Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida
v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Última alteração: 2022-02-04
Resumo
Trata-se de um relato de experiência do IV Fórum Baiano de Atenção Primária à Saúde, promovido pela Liga de Atenção Primária à Saúde da Universidade Federal da Bahia (LAPS/UFBA), nos dias 27 e 28 de janeiro de 2022. Este trabalho objetiva apresentar as atividades realizadas durante o evento, bem como apontar os seus resultados e os efeitos produzidos.
A quarta edição do Fórum, que contou com a temática: “As diversas faces da Atenção Primária à Saúde - possíveis ou utópicas?”, discutiu as múltiplas realidades dos serviços de saúde e das condições de vida da população. Além disso, possibilitou o debate sobre os possíveis caminhos para construção e fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) e da Atenção Primária à Saúde (APS). Desse modo, trouxe consigo não somente as sementes plantadas nas edições dos fóruns anteriores, mas também o desejo forte e urgente da LAPS em construir um espaço acessível, inclusivo, integrativo e que rompesse as barreiras criadas pela pandemia da COVID-19, com vistas a abrir mais caminhos para debater a APS e juntar forças na luta política pela efetivação do SUS democrático, público, gratuito, universal, de qualidade e com integralidade no cuidado e na atenção à saúde.
Por questões sanitárias relacionadas à pandemia, o evento ocorreu na modalidade on-line, tendo sido realizada a transmissão de duas conferências e quatro mesas de debate através do YouTube, pelo canal da Liga, caracterizando o livre acesso a esses espaços. Os vídeos disponibilizados no canal “LAPS UFBA” somaram, ao fim de janeiro de 2022, 4.408 visualizações. Além desses espaços publicizados e públicos na rede virtual, ocorreram 17 salas de apresentações de trabalhos e seis oficinas, as quais foram realizadas por meio da plataforma Google Meet. Ao todo, o Fórum contou com 777 pessoas inscritas, de 17 estados, com 167 trabalhos acadêmico-científicos e artístico-culturais submetidos e avaliados pela Comissão Científica. Essa Comissão foi formada por pessoas docentes e pesquisadoras de diferentes instituições brasileiras de ensino e serviços de saúde.
A audiência nas mesas e conferências ao vivo flutuou entre 70 e 100 indivíduos assistindo simultaneamente. Ademais, as e os participantes se distribuíram nas salas de oficinas e de apresentações de trabalho, variando em torno de 20 a 50 por ambiente. Nas mesas e conferências, as pessoas debatedoras efetuaram audiodescrição e houve tradução simultânea em Português-Língua Brasileira de Sinais, realizada pela equipe de tradutores-intérpretes do Núcleo de Apoio à Inclusão do Aluno com Necessidades Educacionais Especiais da UFBA. O suporte tecnológico e administrativo foi fornecido a partir da Superintendência de Tecnologia da Informação e do Sistema de Gerência de Eventos desta Universidade, com o auxílio de pessoas monitoras, ligantes da LAPS e Comissão Organizadora.
O evento contou com um ato de abertura, iniciado ao som dos Alagbês, com saudação aos 75 anos da UFBA e subsequente abertura dos caminhos. A partir de cada espaço, computador, tablet ou celular, entre outros dispositivos, a palavra utopia foi sonorizada, reverberando a UNIVERSIDADE PÚBLICA, GRATUITA, INCLUSIVA E DE QUALIDADE, num país democrático e com um SUS forte. A conferência de abertura, após esse ato simbólico, acendeu o alerta para as diversas faces da APS, onde "cada um é um mundo" (Altério e Viáfora) – singular, complexo, simples, diverso, amplo e poético –, e o debate que se seguiu na primeira mesa afirmou que a “Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo” (Paulo Freire), como nossos encantados não nos deixam esquecer. Sob a inspiração da memória destas pessoas, as pesquisas, os relatos, os ensaios e as experiências foram expostos em salas cujos nomes simbolizam o mais profundo respeito e gratidão. Foram elas: Fran Demétrio, Simone Leite, Milton Santos, Maria Odília Teixeira, Marlon Araújo Pires, Juliano Moreira, Sebastião Loureiro, Victor Valla, Paulo Freire, Nise da Silveira e todas as Meninas e Meninos Joel perdidos pela injustiça racial e violência de Estado.
As apresentações e discussões em torno dos trabalhos também foram realizadas mobilizando afetos, inteligências e capacidades, inspiradas pela presença de pessoas marcantes para a construção cotidiana do SUS, como Diana Brasil Sampaio, Mônica Calazans, Dina Czeresnia, Vera Formigli, Áureo Augusto e Edna Maria de Araújo. O conhecimento compartilhado e a presença dessas pessoas entre nós, sem dúvida, ajuda-nos a caminhar neste “Mundo tão desigual, [onde] tudo é tão desigual” (Gilberto Gil), como foi denominada outra mesa de debate. Destacamos que nessa atividade não conseguimos garantir a presença de representantes de povos originários, por meio de falas, mas deixamos nosso agradecimento a cada pessoa indígena que comemorou e agradeceu o convite. Reconhecemos mais esta como uma das grandes dívidas com vocês.
Em consonância, as oficinas propostas pelo evento criaram oportunidades de conhecer melhor o ofício de quem se dedica a cuidar no SUS e a construí-lo, através de diferentes temáticas, sendo elas: ‘‘Redução de Danos na Atenção Primária à Saúde’’, ‘‘Escuta sensível pela dinâmica dos sentidos orgânicos’’, ‘‘Cuidando da saúde mental na Atenção Primária: instrumentalizações possíveis’’, “HIV/Aids na Atenção Primária à Saúde", ‘‘Sua Consulta Tem Cor?’’ e “Residências multi: o que precisamos saber?’’.
Somaram-se às oficinas, debates que demarcaram a diversidade de saberes e práticas de saúde com enfoque na multidimensionalidade dos processos de saúde-adoecimento-cuidado. Nesse sentido, as Práticas Integrativas e Complementares e a articulação entre as diferentes tecnologias na produção do cuidado, pensando também na descolonização de seres, saberes e fazeres no âmbito da APS, estiveram presentes na forma de “Livros, discos, vídeos à mancheia e deixa que digam, que pensem, que falem” (Caetano Veloso), título da segunda mesa de debate. Para além disso, se “Pr'esse canto do mundo’’, o território e o meio ambiente, enquanto determinantes sociais de saúde e locais de produção da vida no contexto da APS, da contemporaneidade e do mundo globalizado, encontram-se presentes, questionamos de forma desafiadora na última mesa de debate ‘‘Quando [e se] virá o amor?” (Caetano Veloso).
Assim como os caminhos foram abertos, houve a necessidade de fechá-los, ao menos oficialmente e momentaneamente. Para tanto, o ato de despedida e a Conferência de fechamento deixaram no ar aquela inquietação preconizada ao longo do IV Fórum Baiano de APS: as diversas faces da APS, afinal, são possíveis ou utópicas, mediante o panorama político, econômico e social do país?
Diante de tudo isso, fica evidente: o que vivemos foi muito mais que um fórum. Foram inúmeros encontros plurais, diversos, inclusivos, potentes e produtores de mais vida nas muitas vidas em produção. Mais vida, inclusive, no que construímos como “vida acadêmica” e suas possibilidades. Com arte, poesia e muito diálogo, o IV Fórum Baiano de Atenção Primária à Saúde mostrou-se potente como espaço de construção de (re)existências, utopias e insurgências nesses tempos de redução do financiamento, desmonte e precarização da APS e do SUS pelos quais estamos passando no Brasil.