Apresentação:

No contexto da pandemia da Covid-19, sabemos que uma boa parte dos projetos de pesquisa em saúde tiveram que adaptar suas práticas habituais de produção de dados, tanto pela necessidade de reconfiguração dos modos de habitar o campo a ser pesquisado quanto pela limitação na implementação de técnicas de produção de dados, especialmente aquelas mais utilizadas pelas pesquisas qualitativas, como as entrevistas, grupos focais e observação participante.

Neste contexto, parte importante dessas adaptações incluíram a virtualização dos processos investigativos tomando o ciberespaço como campo de produção de dados e a modalidade remota como modo possível de sustentar a pesquisa, mediada pelas tecnologias da informação e comunicação (TICs). No bojo dessas possibilidades experimentadas, a adoção de questionários on line (QOL) se configurou possivelmente como a principal estratégia para a coleta ou colheita de dados utilizada neste período.

Nas pesquisas em geral, um questionário pode ser definido como um instrumento para coletar informações a partir de opiniões, perspectivas ou impressões de sujeitos individuais e coletivos a respeito de terminado objeto de pesquisa. Na maior parte das vezes, os questionários do tipo survey são utilizados no formato de um questionário estruturado, voltado para pesquisas quantitativas com amostras representativas de um grupo ou conjunto populacional, mas no nosso caso em particular, nos interessou experimentar o uso deste instrumento como dispositivo de uma pesquisa-intervenção, para produção de dados quanti-qualitativos com maior ênfase na experiência singular dos participantes do que em possíveis pretensões generalizantes.

Para isso, foi necessário criar estratégias e processos metodológicos que minimamente conseguissem acessar a experiência vivida. Nesta direção, o objetivo deste trabalho é compartilhar com a Rede Unida o processo de construção de um QOL como dispositivo de uma pesquisa-intervenção, a partir da metodologia de relato de experiência, partindo do testemunho do processo  de experimentação de uma pesquisa localizada, intitulada “Reinvenções da vida e da saúde no contexto de pandemia: o lugar da cultura. Tal pesquisa foi construída a partir de uma parceria entre o Departamento de Medicina Preventiva da Universidade de São Paulo e o Centro de Pesquisa e Formação do Sesc-SP.

Resultados: As possíveis possibilidades interventivas do QOL produzidas ativamente em seu processo de construção serão apresentadas em 4 dimensões:

(1) uma dimensão ética-investigativa, que buscou construir perguntas adequadas em sua forma e conteúdo para responder ao problema inicial da pesquisa; (2) uma dimensão política, valorizando o potencial de transformação que toda pesquisa pode comportar, de alterar a relação dos participantes com o próprio objeto da investigação; (3) uma dimensão clínica, ao compreender que o processo de produção de conhecimento em saúde, pode também produção de cuidado ; 4) uma dimensão estética-comunicacional que buscou fazer de um  QOL uma trilha reflexiva e uma experiência cultural.

Conclui-se que o QOL, que poderia se reduzir à um instrumento de coleta de dados, mesmo com todas suas limitações, pode se transfigurar em um dispositivo ativador de experiências, em uma intervenção produtora de conhecimento, mas também de cuidado, de reflexão, e de desvios.