Associação da Rede Unida, 15º Congresso Internacional da Rede Unida

Anais do 13º Congresso Internacional da Rede Unida

v. 4, Suplemento 1 (2018). ISSN 2446-4813: Saúde em Redes
Suplemento, Anais do 13ª Congresso Internacional da Rede UNIDA
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ENCONTRO MARCADO: FEIJOADA DE SÃO JORGE
Moisés Antônio de Melo Abrao, Monique Freitas Barreto Britto, Pedro Victorino Carvalho de Souza, Rebeca Azevedo Machado Pinto, Ranulfo Cavalari Neto

Última alteração: 2022-02-04

Resumo


Este resumo trata da experiência de um trabalhador, que atua em um abrigo institucional em Maricá-RJ. A forma de diálogo será por meio da narrativa, buscando representar por meio de palavras algum sentido que chegue próximo ao vivido na Casa Abrigo Ernani Gomes Duarte – um casarão de dois andares alugado pela prefeitura, ocupado pelos moradores em situação de rua, com paredes brancas, divisórias de fibra de madeira produzindo quartos, uma área externa com gramado, bancos, churrasqueira, um pé de acerola e uma pequena horta, onde os moradores/as por muitas das vezes se reúnem, conversam, riem, discutem e contam histórias....

É 23 de abril, dia de São Jorge, feriado no RJ, ao longo da manhã, entre as várias atividades, me proponho a estudar um pouco na sala dos técnicos – local da casa mais esvaziado. Entre idas e vindas, o assunto predominante naquele momento era a produção do “Jornal A Mancada” – desejo coletivo dos moradores naquele momento, aos poucos fui deixando o pensamento de estudar de lado e o assunto do jornal foi transbordando. Iniciou-se logo após o movimento para fazer um almoço (dia de São Jorge), me recordei de um encontro na rua onde ouvi, "amanhã é dia de feijoada, dia do Santo Guerreiro, dia de São Jorge". Rapidamente, fiz uma proposta, “porque não tentamos juntar um dinheiro e fazemos uma feijoada”? De forma quase que relâmpago o assunto ecoou, foram arrecadados R$ 136 reais, uma trabalhadora conseguiu uma panela emprestada, alguns moradores foram buscar lenha, outros foram ao mercado, e assim começa a produção do almoço.

Os protagonistas foram os moradores. Depois de já ter desistido de pensar em estudar na sala, me senti convidado a curtir o processo e o momento junto aos moradores, comumente chamados de “usuários do serviço”. Existia uma mística, na qual não consigo colocar em palavras, toda casa ao redor conversando, rindo, contando histórias, ouvindo música enquanto a panela dava pressão e o caldeirão fervia. De repente me veio uma preocupação, a comida institucional – as quentinhas que chegam- vai sobrar, mas, como tenho achado que o universo tem conspirado a nosso favor, adivinhem o que veio nas quentinhas neste dia? A combinação perfeita para uma feijoada - linguiça suína, arroz, feijão, couve à mineira e laranja - pronto! O caldeirão continuava a ferver, a essa altura a carne já havia sido escaldada e o feijão já estava sendo temperado, e assim começava a ser servida a feijoada de São Jorge. Não tinha prato, nem talheres, quiçá a concha para servir o feijão, pois a casa não conta com tais utensílios, mas foi dado um jeito, um canecão virou a concha, na ausência de pratos e talheres alguns precisaram comer em canecas, mas todos comeram. E assim fomos caminhando para o fim do almoço. Uma fala me chamou a atenção, disse alguém: "Hoje não precisaremos de Diazepam para dormir". A fala final, me trouxe a reflexão de uma possível pista do cuidado baseado na clínica dos encontros e dos afetos.