, para promoção de saúde no nível individual e comunitário. O programa recomenda a ampliação da testagem e dos cuidados com o HIV para além do SAE, inclusive na atenção primária à saúde (APS), com atendimentos realizados por equipes de saúde da família. Objetivo: Relatar a percepção profissional de um médico de Família e Comunidade (MFC) sobre os processos de trabalho em um SAE, na Policlínica Luis Carlos Fontenele, em Fortaleza-CE, quanto ao cuidado de PVHIV e no manejo da PrEP. Método: Estudo descritivo por relato de experiência, referente ao período de novembro de 2021 a janeiro de 2022. Descrição da experiência: A Policlínica foi inaugurada em setembro de 2020 e com ela o novo SAE, que conta com 2 enfermeiras, 2 assistentes sociais, 2 psicólogas, 2 farmacêuticos e 1 médica infectologista. Esta trabalha 20h semanais, fazendo 40 atendimentos, sendo em média 12 vagas reservadas para PrEP e 28 para PVHIV. De outubro de 2020 a setembro de 2021, a média de admissões para PrEP foi de apenas 6,25 pacientes por mês. Porém, nos meses seguintes, devido à pressão da demanda por novas consultas, em novembro de 2021, foi contratado para o SAE um MFC, com carga horária de 20h semanais e ofertando 208 consultas por mês. Este é responsável pelos atendimentos de PrEP e pelo cuidado de PVHIV que já estivessem a pelo menos 1 ano com carga viral indetectável, um uso do esquema prioritário de TARV e sem queixas. Apesar de os cuidados relacionados ao HIV não serem comumente prestados por MFC em muitas cidades brasileiras, isto não foi um obstáculo. Deve-se a isso, a simplificação da TARV, com menos efeitos colaterais e a padronização dos protocolos de atendimento. Além disso, o MFC recebeu um breve treinamento da infectologista, podendo inclusive recorrer a ela em caso de dúvidas, seja para interconsultas, seja como matriciamento. Resultados: De novembro de 2021 a janeiro de 2022, foram realizadas 166 consultas de PrEP, sendo 119 novas admissões. Ao final de janeiro de 2022, o SAE contabilizava 228 pacientes em uso de PrEP e 518 em tratamento para HIV. Dentre os pacientes em PrEP, 207 (90.79%) são homens, a maioria HSH, e 21 (9,21%) são mulheres. Com a nova contratação, 138 novas vagas para consultas de primeira vez foram abertas na agenda da infectologista para atendimento de PVHIV até julho de 2022. Discussão: No atual contexto, em Fortaleza, os cuidados relacionados ao HIV estão concentrados nos SAE. Tal realidade tem impacto direto no número escasso de vagas ofertadas e no elevado tempo de espera para a realização de consultas, comprometendo o acesso, principalmente, àqueles pacientes recém-diagnosticados que ainda não iniciaram a TARV. Os estudos sobre o cuidado de HIV/aids no âmbito da APS evidenciam que essa reorganização do modelo de atenção promove a ampliação do diagnóstico precoce, melhoria do acesso ao tratamento, maior retenção das PVHIV, devido a longitudinalidade e territorialidade, além de uma integralidade no cuidado. A introdução de um MFC na escala de atendimentos do SAE oportunizou um maior número de admissões, favorecendo, principalmente, o suprimento às demandas relacionadas ao uso da PrEP. Além disso, com o redirecionamento dessa parcela de pacientes, houve um significativo acréscimo no número de vagas ofertadas para consultas com infectologista. Tais resultados ratificam a importância da descentralização desse cuidado, principalmente via capacitação de profissionais da APS. Considerações finais: O cuidado relacionado ao HIV envolve um espectro amplo de atribuições, o que requer mais de um nível de atenção para suprir todas as necessidades de saúde. A inserção de um MFC no âmbito do SAE é um exemplo de primeiro passo rumo à descentralização do cuidado relacionado ao HIV para a APS, ao demonstrar o quão positiva tem sido essa experiência e constatar o impacto significativo por meio de dados expressivos. A remoção de barreiras relacionadas ao HIV reduzirá os gargalos na linha de cuidados, melhorando o acesso ao tratamento regular e a prestação de saúde de forma humanizada, universal e integral, base do Sistema Único de Saúde brasileiro.